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05-06-2008
Terceiro romance da escritora Adriana Lisboa faz referências à obra do poeta pernambucano numa história de amor, lembranças e perdas SCHNEIDER CARPEGGIANI Manuel Bandeira não costumava atribuir sobrenome para as personagens femininas que apareciam em seus poemas. Para ele, tudo era bem simples. Era apenas Irene, aquela preta e boa, que nem precisava de licença para entrar no céu – São Pedro, todo bonachão, lhe abria logo passagem. Ou Antônia, ou D. Janaina. Ou mesmo Teresa, que tinha pernas estúpidas e olhos que eram mais velhos que o resto do seu corpo – “Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse”, escreveu. A Teresa de Bandeira serviu como mote para a escritora carioca Adriana Lisboa escrever seu terceiro romance, Um Beijo de Colombina. A Teresa, a de Lisboa, também não tem sobrenome, como queria o poeta. O livro surgiu a partir do projeto de pós-graduação em letras da autora. “Eu tinha de escrever sobre Bandeira. Minha idéia inicial era falar de um encontro entre o poeta pernambucano e Mario de Andrade, mas depois mudei de opinião. Quis fazer um livro mais simples, com poucos personagens. Com o tempo, eu gosto de ir reduzindo as tramas”, esclareceu Lisboa. Apesar de não aparecer diretamente no romance, o espectro de Bandeira paira por toda a obra. Seus versos são utilizados na trama, em um sampler literário, misturados à fala de um professor de latim (nem nome ele tem), que perde a sua própria Teresa, afogada, após oito meses de convivência. Escritora famosa, Teresa tinha como um dos seus projetos fazer um romance baseado em personagens de Bandeira. Como a morte impossibilitou a sua realização, a imagem do poeta acaba perseguindo o amante de Teresa, como uma espécie de confidente, seu maior amigo íntimo. A poesia de Bandeira acaba sendo, então, a única companhia do professor de latim para driblar a perda da sua Teresa, tarefa na qual que ele se debate, em vão, durante toda a trama – “Aquelas tardes em que eu me sentava sozinho no degrau da varanda enquanto Teresa nadava eram como aquele instante preciso e precioso depois de um filme, quando ninguém ainda perguntou e aí, gostou?, quando nenhum ônibus ainda acelerou em meus ouvidos, quando ninguém ainda sugeriu um chope”, desabafa o narrador. A maestria de Lisboa em narrar sua trama, brincando com o espectro de Bandeira, possibilita que o romance tenha diversas formas de leituras simultâneas: ele pode ser lido como a história de um professor de latim que repensa a sua vida após a morte prematura da namorada, ou mesmo como o próprio livro que Teresa pensou, mas que não conseguiu escrever. A Teresa criada por Bandeira aqui se transforma em personagem e criatura de si mesma. Pelo tom de monólogo que cerca Um Beijo de Colombina, Adriana Lisboa se sente uma verdadeira carta fora do baralho, quando se tem em mente o caminho seguido por seus contemporâneos literários de maior sucesso. “Houve um determinado período em que predominou na mídia a imagem do escritor-roteirista, que tinha uma escrita rápida, visual e urbana, quase como um filme e que também escrevia para o cinema e a TV. Esse não é o meu caso. Mas acho que neste começo de década andam aparecendo autores que estão se voltando para um tipo de texto mais lírico, pessoal”, acredita Lisboa. Adriana Lisboa estreou com o romance Os Fios da Memória, em 1999. Em 2001, o seu Sinfonia em Branco foi vencedor do Prêmio Saramago de Literatura, criado após o português ter recebido o Nobel. Lisboa foi a primeira autora de língua portuguesa, fora de Portugal, a receber esse prêmio. Serviço: (© Jornal do Commercio-PE)
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