Eduardo Simões
Alívio cômico e, por que não
dizer?, insolitamente romântico do dramático Carandiru, o personagem
Sem Chance pôs em evidência o cearense Gero Camilo, ator de formação teatral, que
começou sua carreira no cinema dando total verossimilhança ao louco Ceará de Bicho
de sete cabeças, e em seguida participou de Abril despedaçado. Aos 32
anos, dez deles estudando, trabalhando e morando em São Paulo, Camilo recebeu no começo
do mês o prêmio de ator coadjuvante do Cine-PE, por Narradores de Javé.
Estou celebrando grandes conquistas, que são parte das escolhas que
fiz desde que saí da escola de teatro diz o ator, que divide o mérito do prêmio
com seus companheiros de cena, muitos deles não-atores recrutados da população local
pela diretora Eliane Caffé. O Ceará de Bicho de sete cabeças era um
personagem focado. Em Narradores tive que fazer um trabalho diferente, tive
que me misturar aos moradores de Gameleira Lapa, na Bahia, onde filmamos. Acho que esse
prêmio é para todo o mundo de lá.
Laís Bodanzky conheceu o ator na cena teatral paulistana
Nascido em Fortaleza, Camilo deu aulas de teatro em comunidades carentes da
cidade até o fim dos anos 80, quando começou a atuar em peças no Teatro José de
Alencar. Em 1994, o ator entrou para a Escola de Artes Dramáticas de São Paulo, onde
estudou até 1998. Foi na cena teatral paulistana que Laís Bodanzky, diretora de Bicho
de sete cabeças, conheceu e se interessou pelo seu trabalho.
Eu e o (roteirista) Luiz Bolognesi começamos a trabalhar o
personagem Ceará já pensando no Gero, sem que ele soubesse. Como os ensaios não foram
feitos com o script , mas sim com improvisação, a construção do Ceará é
mérito só dele, um ator dedicado, inteligente, que arregaça as mangas, sem ansiedade
diz Laís, sem economia de elogios e argumentos para a escolha do ator para seu
filme.
Versátil, Gero Camilo lançou há cerca de um ano o livro A macaúba
da terra, compilação de contos e peças curtas de sua autoria, de onde saíram o
texto do curta Ímpares, que acaba de filmar, e uma peça recentemente
encenada por uma companhia de teatro paulistana. Volta e meia, o ator apresenta o
espetáculo A procissão, também escrito por ele. Já esteve também em dois
episódios do especial Brava gente, da TV Globo. No momento ele se organiza
para montar Aldeotas, peça que acaba de escrever e que deve estrear no
segundo semestre. E espera receber propostas para voltar aos sets.
Mas não estou esperando sentado. Quero brincar de fazer cinema
também, de escrever, dirigir. Ainda não sei o caminho diz o ator, que investe
agora num sonho antigo, o de formar seu próprio grupo de teatro, em São Paulo.
Já temos um galpão, agora estamos procurando patrocínio, que é muito difícil.
Diretor de Carandiru, em que Camilo vive o Sem Chance, Hector Babenco atesta a
versatilidade de Gero, comparando-o ao ator Peter Lorre, de M O vampiro de
Düsseldorf.
Ele é uma pessoa completa, seu livro de prosas é uma pequena jóia, com muita
dramaticidade nos diálogos. Adoraria fazer um filme só com ele, mas não tenho um
projeto. Quem sabe se ele escrever...
Pela terceira vez em cena com Rodrigo Santoro, Camilo reclama do foco
colocado sobre a cena do beijo com o colega em Carandiru:
Isso não vem da relação do Sem Chance com Lady Di, mas sim de uma
projeção das pessoas com relação à figura do galã beijado pelo ator desconhecido.
Estou tendo que falar mais do beijo do que como foi retratar aquela barbárie.
Ainda que tenha interpretados papéis diversos, Gero Camilo sabe que corre o
risco de cair na armadilha dos tipos estereotipados, sejam eles do Nordeste ou da
periferia das capitais. Mas ele não perde a tranqüilidade e pondera sobre quando dizer
sim, ou não.
Tive grande prazer de interpretar um nordestino com veracidade em
Narradores. É de uma necessidade poética tamanha que imaginar dizer não ao
papel seria negar o que ele tem de mais sublime diz o ator, que já declinou
ofertas para viver tipos caricatos. Na TV isso acontece mais. Não quero estar na
TV só para aparecer, não a tomo como vitrine.
Embora esteja radicado em São Paulo, Camilo pensa em voltar a trabalhar no
Ceará, sem no entanto ter que voltar a morar lá. Mas não descarta a possibilidade de
sair de onde está.
Queria passar um tempo viajando, quem sabe pela Europa, ou pela
América do Sul. Não penso em ficar o resto da vida no mesmo lugar. Sou filho de
caminhoneiro. A estrada faz parte da caminhada.
(© O Globo On Line)