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Do barro é que se cria a tradição

21/01/2006

Mestre Nuca e família: arte reconhecida
 

Mestre Nuca, de Tracunhaém, na Mata Norte do Estado, repassa aos filhos o ofício de esculpir figuras no barro

MARCOS TOLEDO

   No último dia 29, o Governo do Estado divulgou os nomes dos 12 primeiros artistas e instituições contemplados pela Lei do Registro do Patrimônio Vivo de Pernambuco. A normalização, que chegou tarde para alguns (os que já se foram) e a tempo para outros, tem um caráter social que talvez a própria sociedade não consiga dimensionar. Observando cada caso, chega-se à conclusão de que essa é uma das ações que não se pode imaginar como não foram tomadas antes.

   Um bom exemplo para comensurar a importância da lei é o do artesão Manoel Borges da Silva, 68 anos, residente em Tracunhaém, município da Mata Norte e distante 72 km do Recife. A carreira de Nunca (nome artístico) começou como uma brincadeira de criança. Criança pobre. Quando garoto, recém-chegado de Nazaré da Mata (a 55 km do Recife), começou a fazer cavalinhos de barro para comprar cadernos e lápis que seus pais não podiam lhe dar.

   Depois, com 8 para 9 anos de idade, passou a vender o fruto de seu imaginário – inspirado nas figuras que o cercavam, como casinhas e chalés – na feira de Carpina (a 63 km do Recife). Isso, sem deixar de ajudar a família na farinhada. “Nunca fui em aula de artesanato. (Naquele tempo) Era muito atrasado”, explica Nuca.

   A obra que marcou seu estilo, um leão sentado, só apareceu em 1968, oito anos após casar com Maria Gomes da Silva, companheira no lar e no trabalho. “O leão surgiu de uma idéia minha com minha mulher”, lembra. “No início, eu não acreditava que ia viver do artesanato. Só depois, quando a Empetur promoveu uma feira em São Paulo, em 1976, foi que fiquei conhecido.” Nuca conta que chegou a levar seu trabalho inclusive para Lima, no Peru, em 1980. Com a profissionalização, o artista pôde construir sua casa, ainda em 1977, em um terreno que hoje divide com os filhos e onde mora com dificuldade, mas com dignidade.

   De seis filhos, apenas os três homens se interessaram pelo artesanato: o soldado da Polícia Militar Marcos Borges da Silva, 40, José Guilherme Borges, 30, e Marcelo Borges, dão continuidade à obra de Nuca. O PM, que aproveita seus dias de folga para trabalhar o barro, inclusive já repassa seus conhecimentos para o filho (um dos 11 netos de Nuca), o estudante Marcos Vinícius Borges Oliveira da Silva, 14. “Minha arte, meu estilo, eu morrendo, deixo para eles”, diz Nuca.

   O interesse dos descendentes de Nuca é a esperança concretizada de que seu trabalho não terminará com ele. Isso porque, atualmente, o veterano ceramista e sua esposa, que sempre o ajudou, estão impossibilitados de trabalhar. Há um ano Nuca sofreu um derrame que deixou seu lado esquerdo paralisado, e dona Maria, que é diabética, teve as duas pernas amputadas e parte da visão comprometida. É aí que entra em cena outro benefício da Lei do Registro do Patrimônio Vivo (além do reconhecimento a alguém que dedicou toda sua vida a uma expressão artística popular): o do amparo social com condições de recursos que possibilitem a continuidade do trabalho.

   Nuca soube primeiramente pela TV de que havia sido um dos 12 primeiros contemplados pela lei, que concede uma pensão vitalícia de R$ 750 (pessoa física) e R$ 1,5 mil (pessoa jurídica). “Para mim, foi um presente de Ano-Novo”, comemora o artesão, que antes dispunha de uma renda fixa de apenas um salário mínimo por mês (R$ 300). “Quando eu estava trabalhando, fazendo meus trabalhos, eu até viajava. Meu forno (para secar o barro) quem fazia era eu mesmo. Hoje, meus filhos me ajudam, mas não podem me sustentar. Serve para mim e minha esposa, que tanto me ajudou e hoje vive em uma cadeira de rodas.”

   Além de contribuir para alimentação e medicação do artista e de sua esposa, a pensão servirá para Nuca comprar barro e fazer uma poupança para uma eventual emergência. “Agora, posso dar uma ajuda para não deixar cair meu artesanato”, afirma. Marcos de Nuca (nome artístico), o primogênito, explica que ele e os irmãos ajudam o pai quando vendem suas peças, mas há épocas difíceis para o artesanato, principalmente no inverno. Inspirado no estilo do pai, ele – que também começou no ofício de brincadeira, aos 12 anos – criou peças próprias, como os leões em pé e sentado, galinhas, peixes e jarros com cara de leão. “A gente está continuando”, garante.

Ateliês de Nuca e de Marcos de Nuca – Rua Manoel Pereira de Morais, 110, Tracunhaém

(© JC Online)

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