Notícias
Uma vida na flauta, criando instrumentos

Gravura antiga mostra um luthier em sua oficina

Ex-integrante do Quinteto Armorial, Egildo Vieira constrói flautas e pífanos de taquara, além de criar outros, como o ariano, o maripífano e o cabacelo

MARCOS TOLEDO

É muito comum, quando um turista visita Caruaru (a capital do forró, distante 135 km do Recife), comprar na tradicional feira do município, pífanos – flautas esculpidas em bambus –, entre outros produtos do artesanato local. Porém, quando um músico profissional procura o mesmo instrumento no Estado, recebe como indicação o nome de Egildo Vieira. Flautista e luthier, ele criou pífanos afinados na escala musical, que se diferenciam pela precisão na hora de tocar.

Natural de Piranhas, Sertão de Alagoas, filho de um clarinetista e um dos fundadores do célebre Quinteto Armorial, Egildo, 58 anos, vive há mais de 30 no Recife, onde, além de lecionar em cursos de extensão da Universidade Federal de Pernambuco, atua como intérprete e se dedica a criar instrumentos inusitados, geralmente fazendo uso de materiais encontrados na natureza, como madeira de taquara, cabaça e quenga de coco.

Sabe aquela história que se aprende na escola, de que Pedro Álvares Cabral saiu de Portugal com destino às Índias e acabou descobrindo o Brasil? Foi mais ou menos assim que começou a relação de Egildo Vieira com a cultura pernambucana.

No início dos anos 70, o músico era clarinetista e saxofonista em bandas de baile de Maceió. Ele lembra que tocava no Clube Pajuçara na mesma época em que o então pouco conhecido Djavan cantava no Clube de Regatas Brasil (CRB). Paralelamente, Egildo trabalhava com o grupo de pesquisa musical Gapema que, em 1972, participou de um festival em Goiânia (Goiás) no qual ficou em 3º lugar. O escritor Ariano Suassuna, que procurava um flautista para um conjunto que estava montando no Recife – o Quinteto Armorial –, viu a notícia em um jornal alagoano e convidou o instrumentista.

“Eu nunca tinha visto (tocado) uma flauta antes”, conta Egildo. “Ariano me deu seis meses e eu me preparei em três. Em seis meses, gravamos o primeiro LP (Do romance ao galope nordestino, 1974), pela Marcus Pereira.” Apenas um ano após tocar como um quase anônimo, em Goiânia, Egildo subiu ao palco da Sala Martins Pena, uma das mais famosas de Brasília. Formado ainda por Antônio “Zoca” Madureira (violão e viola), Antonio Nóbrega (violino e rabeca), Fernando Torres (marimbau) e Edilson Eulálio (violão), o Quinteto Armorial lançou mais três álbuns até sua extinção, no início dos anos 80.

Também desde os anos 70, Egildo atua como professor de cursos de extensão na UFPE, de flauta e pífano. Sua presença na cena noturna da cidade, contudo, está cada vez mais rara. “Hoje, no Recife, a cultura está muito baixa”, considera. “Está ‘atoladinha’ em relação à música.” O flautista, que fez parte do Conjunto Pernambucano de Choro e chegou a se apresentar semanalmente, aos domingos e às terças-feiras, em Olinda, ao lado do violonista Canhoto da Paraíba, prefere hoje tocar em casa a se submeter à política dos bares. “O choro hoje, para ser bem apresentado, deve ter no mínimo cinco componentes. As casas mal podem pagar um, ou voz e violão, no máximo, com teclados”, exemplifica. “Eu preciso me apresentar, mas não assim. Por amor, toco para meus amigos.”

DOM NATURAL – O músico, no entanto, afirma que tem esperança de que a situação melhore para a música. “É tão grande (a esperança) que construo os instrumentos. As primeiras experiências de Egildo Vieira com os instrumentos de sopro que o tornaram conhecido nacionalmente se deram ainda quando criança. “Minhas primeiras flautas eram de canudos de mamoeiro”, lembra. “Murchavam em dois dias e eu fazia de novo.”

Depois que passou a conhecer bem os pífanos, Egildo passou também a fabricá-los utilizando caules de taquara (semelhante ao bambu). O material, colhido em Aldeia, permanece por cerca de seis meses em seu quintal, “envelhecendo na natureza”. O músico afirma que deu uma escala aos pifes, afinados com a utilização de um diapasão de 440 Hz (ratificado por norma internacional em 1987). “O meu pífano pode tocar até com orquestra sinfônica”, garante. Os mais usados pelo instrumentista são armados em tons de sol e lá. Cada peça pronta custa de R$ 80 a R$ 100.

Egildo constrói os instrumentos aproveitando o nó da taquara, segundo ele, porque permite maior durabilidade. O artesão, porém, está sempre experimentando. Ele coloca, por exemplo, nós artificiais (de osso) na busca por uma melhor sonoridade. O osso, aliás, mais especificamente o de avestruz, é uma matéria-prima com a qual o flautista pretende desenvolver mais um protótipo, em breve.

(© JC Online)


Luthier segue ensinamento armorial em suas criações

Apesar de o Quinteto Armorial, do qual fez parte nos anos 70, haver acabado há mais de 20 anos, o flautista, professor e luthier Egildo Vieira afirma que continua sendo armorial. A filosofia artística desenvolvida pelo escritor Ariano Suassuna continua presente no trabalho do instrumentista e é marcante no conceito dos instrumentos que ele desenvolveu a partir de materiais encontrados na natureza.

Um dos instrumentos, Egildo batizou com o nome do mestre: ariano. Trata-se de um marimbau diferente, de duas cordas, com o qual aproveita o formato de duas cabaças. Na parte inferior, possui dois abafadores de quengas de coco que são movidos pelos pés. As cordas são sustentadas por estandartes feitos de chifre e presas em tarrachas de contrabaixo elétrico. Com captador, o ariano pode ser tocado de forma elétrica.

Egildo levou cerca de dois anos de pesquisa e experimentação para chegar à sonoridade desejada. Para ele, mais do que um instrumento, o ariano é uma obra-de-arte. Além do protótipo que possui, fez mais três exemplares, vendidos a preço simbólico. Atualmente, o luthier desenvolve um modelo com quatro cordas.

Outro instrumento peculiar de Egildo é o maripífano. À primeira vista, lembra um berimbau, devido a seu formato (uma haste de três gomos de taquara com uma cabaça), contudo, reúne as funções do pífano e do marimbau. Possui duas cordas, sustentadas por um estandarte de taquara e fixadas com tarrachas de guitarra. Também permite captação elétrica.

O terceiro instrumento desenvolvido pelo flautista é o cabacelo, um violoncelo que utiliza duas cabaças como caixas de ressonância. A estrutura do cabacelo lembra a do ariano. Os tubos de taquara servem como suporte (e dutos de ressonância) para as cabaças – que contam ainda com quengas abafadoras – e para o espelho (braço). O instrumento obedece à afinação do violoncelo – lá, ré, sol, dó.

Outros projetos, como os do contrabaço, rabecaço e o piranhas, devem sair da gaveta de Egildo nos próximos anos. Ao contrário de seus pífanos, que são produzidos a uma média de cinco unidades por mês e já foram exportados para França, EUA, Argentina e Alemanha, os instrumentos mais exóticos são feitos por encomenda. Quem quiser adquirir algum deles e até aprender a tocar pode entrar em contato com o músico pelo fone (81) 3443-8882. (M.T.)

(© JC Online)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind

© NordesteWeb.Com 1998-2006

O copyright pertence ao veículo citado ao final da notícia