05-06-2008
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Raimundo Fagner |
Raimundo
Fagner tem a década mais expressiva de sua carreira revisitada na lata
Raimundo, que reedita em CD os doze trabalhos que o cearense fez
entre 1975 e 1985. O trabalho de pesquisa e os textos são assinados pelo
jornalista Marcelo Fróes. O Vida & Arte convidou o próprio Fagner para
relembrar cada disco
Luciano Almeida Filho
da Redação
Os fãs
cobravam há tempos. Velhos admiradores queriam ter em CD aquele bolachão que
já está todo arranhando na estante. Discos que, para eles, marcaram suas
juventudes, lembraram velhos amores, anos de chumbo e paixões arrebatadoras.
Queriam reouvir aquelas canções, aquela voz rascante, diferente de quase
tudo que dominava a música brasileira de então, nordestinidade mourisca na
garganta e uma vontade ganhar o mundo do jovem irrequieto Raimundo Fagner.
Agora a chance veio com a edição da
lata Raimundo (Sony Music), que reúne 12 trabalhos do cantor e
compositor lançou entre 1975 e 1985. Onze deles foram editados originalmente
pela antiga gravadora CBS, onde Fagner chegou a ocupar o cargo de diretor
artístico do selo Epic. O período é considerado por muitos a fase áurea da
carreira do cearense. Traz trabalhos fundamentais como Raimundo Fagner
(1976), Orós (1977), Beleza (1979), e discos
pelos quais o próprio Fagner nutre um carinho especial como
Traduzir-se (1981) e Homenagem a Picasso, este um
projeto especial que saiu em edição limitadíssima, parceria com o poeta
Rafael Alberti, o violonista flamenco Paco de Lucia e a cantora argentina
Mercedes Sosa.
A estes trabalhos foi acrescentado o CD Ave Noturna, o
segundo trabalho, originalmente editado pela gravadora Continental em 1975.
''Este foi o próprio Fagner que se empenhou em incluir aqui'', declara o
responsável pela reedição, o jornalista e pesquisador Marcelo Fróes. Certos
discos trazem diferenças das edições originais. ''Algumas faixas não
entraram por conta de autorização'', adiantou Fróes. Ele ainda pesquisou
participações de Fagner em outros trabalhos e incluiu-as como faixas-bônus.
''Aqui eu inclui nos discos de forma cronológica'', explicou Marcelo, que dá
seqüência a seu trabalho de resgate do catálogo dos grandes nomes da música
brasileira no arquivo das gravadora multinacionais. Atualmente, está
trabalhando no catálogo de Ney Matogrosso e Jorge Ben para lançamentos
futuros.
A edição chega em boa hora quando
Fagner está batendo uma bola com o maranhense Zeca Baleiro, nome revelado na
geração anos 90 e fã declarado desta fase da carreira do cearense. Os dois
inclusive estão lançando o DVD que reúne trechos da gravação do CD da dupla
e shows no Rio de Janeiro. É o próprio Fagner quem comenta aqui, disco por
disco, a caixa. Relembra histórias, revisita memórias, fala de cada trabalho
e de suas respectivas reedições.
SERVIÇO
Raimundo - Lata reunindo em 12 CDs a discografia do cantor e
compositor cearense, lançados originalmente na CBS entre 1975 e 1985.
Pesquisa, produção e textos da reedição: Marcelo Fróes. Lançamento Sony
Music. Preço médio: R$ 175,00. À venda nas principais lojas da cidade.
(©
NoOlhar.com.br)
Por ele mesmo
Ave Noturna (1975) -
''Este foi meu segundo LP, depois do Manera (Fru fru
Manera). Trazia novos parceiros, tinha Cacá Diegues, Capinam, vinha
com as misturas nordestinas do 'Antonio Conselheiro' e 'Riacho do Navio'.
Teve a parceria com Fausto Nilo, a primeira que a gente gravou. Tem a música
do Belchior que era o nosso hino na época, 'A Palo Seco'. Tinha o Vímana
tocando com o Paulo Moura de smoking regente. Foi a época dos shows do MAM
com ambientação do pessoal da Nuvem Cigana. Era o show Astro Vagabundo.
Antes disso, o MAM fazia uns shows tímidos, este foi o primeiro show de lá
que estourou: fui para fazer uma semana, fiquei quase um mês. Uma semana
depois disso aqui, teve um show lá com vários artistas - Caetano, Gil... - e
eu que encerrava. Foi quando conheci o Glauber Rocha e ele queria saber quem
era eu. Ele entrou e perguntou: 'Por que é que é você a estrela desse show,
se tem Caetano, Gil? E eu falei do sucesso que tava fazendo com minha
temporada. Este disco tem também o Petrúcio com 'Beco dos Baleiros',
'Estrada de Santana'. Tinha mais música, não sei porque não entrou outras
que gravamos na época. Este disco foi lançado pela Continental, hoje
pertence a Warner, e foi cedido gentilmente para este projeto pelo meu amigo
Cláudio Condé, presidente da Warner''.
Raimundo Fagner (1976)
- ''Aqui começou minha parceria com Abel Silva. Tem a mistura com os músicos
mineiros - Wagner Tiso, Luiz Alves, Robertinho Silva, Túlio Mourão - e tem o
Robertinho de Recife. Foi mais para o show do Teatro Tereza Rachel. Tem o
'ABC', 'Asa Partida', 'Calma Violência'... Foi o começo da diversificação e
a consolidação das parcerias com Capinam, Fausto, Abel que me acompanham até
hoje. Foi também o começo das produções no estúdio da CBS já. Aqui ainda não
teve nenhum bônus, está o disco como ele é''.
Orós (1977) - ''Aqui já
tem alguns bônus. Não sei por que 'Acalanto de um punhal' entrou aqui,
porque é do outro disco. Este disco tem Hermeto Pascoal tocando e fazendo os
arranjos. Não sei por que não está o 'Epigrama nº 9', porque estava
registrado e não tem razão nenhuma para eles não autorizarem. Porque eles
vivem atrás de grana, qualquer coisa que saia. O 'Motivo' teve problema não
é por causa da autoria, da parceria, foi porque eu botei Eu Canto
na capa e eles queriam uma grana porque usei o verso no título. Mas a minha
história com a família da Cecília Meireles merece ser esquecida. Aqui tem o
começo da minha parceria com o Brandão com 'Esquecimento'. Tem também a
única música que fiz com Belchior fora do tempo aqui do Ceará com 'Romanza'.
Aqui em Fortaleza, ele era meu parceiro mais constante. Fizemos esta música
no quitinete que a gente morava, o Fausto foi lá. E depois fizemos um bolero
para Ângela Maria, depois disso nunca mais fiz uma parceria com Belchior.
Neste disco aqui tem o lado musical mais forte, de tirar o máximo das
músicas, aproveitando o Hermeto na história. Foi gravado simultâneo com o
disco do Ricardo Bezerra, Maraponga'.
Eu Canto (1978) -
''Este é o disco que praticamente formou a banda, que vim de Paris com ela e
fiquei com ela por muito tempo. O Ozias, o Manassés, o Ife e, por conta
dessa coisa dos violões, mais acústico, tinha o Dino Sete Cordas. Tem o
bônus com 'Quem me levará sou eu', que foi do festival, tem uma outra
gravação do 'Manera Fru Fru' e do 'Cavalo Ferro'. Este disco foi o mais
marcante da mudança do meu trabalho, de sair de um público e entrar em
outro, um público maior: 'Revelação' estourando, a nível de rádio foi o
primeiro grande sucesso. Antes, meu público era praticamente universitário.
E tem a coisa da banda mesmo, tirando um som, sentindo a coisa da guitarra
entrando fortemente com o Robertinho, não sei porque a foto dele não tá
aqui''.
Beleza (1979) - ''Aqui
foi outra viagem. Tem o João Donato fazendo os arranjos, regendo. Tem o
'Noturno', 'Frenesi', 'Asas', 'Beleza', 'Ave Coração'... É bem misturado.
Tem uma seresta que é 'Mulher'. O bônus é 'Oferenda', acho que é do disco do
Clodo. Foi o maior estouro por causa da novela (Coração Alado).
A Janete Clair botou o dedo em cima, queria esta música ('Noturno') de todo
o jeito na abertura. Foi a maior confusão, porque já estava tudo preparado
para outro nome da novela, outra música. Ela caiu em cima, mudou o nome da
novela. Foi ela que bancou esta história, fiquei sabendo depois. Foi quando
esta vozinha ficou rasgando as noites pelo Brasil''.
Eternas Ondas (1980) -
''Este aqui é o 'Eternas Ondas'. Fiz as fotos aqui lá no açude Cedro, em
Quixadá. É um disco um pouco mais folk. O próprio Egberto Gismonti estava
aqui. Tem 'Morena Penha', 'Quixeramobim', 'Reisado', 'Dois Querer'... é uma
coisa mais pra violas, foi um disco mais nesta onda. Este disco aqui já foi
feito no estúdio Level, na Som Livre, já não era mais no estúdio da CBS. Foi
aquele período que eu fazia a direção artística do selo Epic em que levei
muita gente pra gravar lá. Aqui já foi o fim disso''.
Traduzir-se (1981) -
''Este trabalho, pra mim, é meu disco mais histórico. Foi uma verdadeira
aventura. Saí do Brasil para promover o disco que tinha gravado em espanhol,
cheguei lá vi que estava horrível! E conheci o Serrat (Joan Manuel Serrat) e
a Mercedes Sosa numa noite na casa da Lucia Bosé, que foi miss Itália e
casou com o toureiro 'Dominguin', pais desse cantor Miguel Bosé. Passamos a
noite tocando violão e o Serrat falou: faça um disco aqui na Espanha. No
outro dia, parei de divulgar meu disco, o presidente da gravadora não
entendeu nada, falei que o disco estava ruim, meu espanhol estava muito
equivocado. Era época da temporada de shows dos artistas de lá. Fiz uma
agenda, eles me indicaram os nomes: o Camaron de la Isla, o próprio
Manzanita, os nomes mais quentes de lá. Eu saía, assistia aos shows,
descobria que tipo de música eles cantavam que podia misturar com as coisas
daqui. É um disco realmente histórico, porque ele é que abre esta coisa de
latinidade no Brasil, sem dúvida. Apesar do Roberto Carlos já vir gravando
em espanhol. Mas ele mexe mais com a cultura, é um disco que marcou demais.
Até hoje o pessoal do mundo do disco fala dele. Foi o disco que mais vendeu
na Argentina em 82, foi disco de ouro, lançado no mundo inteiro. É um disco
de projeto, aqui nas faixas bônus está puxando uma coisa mais nordestina que
eu não sei se combina bem com o espírito do restante do disco. Este disco
tinha uma idéia fechada, onde coube o 'Fanatismo' porque, na época, eu tinha
que ter uma música em português. A gravadora não entendeu e eu sabia que
'A¤os' iria tocar, como aconteceu. Me pediram para gravar uma música só
comigo cantando em português. Foi onde conheci o trabalho da Florbela
Espanca, o Fausto me deu um livro lá em Portugal na volta desta viagem da
Espanha. Fiz estas músicas, cheguei aqui e gravei. Deu para acoplar ainda no
disco. Mas também foi uma música feita com a influência das coisas da
região, veio no clima, não se afastou muito da idéia deste disco''.
Fagner (1982) - ''Este
disco foi o que mais tempo gastei gravando, mais viajei para fazer.
Trabalhamos com duas máquinas de última geração nos Estados Unidos. Foi um
disco que criou muita ciumeira no mercado, porque foi uma produção muito
cara. A ficha técnica deste disco só tem fera. O meu arregimentador era Gil
Evans, maestro do Miles Davis, quem convidou os músicos todos foi o Airto
Moreira e a Flora Purim. Então foi um disco de muita história: capa feita na
Espanha; viajei para lá para o Paco de Lucia botar uma guitarra numa música.
E a história deste disco é curiosa porque, na época, o George Martin queria
me produzir. E eu já tinha acertado com o Lincoln Olivetti quando a
gravadora entrou em contato com o George Martin e ofereceram cinco faixas
para ele produzir. E ele disse que não, que já tinha tido notícias minhas,
que queria produzir o disco todo e eu dei a grande mancada. Foi das poucas
coisas que me arrependo: não ter feito este disco com o George Martin na
Inglaterra. Nós demos muita mancada no meio disso, uma produção muito cara e
eu fiquei muito tempo para resolver. A coisa de gravar nos Estados Unidos
era a condição técnica bem favorável. Mesmo assim, levei o Mana (Manassés),
o Jamil (baixista Jamil Joanes), o Lincoln... não era chegar lá e pegar o
pessoal de lá. A base era praticamente toda brasileira. A gente só procurou
fazer no melhor estúdio, o mesmo que tinha gravado com John Lennon. O Rod
Stewart estava gravando lá na mesma época. Me chamou para jogar na casa do
Elton John, mas acabou não dando tempo. O pessoal da gravadora lá tinha uma
intenção que eu tivesse uma carreira internacional. Tudo isso graças ao
desempenho no exterior do Traduzir-se. Mas ficou nisso.
'Batuquê de praia' entrou como faixa bônus. Não tem nada a ver com o disco,
mas que entre, não tem problema, porque é uma música muito pedida. Foi um
disco fantástico, cheio de histórias, muitas participações''.
Homenagem a Picasso
(1983) com Rafael Alberti, Paco de Lucia e Mercedes Sosa - ''Adorei ter
saído este disco porque as pessoas me pediam muito para que ele saísse em
CD. Como todos os outros. Tenho impressão que teve uma chuva de e-mails na
Sony pedindo este disco. Na época, só fizemos duas mil cópias para
distribuir, não era nem pra vender. Este disco é histórico até na Espanha,
porque ano passado foi comemorado o centenário de Rafael Alberti. Não existe
um material dele declamando a obra dele, só este. Além da importância do
trabalho que ele fez com o Picasso, da amizade dos dois. No disco original
tem vários desenhos do Picasso. Era raríssimo. A arte da capa no vinil foi
uma coisa histórica. É um disco que continua minha viagem pela Espanha, no
bom sentido, porque se eu quisesse ter feito música comercial lá, tinha
todas as chances e não queria. É mais ou menos uma seqüência do esquema do
Traduzir-se, feito lá, com muita amizade. Eu estava na Espanha
para a Copa e foi aquele desastre da Seleção lá e eu não queria voltar para
o Brasil. Foi então que comecei a compor com o Alberti. Ele era muito amigo
da Mercedes Sosa e fizemos uma grande amizade. Gosto muito de me lembrar
desta época. É um disco mais histórico da coisa da poesia, da cultura. Tem o
cara que tocava no Supertramp, o John Helliwell, estava no Rio e botou o sax
de primeira, horas antes de embarcar de volta. E tem o Paco, claro, que
sempre foi meu parceirão, companheiro. Ainda tenho vontade de fazer uma
coisa com ele, misturar Nordeste com a guitarra dele''.
Palavra de Amor (1983) - ''É o disco que tem 'Guerreiro
Menino'. Este disco, em nível de produção musical, ficou muito na mão do
Mariozinho Rocha. Por conta disso, ele pegou os meninos do Roupa Nova, que
gravava muito com eles. Nós fizemos o disco todinho com esta turma. Eu
escolhi o repertório. Ele queria me empurrar muita música que eu não
gostava, uma mineirada danada. É um disco meio standard e tem o 'Guerreiro
Menino' que foi uma faixa que marcou demais. A música que mais gosto aqui é
o 'Acalanto e Paixão'. Tem 'Palavra de amor' e também o 'Viajante', do Jorge
Mautner''.
A Mesma Pessoa (1984) -
''Este é um disco onde muito nêgo começou a meter o pau em mim. Porque aí eu
já gravei umas bases aqui no Brasil com o Wagner Tiso e depois fui fazer o
disco em Londres. 'Cartaz' eu fiz lá, 'Bola de cristal', 'Só Você'...
inclusive, o melhor guitarrista da Inglaterra tocou nesta música. Para quem
gosta de pop, rock mesmo. 'Me leve' eu acho, sem sombra de dúvida, a melhor
gravação em toda a minha vida. Se fosse escolher uma faixa: seria esta
gravação. E tem um detalhe: eu regi a Orquestra Filarmônica de Londres,
porque estava brigado com o produtor, que era um português chato pra dedéu,
estava me incomodando muito, na hora de gravar as cordas ele saiu da sala e
o maestro me deixou reger. Gravei no mesmo estúdio que aquele andrógino, Boy
George, estava gravando lá''.
Fagner (1985) - ''Este
disco é o que gosto menos. Gosto das músicas, adoro 'Semente', mas, na
época, minha história com a Sony já estava desgastada. Foi justamente o
último disco pela gravadora, depois dele eu saí. O próprio esquema de
produção, os músicos, tem a participação do Cazuza, do Chico Buarque, da
Beth Carvalho... Mas não sei se a pegada dele ficou como eu gostaria.
Tentamos pegar a imagem do Manera Fru Fru Manera'.
(©
NoOlhar.com.br)
A Caixa de Fagner
Cantor e compositor cearense tem 12
discos remasterizados e lançados em projeto da Sony.
Lançados entre 1975-85, os CDs abarcam vários momentos da
carreira de Fagner: "Os fãs viviam a me cobrar meus discos que só eram
encontrados, até então, em vinil"
Cláudia Lessa
Fagner sempre soube
exatamente aonde queria chegar como artista. Fez a sua história acalentando
o sonho maior de se tornar um cantor popular das multidões. Dono de uma fé
inabalável em si e impávido à crítica que logo tratou de dividi-lo em dois -
o poético dos anos 70 e o comercial dos 80 -, o artista cearense costumava
avisar que não aturava patrulhamentos. Deu muitos murros em ponta de faca.
Mas conseguiu cravar o seu nome na lista dos grandes da MPB. Dentro da
proposta de reconstruir a memória musical brasileira, a gravadora Sony passa
a limpo uma fase da carreira do irreverente Raimundo Fagner lançando uma
caixa com 12 de seus discos gravados entre 1975-1985, inclusive o raro
Homenagem a Picasso.
Para Fagner, que
hoje não pertence mais ao cast da Sony (antiga CBS, onde o artista lançou
boa parte dos discos de carreira), "foi um alívio" o lançamento dessa
produção. "Os fãs viviam a me cobrar meus discos que só eram encontrados,
até então, em vinil", comentou em entrevista ao Folha. Pena que, nessa
coletânea, ficaram de fora canções primorosas como Epigrama nº 9 e Motivo
(ambas poesias de Cecília Meirelles musicadas por RF). "Não entendi o
porquê, afinal essas músicas já haviam sido liberadas. Como não estou dentro
da Sony, não pude questionar".
A caixa traz a
discografia de Raimundo Fagner a partir do seu segundo trabalho, o Ave
noturna (título homônimo à faixa fruto de uma parceria entre Fagner e Cacá
Diegues). Curiosamente, esse foi o disco que marcou a estréia profissional
de Cazuza. "Ele foi o divulgador, havia acabado de chegar dos EUA e foi
trabalhar como estagiário no escritório da gravadora, no Rio", contou RF no
texto de encarte.
O terceiro disco de
Fagner, gravado em 76 e batizado apenas pelo seu nome, foi um marco na sua
vida artística. "Aí começou o período mais fantástico em minha carreira",
revelou. Fagner lembra que, naquela época, foi iniciado um movimento dentro
da companhia em favor dos nordestinos que chegavam ao Rio com o objetivo de
se estabelecer na carreira artística. Na CBS ("Cearenses Bem Sucedidos",
como a sigla era traduzida entre eles), Fagner, na função de diretor
artístico "informal" da gravadora, trouxe para o cast da companhia nomes
como Zé Ramalho, Amelinha, Robertinho de Recife e Elba Ramalho, entre outros
tantos.
Orós (1977), seu
disco mais experimental, feito ao lado do irreverente Hermeto Pascoal (que
assina a direção musical e os arranjos), significou "um estouro à barreira",
como o próprio definiu. Fãs mais radicais perguntariam se Fagner teria
coragem mercadológica de fazer um outro do tipo. "Faria, sim. Sou livre,
leve e solto para fazer o que eu me dispuser. Foi o caso do projeto com o
Zeca Baleiro, que me trouxe a coisa de compor mais com meus velhos
parceiros, como Capinan", devolve.
Sucesso - O estouro
nacional de Revelação (Clodo/Clésio), carro-chefe do disco Eu canto (1979) -
que em duas semanas de lançado já havia ultrapassado as 70 mil cópias
vendidas -, consagrou Fagner como cantor de grandes e eufóricas platéias.
Vieram depois Raimundo Fagner (apelidado de Eternas ondas) e Traduzir-se,
considerado por Fagner "o disco mais fantástico que eu fiz em toda a minha
vida". Nesse trabalho - que saiu por toda a América Latina, EUA e Espanha -,
o cantor mergulhou de cabeça na história da música flamenca, resultando num
ambicioso projeto cultural.
"Diria mesmo que foi
o disco mais arrojado do que qualquer combinação já feita dentro da música
brasileira, inclusive no que se refere à bossa-nova, que ficou
americanizada". O investimento, diz, foi "muito forte", principalmente
considerando que existe preconceito no Brasil com a música latina. "E eu
consegui fazer essa ponte através de um trabalho de muito bom gosto, ao
contrário do que se tem feito por aí".
O Fagner de canções
tão distintas como Cebola cortada (Petrúcio Maia/Clodô), As rosas não falam
(de Cartola, que declarou ter sido esta a melhor interpretação para seu
clássico) e Noturno (Graco/Caio Sílvio, sucesso do disco Beleza) confessa
que só tem um arrependimento na sua vida artística: ter perdido a
oportunidade de trabalhar com o maestro George Martin (lendário produtor dos
Beatles) por conta de um compromisso firmado com o arranjador Lincoln
Olivetti, nos EUA, onde gravou seu nono disco, Fagner. "Eu havia enviado
cinco músicas para George ouvir, já que eu queria gravar uma parte em Nova
York e outra em Londres. Ele respondeu que só gravaria um disco inteiro e
eu, por ter dado a palavra a Lincoln, acabei desistindo. Me arrependi
profundamente".
No alto da sua
maturidade pessoal e artística, Fagner, 54 anos, parece não estar mais
preocupado com o que a crítica chama de "uma carreira de contrastes". As
ambigüidades, para ele, são "um charme" de quem não se propôs a fazer uma
trajetória linear e não admitiu patrulha. "O artista constrói sua carreira
de uma maneira coerente aos seus olhos e quem me criticou talvez não tenha,
como eu, crescido ouvindo serestas, Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Roberto
Carlos e outras influências populares".
(©
Correio da Bahia)
Álbuns e projetos
A ausência do
trabalho de estréia de Fagner, o Manera fru-fru manera, na caixa da Sony,
foi compensada pela inclusão do raríssimo disco Homenagem a Picasso, gravado
em 1982 por Fagner, Rafael Alberti, Paco de Lucia e Mercedes Sosa. A idéia
do projeto dedicado ao pintor Pablo Picasso nasceu na Espanha, na época da
infausta Copa do Mundo, onde Fagner havia ido para acompanhar os jogos da
seleção brasileira. O luxuoso lançamento teve uma tiragem pequena, sem
qualquer apelo comercial.
"Acredito que a Sony
incluiu este disco pela pressão do público através da internet", disse
Fagner. O repertório do disco em homenagem ao amigo Picasso (falecido dez
anos antes) foi baseado nos poemas de Rafael Alberti, entre os quais Málaga
e De azul se arrancó el toro, traduzidos para o português pelo colega de
versos Ferreira Gullar. A voz de Alberti, predominante na metade do disco,
se junta à de Fagner e Mercedes Sosa, que são acompanhados pelo violão
flamenco de Paco de Lucia e, em alguns outros momentos, pelo cavaquinho de
Manassés.
Quanto à versão em
CD do primeiro álbum-solo do cantor, o Manera fru-fru manera (1973), os fãs
terão que esperar um pouco para tê-lo. Projetado na mídia pelo sucesso
absoluto de Canteiros (Fagner/Cecília Meirelles) - cuja pendenga judicial
sofrida pelo cantor é demasiadamente conhecida -, o produto será brevemente
lançado pela Universal, segundo informou o próprio Fagner.
Já a parceria com o
cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro - que rendeu, no ano passado, um
belo e poético CD (Raimundo Fagner e Zeca Baleiro/Indie Records) e turnês
pelo país - estará ganhando este mês um DVD, gravado durante os shows da
dupla. "Meu encontro artístico com o Zeca me estimulou a voltar a compor.
Ele se parece muito comigo quando eu tinha a sua idade", diz um renovado
Fagner.
Outra novidade é que no segundo semestre Fagner deverá
estar lançando seu novo disco de carreira. "É um trabalho que venho
produzindo com Capinan e nele estarei lançando o poeta cearense Francisco
Carvalho, primeiro prêmio Nestlê de Literatura. Vem com um perfil poético
muito forte", adiantou.
FICHA:
Título: Raimundo Fagner - Caixa com 12 CDs
Artista: Raimundo Fagner
Gravadora: Sony
Preço da caixa: R$170 (em média)
(©
Correio da Bahia)
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