FRED NAVARRO
Jornalista e escritor. Autor
dos livros ASSIM FALAVA LAMPIÃO
e DICIONÁRIO DO NORDESTE |
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Fred Navarro, jornalista
pernambucano, publicou em setembro do ano passado "Assim Falava
Lampião", pela Editora Estação Liberdade, livro com mais de 2.500
palavras e expressões utilizadas no Nordeste. Fruto de um trabalho de
quase três anos, de pesquisa em vários dicionários, em 34 livros
representativos da cultura nordestina e em obras de 27 músicos como
Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, além, é claro, de contar com sua
própria vivência e de amigos nordestinos, o autor nos oferece uma obra
que resgata a língua falada na região. Língua esta que representa a
inventividade, a criatividade e a resistência de uma população que se
apropria e que adapta à sua realidade palavras das mais diversas
origens. Nos últimos 500 anos, foram muitas as influências portuguesas,
indígenas, espanholas, africanas, francesas, árabes e inglesas,
contribuindo para que o português falado no Nordeste seja ao mesmo tempo
igual, porém distinto, daquele falado no resto do país.
Além do resgate das palavras,
Fred mostra o uso corrente das mesmas, o que dá um prazer especial
à leitura, sem contar as deliciosas receitas culinárias descritas para
justificar seus nomes. Por exemplo, o que é Cartola senão uma
sobremesa feita com "banana-comprida", "queijo de coalho",
manteiga, açúcar e canela? Neste livro você descobrirá, por exemplo, que
"muvuca" também é enfusca, toca, maloca, moquifo.
NordesteWeb:
Como foi que surgiu a idéia deste livro?
Fred: Depois de 13 anos morando em São Paulo, decidi
organizar e sistematizar um trabalho que sempre fiz desde que saí do Recife:
anotar as palavras e expressões tipicamente nordestinas, que o resto do
Brasil não conhece. O resultado foi o livro, enriquecido pelas citações de
autores e artistas da região.
NordesteWeb:
Escrever um livro como este deve ser um prazer para alguém que, como você,
está há 13 anos em São Paulo. Quais foram as maiores dificuldades que
você encontrou? E quais foram os momentos mais gratificantes?
Fred: A maior
dificuldade, sem dúvida, foi checar as fontes, um trabalho essencialmente
jornalístico. No caso de Assim Falava Lampião, são muitas as palavras e
expressões que “parecem” ser nordestinas, mas que de fato não são. Azoretar,
por exemplo, que muitos apostam ser pernambucana, já era usada em Portugal
antes do Brasil ser descoberto. A palavra vem da expressão “da casa de
Orates”, que deve ter sido um doido bem popular em Portugal. Quanto aos
momentos mais gratificantes, foram muitos, principalmente os que passei
pesquisando discos e livros atrás de citações que ancorassem as palavras e
expressões.
NordesteWeb:
Você disse em outra entrevista que "o dicionário é uma forma de integrar o
universo vocabular da região ao resto do país". Como ele está sendo aceito
nas outras regiões? E no Nordeste?
Fred: Preparo neste momento as alterações para a terceira
edição do livro, prevista para sair em maio. O fato de ter quase esgotado
5.000 exemplares em pouco mais de 100 dias do lançamento nacional em Recife,
em 24/9/98, é um bom indicativo da boa aceitação do livro no mercado. Há
problemas terríveis de distribuição, algumas livrarias esgotam o livro e não
pedem reposição, há cadeias nacionais em que a centralização das decisões no
Rio e em São Paulo afeta a distribuição nas livrarias do Nordeste, muito
amadorismo, mas isto não é novidade para quem mora no Brasil. As vendas são
surpreendentes em cidades como Belo Horizonte, Salvador, João Pessoa,
Recife, Brasília e São Paulo, e razoáveis no resto do país. O Nordeste
divide com São Paulo quase 2/3 das vendas do livro.
NordesteWeb:
Quais seus próximos trabalhos? Você pretende continuar com este tipo de
pesquisa?
Fred: Já estou
continuando, a terceira edição vai atingir quase (ou pouco mais de) 3.000
palavras e expressões, com muito material novo da Bahia, do Maranhão e do
Piauí, principalmente. Este ano publico um livro contendo duas peças de
teatro, adaptações que fiz de textos de Franz Kafka e de Jorge Semprún, um
autor e roteirista espanhol de primeira linha (Estado de Sítio, A Confissão
e Z, de Costa-Gavras, por exemplo). E, se sobrar tempo, concluirei um
romance quase pronto sobre a violência urbana em São Paulo.
NordesteWeb:
Num país de grandes diferenças regionais como o nosso, mas com um processo
inequívoco de globalização, de uniformização da linguagem, de usos e
costumes difundidos pelos meios de comunicação, você acredita que a cultura
nordestina tende a se firmar cada vez mais ou corre o risco de ser
"engolida" pela onda de globalização. Por quê?
Fred: Creio ser uma
tendência universal o crescimento e a preservação da cultura local. Num
mundo em permanente integração cultural e econômica, com as distâncias se
tornando cada vez menores, com as multidões circulando em massa pelo
planeta, vestindo-se quase toda igual, comendo quase todos a mesma comida, a
“cor local” é que vai fazer a diferença. É só observar os filmes iranianos e
chineses, que tanto sucesso vêm fazendo mundo a fora. Ou as literaturas
indiana e portuguesa, em alta. A cultura nordestina preservou elementos
próprios, naturais, que não são encontrados facilmente por aí, a exemplo do
frevo, do baião, da timbalada, Graciliano Ramos, Dorival Caymmi, Ariano
Suassuna, as comidas típícas, o zabumba, o pífano, os maracatus, o uso da
sanfona. A lista é interminável. A globalização, na minha opinião, vai
terminar sendo obrigada a vender no mundo inteiro tudo aquilo que tiver
alma, característica, identidade própria, pois serão esses os pré-requisitos
dos consumidores de cultura em qualquer lugar do planeta.
©
Lorien M. Zanini, NordesteWeb