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Os doze trabalhos de fagner

05-06-2008

Raimundo Fagner

Raimundo Fagner tem a década mais expressiva de sua carreira revisitada na lata Raimundo, que reedita em CD os doze trabalhos que o cearense fez entre 1975 e 1985. O trabalho de pesquisa e os textos são assinados pelo jornalista Marcelo Fróes. O Vida & Arte convidou o próprio Fagner para relembrar cada disco

Luciano Almeida Filho
da Redação

   Os fãs cobravam há tempos. Velhos admiradores queriam ter em CD aquele bolachão que já está todo arranhando na estante. Discos que, para eles, marcaram suas juventudes, lembraram velhos amores, anos de chumbo e paixões arrebatadoras. Queriam reouvir aquelas canções, aquela voz rascante, diferente de quase tudo que dominava a música brasileira de então, nordestinidade mourisca na garganta e uma vontade ganhar o mundo do jovem irrequieto Raimundo Fagner.

   Agora a chance veio com a edição da lata Raimundo (Sony Music), que reúne 12 trabalhos do cantor e compositor lançou entre 1975 e 1985. Onze deles foram editados originalmente pela antiga gravadora CBS, onde Fagner chegou a ocupar o cargo de diretor artístico do selo Epic. O período é considerado por muitos a fase áurea da carreira do cearense. Traz trabalhos fundamentais como Raimundo Fagner (1976), Orós (1977), Beleza (1979), e discos pelos quais o próprio Fagner nutre um carinho especial como Traduzir-se (1981) e Homenagem a Picasso, este um projeto especial que saiu em edição limitadíssima, parceria com o poeta Rafael Alberti, o violonista flamenco Paco de Lucia e a cantora argentina Mercedes Sosa.

   A estes trabalhos foi acrescentado o CD Ave Noturna, o segundo trabalho, originalmente editado pela gravadora Continental em 1975. ''Este foi o próprio Fagner que se empenhou em incluir aqui'', declara o responsável pela reedição, o jornalista e pesquisador Marcelo Fróes. Certos discos trazem diferenças das edições originais. ''Algumas faixas não entraram por conta de autorização'', adiantou Fróes. Ele ainda pesquisou participações de Fagner em outros trabalhos e incluiu-as como faixas-bônus. ''Aqui eu inclui nos discos de forma cronológica'', explicou Marcelo, que dá seqüência a seu trabalho de resgate do catálogo dos grandes nomes da música brasileira no arquivo das gravadora multinacionais. Atualmente, está trabalhando no catálogo de Ney Matogrosso e Jorge Ben para lançamentos futuros.

   A edição chega em boa hora quando Fagner está batendo uma bola com o maranhense Zeca Baleiro, nome revelado na geração anos 90 e fã declarado desta fase da carreira do cearense. Os dois inclusive estão lançando o DVD que reúne trechos da gravação do CD da dupla e shows no Rio de Janeiro. É o próprio Fagner quem comenta aqui, disco por disco, a caixa. Relembra histórias, revisita memórias, fala de cada trabalho e de suas respectivas reedições.

SERVIÇO
Raimundo
- Lata reunindo em 12 CDs a discografia do cantor e compositor cearense, lançados originalmente na CBS entre 1975 e 1985. Pesquisa, produção e textos da reedição: Marcelo Fróes. Lançamento Sony Music. Preço médio: R$ 175,00. À venda nas principais lojas da cidade.

(© NoOlhar.com.br)


Por ele mesmo

   Ave Noturna (1975) - ''Este foi meu segundo LP, depois do Manera (Fru fru Manera). Trazia novos parceiros, tinha Cacá Diegues, Capinam, vinha com as misturas nordestinas do 'Antonio Conselheiro' e 'Riacho do Navio'. Teve a parceria com Fausto Nilo, a primeira que a gente gravou. Tem a música do Belchior que era o nosso hino na época, 'A Palo Seco'. Tinha o Vímana tocando com o Paulo Moura de smoking regente. Foi a época dos shows do MAM com ambientação do pessoal da Nuvem Cigana. Era o show Astro Vagabundo. Antes disso, o MAM fazia uns shows tímidos, este foi o primeiro show de lá que estourou: fui para fazer uma semana, fiquei quase um mês. Uma semana depois disso aqui, teve um show lá com vários artistas - Caetano, Gil... - e eu que encerrava. Foi quando conheci o Glauber Rocha e ele queria saber quem era eu. Ele entrou e perguntou: 'Por que é que é você a estrela desse show, se tem Caetano, Gil? E eu falei do sucesso que tava fazendo com minha temporada. Este disco tem também o Petrúcio com 'Beco dos Baleiros', 'Estrada de Santana'. Tinha mais música, não sei porque não entrou outras que gravamos na época. Este disco foi lançado pela Continental, hoje pertence a Warner, e foi cedido gentilmente para este projeto pelo meu amigo Cláudio Condé, presidente da Warner''.

   Raimundo Fagner (1976) - ''Aqui começou minha parceria com Abel Silva. Tem a mistura com os músicos mineiros - Wagner Tiso, Luiz Alves, Robertinho Silva, Túlio Mourão - e tem o Robertinho de Recife. Foi mais para o show do Teatro Tereza Rachel. Tem o 'ABC', 'Asa Partida', 'Calma Violência'... Foi o começo da diversificação e a consolidação das parcerias com Capinam, Fausto, Abel que me acompanham até hoje. Foi também o começo das produções no estúdio da CBS já. Aqui ainda não teve nenhum bônus, está o disco como ele é''.

   Orós (1977) - ''Aqui já tem alguns bônus. Não sei por que 'Acalanto de um punhal' entrou aqui, porque é do outro disco. Este disco tem Hermeto Pascoal tocando e fazendo os arranjos. Não sei por que não está o 'Epigrama nº 9', porque estava registrado e não tem razão nenhuma para eles não autorizarem. Porque eles vivem atrás de grana, qualquer coisa que saia. O 'Motivo' teve problema não é por causa da autoria, da parceria, foi porque eu botei Eu Canto na capa e eles queriam uma grana porque usei o verso no título. Mas a minha história com a família da Cecília Meireles merece ser esquecida. Aqui tem o começo da minha parceria com o Brandão com 'Esquecimento'. Tem também a única música que fiz com Belchior fora do tempo aqui do Ceará com 'Romanza'. Aqui em Fortaleza, ele era meu parceiro mais constante. Fizemos esta música no quitinete que a gente morava, o Fausto foi lá. E depois fizemos um bolero para Ângela Maria, depois disso nunca mais fiz uma parceria com Belchior. Neste disco aqui tem o lado musical mais forte, de tirar o máximo das músicas, aproveitando o Hermeto na história. Foi gravado simultâneo com o disco do Ricardo Bezerra, Maraponga'.

   Eu Canto (1978) - ''Este é o disco que praticamente formou a banda, que vim de Paris com ela e fiquei com ela por muito tempo. O Ozias, o Manassés, o Ife e, por conta dessa coisa dos violões, mais acústico, tinha o Dino Sete Cordas. Tem o bônus com 'Quem me levará sou eu', que foi do festival, tem uma outra gravação do 'Manera Fru Fru' e do 'Cavalo Ferro'. Este disco foi o mais marcante da mudança do meu trabalho, de sair de um público e entrar em outro, um público maior: 'Revelação' estourando, a nível de rádio foi o primeiro grande sucesso. Antes, meu público era praticamente universitário. E tem a coisa da banda mesmo, tirando um som, sentindo a coisa da guitarra entrando fortemente com o Robertinho, não sei porque a foto dele não tá aqui''.

   Beleza (1979) - ''Aqui foi outra viagem. Tem o João Donato fazendo os arranjos, regendo. Tem o 'Noturno', 'Frenesi', 'Asas', 'Beleza', 'Ave Coração'... É bem misturado. Tem uma seresta que é 'Mulher'. O bônus é 'Oferenda', acho que é do disco do Clodo. Foi o maior estouro por causa da novela (Coração Alado). A Janete Clair botou o dedo em cima, queria esta música ('Noturno') de todo o jeito na abertura. Foi a maior confusão, porque já estava tudo preparado para outro nome da novela, outra música. Ela caiu em cima, mudou o nome da novela. Foi ela que bancou esta história, fiquei sabendo depois. Foi quando esta vozinha ficou rasgando as noites pelo Brasil''.

   Eternas Ondas (1980) - ''Este aqui é o 'Eternas Ondas'. Fiz as fotos aqui lá no açude Cedro, em Quixadá. É um disco um pouco mais folk. O próprio Egberto Gismonti estava aqui. Tem 'Morena Penha', 'Quixeramobim', 'Reisado', 'Dois Querer'... é uma coisa mais pra violas, foi um disco mais nesta onda. Este disco aqui já foi feito no estúdio Level, na Som Livre, já não era mais no estúdio da CBS. Foi aquele período que eu fazia a direção artística do selo Epic em que levei muita gente pra gravar lá. Aqui já foi o fim disso''.

   Traduzir-se (1981) - ''Este trabalho, pra mim, é meu disco mais histórico. Foi uma verdadeira aventura. Saí do Brasil para promover o disco que tinha gravado em espanhol, cheguei lá vi que estava horrível! E conheci o Serrat (Joan Manuel Serrat) e a Mercedes Sosa numa noite na casa da Lucia Bosé, que foi miss Itália e casou com o toureiro 'Dominguin', pais desse cantor Miguel Bosé. Passamos a noite tocando violão e o Serrat falou: faça um disco aqui na Espanha. No outro dia, parei de divulgar meu disco, o presidente da gravadora não entendeu nada, falei que o disco estava ruim, meu espanhol estava muito equivocado. Era época da temporada de shows dos artistas de lá. Fiz uma agenda, eles me indicaram os nomes: o Camaron de la Isla, o próprio Manzanita, os nomes mais quentes de lá. Eu saía, assistia aos shows, descobria que tipo de música eles cantavam que podia misturar com as coisas daqui. É um disco realmente histórico, porque ele é que abre esta coisa de latinidade no Brasil, sem dúvida. Apesar do Roberto Carlos já vir gravando em espanhol. Mas ele mexe mais com a cultura, é um disco que marcou demais. Até hoje o pessoal do mundo do disco fala dele. Foi o disco que mais vendeu na Argentina em 82, foi disco de ouro, lançado no mundo inteiro. É um disco de projeto, aqui nas faixas bônus está puxando uma coisa mais nordestina que eu não sei se combina bem com o espírito do restante do disco. Este disco tinha uma idéia fechada, onde coube o 'Fanatismo' porque, na época, eu tinha que ter uma música em português. A gravadora não entendeu e eu sabia que 'A¤os' iria tocar, como aconteceu. Me pediram para gravar uma música só comigo cantando em português. Foi onde conheci o trabalho da Florbela Espanca, o Fausto me deu um livro lá em Portugal na volta desta viagem da Espanha. Fiz estas músicas, cheguei aqui e gravei. Deu para acoplar ainda no disco. Mas também foi uma música feita com a influência das coisas da região, veio no clima, não se afastou muito da idéia deste disco''.

   Fagner (1982) - ''Este disco foi o que mais tempo gastei gravando, mais viajei para fazer. Trabalhamos com duas máquinas de última geração nos Estados Unidos. Foi um disco que criou muita ciumeira no mercado, porque foi uma produção muito cara. A ficha técnica deste disco só tem fera. O meu arregimentador era Gil Evans, maestro do Miles Davis, quem convidou os músicos todos foi o Airto Moreira e a Flora Purim. Então foi um disco de muita história: capa feita na Espanha; viajei para lá para o Paco de Lucia botar uma guitarra numa música. E a história deste disco é curiosa porque, na época, o George Martin queria me produzir. E eu já tinha acertado com o Lincoln Olivetti quando a gravadora entrou em contato com o George Martin e ofereceram cinco faixas para ele produzir. E ele disse que não, que já tinha tido notícias minhas, que queria produzir o disco todo e eu dei a grande mancada. Foi das poucas coisas que me arrependo: não ter feito este disco com o George Martin na Inglaterra. Nós demos muita mancada no meio disso, uma produção muito cara e eu fiquei muito tempo para resolver. A coisa de gravar nos Estados Unidos era a condição técnica bem favorável. Mesmo assim, levei o Mana (Manassés), o Jamil (baixista Jamil Joanes), o Lincoln... não era chegar lá e pegar o pessoal de lá. A base era praticamente toda brasileira. A gente só procurou fazer no melhor estúdio, o mesmo que tinha gravado com John Lennon. O Rod Stewart estava gravando lá na mesma época. Me chamou para jogar na casa do Elton John, mas acabou não dando tempo. O pessoal da gravadora lá tinha uma intenção que eu tivesse uma carreira internacional. Tudo isso graças ao desempenho no exterior do Traduzir-se. Mas ficou nisso. 'Batuquê de praia' entrou como faixa bônus. Não tem nada a ver com o disco, mas que entre, não tem problema, porque é uma música muito pedida. Foi um disco fantástico, cheio de histórias, muitas participações''.

   Homenagem a Picasso (1983) com Rafael Alberti, Paco de Lucia e Mercedes Sosa - ''Adorei ter saído este disco porque as pessoas me pediam muito para que ele saísse em CD. Como todos os outros. Tenho impressão que teve uma chuva de e-mails na Sony pedindo este disco. Na época, só fizemos duas mil cópias para distribuir, não era nem pra vender. Este disco é histórico até na Espanha, porque ano passado foi comemorado o centenário de Rafael Alberti. Não existe um material dele declamando a obra dele, só este. Além da importância do trabalho que ele fez com o Picasso, da amizade dos dois. No disco original tem vários desenhos do Picasso. Era raríssimo. A arte da capa no vinil foi uma coisa histórica. É um disco que continua minha viagem pela Espanha, no bom sentido, porque se eu quisesse ter feito música comercial lá, tinha todas as chances e não queria. É mais ou menos uma seqüência do esquema do Traduzir-se, feito lá, com muita amizade. Eu estava na Espanha para a Copa e foi aquele desastre da Seleção lá e eu não queria voltar para o Brasil. Foi então que comecei a compor com o Alberti. Ele era muito amigo da Mercedes Sosa e fizemos uma grande amizade. Gosto muito de me lembrar desta época. É um disco mais histórico da coisa da poesia, da cultura. Tem o cara que tocava no Supertramp, o John Helliwell, estava no Rio e botou o sax de primeira, horas antes de embarcar de volta. E tem o Paco, claro, que sempre foi meu parceirão, companheiro. Ainda tenho vontade de fazer uma coisa com ele, misturar Nordeste com a guitarra dele''.

Palavra de Amor (1983) - ''É o disco que tem 'Guerreiro Menino'. Este disco, em nível de produção musical, ficou muito na mão do Mariozinho Rocha. Por conta disso, ele pegou os meninos do Roupa Nova, que gravava muito com eles. Nós fizemos o disco todinho com esta turma. Eu escolhi o repertório. Ele queria me empurrar muita música que eu não gostava, uma mineirada danada. É um disco meio standard e tem o 'Guerreiro Menino' que foi uma faixa que marcou demais. A música que mais gosto aqui é o 'Acalanto e Paixão'. Tem 'Palavra de amor' e também o 'Viajante', do Jorge Mautner''.

   A Mesma Pessoa (1984) - ''Este é um disco onde muito nêgo começou a meter o pau em mim. Porque aí eu já gravei umas bases aqui no Brasil com o Wagner Tiso e depois fui fazer o disco em Londres. 'Cartaz' eu fiz lá, 'Bola de cristal', 'Só Você'... inclusive, o melhor guitarrista da Inglaterra tocou nesta música. Para quem gosta de pop, rock mesmo. 'Me leve' eu acho, sem sombra de dúvida, a melhor gravação em toda a minha vida. Se fosse escolher uma faixa: seria esta gravação. E tem um detalhe: eu regi a Orquestra Filarmônica de Londres, porque estava brigado com o produtor, que era um português chato pra dedéu, estava me incomodando muito, na hora de gravar as cordas ele saiu da sala e o maestro me deixou reger. Gravei no mesmo estúdio que aquele andrógino, Boy George, estava gravando lá''.

   Fagner (1985) - ''Este disco é o que gosto menos. Gosto das músicas, adoro 'Semente', mas, na época, minha história com a Sony já estava desgastada. Foi justamente o último disco pela gravadora, depois dele eu saí. O próprio esquema de produção, os músicos, tem a participação do Cazuza, do Chico Buarque, da Beth Carvalho... Mas não sei se a pegada dele ficou como eu gostaria. Tentamos pegar a imagem do Manera Fru Fru Manera'.

(© NoOlhar.com.br)


A Caixa de Fagner

Cantor e compositor cearense tem 12 discos remasterizados e lançados em projeto da Sony. Lançados entre 1975-85, os CDs abarcam vários momentos da carreira de Fagner: "Os fãs viviam a me cobrar meus discos que só eram encontrados, até então, em vinil"

Cláudia Lessa

   Fagner sempre soube exatamente aonde queria chegar como artista. Fez a sua história acalentando o sonho maior de se tornar um cantor popular das multidões. Dono de uma fé inabalável em si e impávido à crítica que logo tratou de dividi-lo em dois - o poético dos anos 70 e o comercial dos 80 -, o artista cearense costumava avisar que não aturava patrulhamentos. Deu muitos murros em ponta de faca. Mas conseguiu cravar o seu nome na lista dos grandes da MPB. Dentro da proposta de reconstruir a memória musical brasileira, a gravadora Sony passa a limpo uma fase da carreira do irreverente Raimundo Fagner lançando uma caixa com 12 de seus discos gravados entre 1975-1985, inclusive o raro Homenagem a Picasso.

   Para Fagner, que hoje não pertence mais ao cast da Sony (antiga CBS, onde o artista lançou boa parte dos discos de carreira), "foi um alívio" o lançamento dessa produção. "Os fãs viviam a me cobrar meus discos que só eram encontrados, até então, em vinil", comentou em entrevista ao Folha. Pena que, nessa coletânea, ficaram de fora canções primorosas como Epigrama nº 9 e Motivo (ambas poesias de Cecília Meirelles musicadas por RF). "Não entendi o porquê, afinal essas músicas já haviam sido liberadas. Como não estou dentro da Sony, não pude questionar".

   A caixa traz a discografia de Raimundo Fagner a partir do seu segundo trabalho, o Ave noturna (título homônimo à faixa fruto de uma parceria entre Fagner e Cacá Diegues). Curiosamente, esse foi o disco que marcou a estréia profissional de Cazuza. "Ele foi o divulgador, havia acabado de chegar dos EUA e foi trabalhar como estagiário no escritório da gravadora, no Rio", contou RF no texto de encarte.

   O terceiro disco de Fagner, gravado em 76 e batizado apenas pelo seu nome, foi um marco na sua vida artística. "Aí começou o período mais fantástico em minha carreira", revelou. Fagner lembra que, naquela época, foi iniciado um movimento dentro da companhia em favor dos nordestinos que chegavam ao Rio com o objetivo de se estabelecer na carreira artística. Na CBS ("Cearenses Bem Sucedidos", como a sigla era traduzida entre eles), Fagner, na função de diretor artístico "informal" da gravadora, trouxe para o cast da companhia nomes como Zé Ramalho, Amelinha, Robertinho de Recife e Elba Ramalho, entre outros tantos.

   Orós (1977), seu disco mais experimental, feito ao lado do irreverente Hermeto Pascoal (que assina a direção musical e os arranjos), significou "um estouro à barreira", como o próprio definiu. Fãs mais radicais perguntariam se Fagner teria coragem mercadológica de fazer um outro do tipo. "Faria, sim. Sou livre, leve e solto para fazer o que eu me dispuser. Foi o caso do projeto com o Zeca Baleiro, que me trouxe a coisa de compor mais com meus velhos parceiros, como Capinan", devolve.

   Sucesso - O estouro nacional de Revelação (Clodo/Clésio), carro-chefe do disco Eu canto (1979) - que em duas semanas de lançado já havia ultrapassado as 70 mil cópias vendidas -, consagrou Fagner como cantor de grandes e eufóricas platéias. Vieram depois Raimundo Fagner (apelidado de Eternas ondas) e Traduzir-se, considerado por Fagner "o disco mais fantástico que eu fiz em toda a minha vida". Nesse trabalho - que saiu por toda a América Latina, EUA e Espanha -, o cantor mergulhou de cabeça na história da música flamenca, resultando num ambicioso projeto cultural.

   "Diria mesmo que foi o disco mais arrojado do que qualquer combinação já feita dentro da música brasileira, inclusive no que se refere à bossa-nova, que ficou americanizada". O investimento, diz, foi "muito forte", principalmente considerando que existe preconceito no Brasil com a música latina. "E eu consegui fazer essa ponte através de um trabalho de muito bom gosto, ao contrário do que se tem feito por aí".

   O Fagner de canções tão distintas como Cebola cortada (Petrúcio Maia/Clodô), As rosas não falam (de Cartola, que declarou ter sido esta a melhor interpretação para seu clássico) e Noturno (Graco/Caio Sílvio, sucesso do disco Beleza) confessa que só tem um arrependimento na sua vida artística: ter perdido a oportunidade de trabalhar com o maestro George Martin (lendário produtor dos Beatles) por conta de um compromisso firmado com o arranjador Lincoln Olivetti, nos EUA, onde gravou seu nono disco, Fagner. "Eu havia enviado cinco músicas para George ouvir, já que eu queria gravar uma parte em Nova York e outra em Londres. Ele respondeu que só gravaria um disco inteiro e eu, por ter dado a palavra a Lincoln, acabei desistindo. Me arrependi profundamente".

   No alto da sua maturidade pessoal e artística, Fagner, 54 anos, parece não estar mais preocupado com o que a crítica chama de "uma carreira de contrastes". As ambigüidades, para ele, são "um charme" de quem não se propôs a fazer uma trajetória linear e não admitiu patrulha. "O artista constrói sua carreira de uma maneira coerente aos seus olhos e quem me criticou talvez não tenha, como eu, crescido ouvindo serestas, Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Roberto Carlos e outras influências populares".

(© Correio da Bahia)


Álbuns e projetos

   A ausência do trabalho de estréia de Fagner, o Manera fru-fru manera, na caixa da Sony, foi compensada pela inclusão do raríssimo disco Homenagem a Picasso, gravado em 1982 por Fagner, Rafael Alberti, Paco de Lucia e Mercedes Sosa. A idéia do projeto dedicado ao pintor Pablo Picasso nasceu na Espanha, na época da infausta Copa do Mundo, onde Fagner havia ido para acompanhar os jogos da seleção brasileira. O luxuoso lançamento teve uma tiragem pequena, sem qualquer apelo comercial.

   "Acredito que a Sony incluiu este disco pela pressão do público através da internet", disse Fagner. O repertório do disco em homenagem ao amigo Picasso (falecido dez anos antes) foi baseado nos poemas de Rafael Alberti, entre os quais Málaga e De azul se arrancó el toro, traduzidos para o português pelo colega de versos Ferreira Gullar. A voz de Alberti, predominante na metade do disco, se junta à de Fagner e Mercedes Sosa, que são acompanhados pelo violão flamenco de Paco de Lucia e, em alguns outros momentos, pelo cavaquinho de Manassés.

   Quanto à versão em CD do primeiro álbum-solo do cantor, o Manera fru-fru manera (1973), os fãs terão que esperar um pouco para tê-lo. Projetado na mídia pelo sucesso absoluto de Canteiros (Fagner/Cecília Meirelles) - cuja pendenga judicial sofrida pelo cantor é demasiadamente conhecida -, o produto será brevemente lançado pela Universal, segundo informou o próprio Fagner.

   Já a parceria com o cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro - que rendeu, no ano passado, um belo e poético CD (Raimundo Fagner e Zeca Baleiro/Indie Records) e turnês pelo país - estará ganhando este mês um DVD, gravado durante os shows da dupla. "Meu encontro artístico com o Zeca me estimulou a voltar a compor. Ele se parece muito comigo quando eu tinha a sua idade", diz um renovado Fagner.

Outra novidade é que no segundo semestre Fagner deverá estar lançando seu novo disco de carreira. "É um trabalho que venho produzindo com Capinan e nele estarei lançando o poeta cearense Francisco Carvalho, primeiro prêmio Nestlê de Literatura. Vem com um perfil poético muito forte", adiantou.

FICHA:

Título: Raimundo Fagner - Caixa com 12 CDs
Artista: Raimundo Fagner
Gravadora: Sony
Preço da caixa: R$170 (em média)

(© Correio da Bahia)

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