Fabiano Accorsi/ÉPOCA
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POLIGLOTA
Pernambucano radicado em São Paulo, Navarro fala as várias 'línguas'
do país
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JOSÉ TELES
Jornalista, 47 anos, o pernambucano
Fred Navarro lançou, em 1998, uma compilação de termos e expressões
empregadas pelos nordestinos, num dicionário que intitulou Assim Falava
Lampião. Mas não ficou por aí. Continuou pesquisando por mais cinco anos o
linguajar dos Estados da região. O resultado está no Dicionário do Nordeste.
Navarro, que atualmente, mora em São Paulo, concedeu entrevista ao Jornal do
Commercio sobre seu livro, e as peculiaridades do quase dialeto nordestino
JORNAL DO COMMERCIO – Por que várias expressões contidas no seu
dicionário não constam dos dicionários clássicos?
FRED NAVARRO – É puro desconhecimento, ou seja, ignorância
mesmo. Se pensarmos nas outras regiões do Brasil, que obviamente também
têm lá suas palavras e expressões próprias, dá para imaginar o tamanho do
“rombo”.
JC – No prefácio, Marcos Bagno ressalta como a imprensa é
conservadora, não aceitando palavras que não façam parte da chamada língua
culta.
FN – O problema é que herdamos dos portugueses esse gosto
meio rococó pelo “falar difícil”. Não é à toa que até hoje o nosso sistema
judiciário utiliza uma linguagem tão esotérica, parece armênio. Nossa
imprensa deveria ser mais coloquial, aproximando-se da linguagem do
cidadão comum, que anda na rua, e que lê jornal.
JC – A importância desse livro não é apenas catalogar, como
também registrar expressões que, por culpa sobretudo da TV, vão
desaparecendo no Nordeste. Por exemplo, “bala perdida”, em lugar de “bala
doida”, como se dizia até uns pouco anos atrás.
FN – É um trabalho de memória. Há palavras e expressões que
se não forem registradas tendem a desaparecer. Nossos meios de comunicação
em geral não dão importância a esse aspecto de nossa cultura, o que denota
preconceito. É quase como se nossas elites tivessem vergonha de como o
povo fala, quando deveria acontecer o contrário.
JC – No Sertão, principalmente, esta influência da mídia ainda é
mais avassaladora. Expressões como “dar de corpo” (com o significado de
“defecar”), que já foi usada no interior, não é mais falada, e nem está no
dicionário.
FN – Vou incluí-la numa próxima edição, pode ter certeza...
Mas discordo em parte de você, o Sertão talvez tenha sido menos
influenciado do que o litoral. Penso que a juventude das grandes cidades é
mais permeável ao linguajar televisivo do que a do interior. Em geral elas
viajam mais, trocam mais informações do que nossos sertanejos.
JC - Chama atenção no livro é a quantidade de sinônimos para
orgãos sexuais, e para o sexo em geral. É impressão, ou os nordestinos são
mais desavergonhados ao falar de sexo?
FN - É impressão, pelo que pude investigar. Todas as línguas
e dialetos têm enormes quantidades de palavras, gírias e neologismos para
os órgãos sexuais. No nosso caso, a diferença é a quantidade de palavras
que apela para o bom humor, a sacanagem, a picardia.
JC – Além de sexo, nomes de doenças são usados como se fossem
palavrões. Isto se deve à miséria da região, onde essas doenças eram tão
comuns que se tornaram xingamentos?
FN - Sim. As expressões derivadas de bexiga comprovam isso:
bexiga-lixa, da bexiga, bexiguento, com a bexiga e outras.
JC - Sei que é cedo, mas você já pensa em uma nova edição
ampliada. Ou melhor, continua coletando termos, expressões, para essa nova
edição?
FN – Esse trabalho não tem fim, a língua é um organismo vivo
e está se modificando a cada novo dia.
(© JC Online)
Dicionário contém
termos ignorados pela alta cultura
Um trabalho de oito anos, com cerca de 200 livros lidos, 220 discos
pesquisados, além de centenas de anotações tomadas em conversas no
dia-a-dia, informações coletadas em todo o Nordeste. Assim o jornalista e
escritor Fred Navarro chegou aos cinco mil verbetes do seu Dicionário
do Nordeste (Estação Liberdade, 399 páginas), que será lançado hoje,
às 19h, na Livraria Imperatriz, do Shopping Tacaruna. O dicionário é a
edição ampliada de Assim Falava Lampião, de 1998, primeira
compilação de termos e expressões nordestinas escrita por Navarro, que
continha 2.500 verbetes.
Uma obra desse tipo redime um pouco o “descompasso, quase abismo, entre
o que se produz nos meios acadêmicos em termos de conhecimento da língua
falada pelos brasileiros e o que circula na sociedade em termos de idéias
sobre essa mesma língua”, conforme ressalta, Marcos Bagno, professor de
lingüística da Universidade de Brasília. Uma constatação fácil. Basta
folhear o livro para se deparar a cada página com vários termos que não
constam dos dicionários clássicos da língua portuguesa feitos no Brasil.
A preocupação com a especificidade do linguajar regionais do País é
antiga. Já em 1920 foi publicado O Dialeto Caipira, de Amadeu
Amaral, dois anos mais tarde, O Linguajar Carioca, de Antenor
Nascente, e, em 1931, A Língua do Nordeste, de Mário Marroquim,
preciosas fontes para os estudiosos até hoje. Em anos recentes, têm
surgido minidicionários de baianês, pernambuquês, porém nenhum com o
fôlego do livro de Fred Navarro.
(© JC Online)
Confira lista de
verbetes
Ababacado - Panaca,
leseira, palerma: "Vai ficar aí parado, com essa cara de ababacado?"
Bamburim - Jogo infantil
consistindo em jogar uma moeda para o alto para ver quem consegue
pegá-la antes de chegar ao chão
Casa de Noca - Lugar onde
ninguém manda, casa-de-mãe-Joana. "Silêncio! Mas que barulho é esse?
Isso aqui tá parecendo mais a casa de Noca!"
Dor-de-menino - Dores do
parto, as contrações que antecedem o parto, de acordo com Luiz Gonzaga:
"-Lula! Pronto, patrão! - Monte na bestinha melada e risque! Vá ligeiro
buscar Samarica Parteira que Juvita já tá com dor-de-menino..."
Estar pebado - Sem saída,
enrascado, encurralado, na PB, CE e PE. "João está pebado... Comprou um
carro novo e não está conseguindo pagar as prestações".
Filar - O verbo tem dois
sentidos: 1. "Colar", receber dicas ou respostas de terceiros para fazer
melhor uma prova ou um teste. "Só me salvei porque filei de Goretti o
tempo todo". 2. Faltar à aula, ao trabalho ou a um compromisso, o mesmo
que gazear, gazetar ou gazetear
Góia - Restinho do
cigarro, bituca, coxia, piúba. "Você deixa o góia pra mim, por-favor?"
Invocado - Cheio de
direito, brabo, brigão. "Puxa, nunca conheci na vida um cara mais
invocado...". 2. Exagerado, em demasia. "Tinha um ciúme invocado,
emburrado..."
Jebu - Sinônimo de chabu,
fenônemo que acontece quando falha um dos fogos de São João
Kombeiro/kombista -
Perueiro, motorista de kombi-lotação. A primeira é usada em PE e a
segunda em AL
Lá e Lô - Frente e verso,
um lado e o outro, um extremo e o outro. Batida lá e lô, no dominó, é
quando uma pedra, com duas diferentes faces (terno e quina, por
exemplo), encerra o jogo nas duas extremidades
Malocar - Esconder,
subtrair, encafifar. "Quero saber quem malocou o meu isqueiro!"
Não-me-toque - Doce feito
com tapioca de goma, leite de coco e açúcar, e assim chamado porque
desmancha facilmente nos dedos.
Opaba - Na BA é o terreno à beira-mar que costuma
alagar nos meses chuvosos. Palavra de origem tupi-guarani
Pabola - No CE é sujeito
fandarrão, gabola, cheio de goga
Quartuda - Bunduda, com
os quartos largos, em AL
Reboque - No NE, é
sinônimo de prostituta
Sambocar - Tirar o
pedaço, arrancar, extrair
Tá com a bixiga! -
Significa "eu não acredito. Isso é impossível!". "O campinense ganhou de
5x0? Tá com a bexiga!"
Uma cebola / Uma pinóia -
São equivalentes a coisa nenhuma. "Tia Eugênia, / que sentia muito mais
alívio que saudade com aquela partida, / resmungava baixinho: / Visitar
uma pinóia, dizem isso porque moram longe / e ninguém vai aparecer nessa
tal de rua Bambina". "Nos rumos do encantamento", em Janela, de Marly
Mota.
Vuco-vuco - 1. Confusão,
fuá, bagunça. 2. Lugar apertado, rua estreita ou loja cheia de gente.
Xeleléu - Em Pernambuco é
coisa ou pessoa sem importância, sem valor. "Que roupinha mais xeleléu,
hein?
Zunir - Atirar alguma
coisa em alguém, jogar pedras: "Zuniu a pedra e feriu o menino; Zuniu
ovos podres no orador".
(© JC Online)
Palavrório arretado
Dicionário do Nordeste, de Fred Navarro, reúne 5 mil
expressões usadas da Bahia ao Maranhão
BEATRIZ VELLOSO
Leitor, atenção: o texto que vem a seguir não é bolodório. Entender o
que virá nas próximas linhas pode ser de lascar o cano, mas não
desanime. Caso não consiga acompanhar o raciocínio, não fique popeiro -
fique peixe. O Dicionário do Nordeste, escrito pelo jornalista
pernambucano Fred Navarro, esclarece todas as dúvidas. São cerca de 5
mil verbetes, usados da Bahia ao Maranhão. O livro, resultado de oito
anos de pesquisa, é mais do que uma reunião de palavras e expressões: é
um passeio pela história e pela cultura dessa região do país.
Para escrever o dicionário, Navarro (que nasceu no Recife, mas mora em
São Paulo há 15 anos) fez inúmeras viagens ao Nordeste. Visitou cidades
do litoral e do interior da Bahia, do Ceará, de Alagoas, do Piauí, da
Paraíba. Recolheu verbetes até no arquipélago de Fernando de Noronha.
Leu e consultou centenas de livros - de clássicos como o Dicionário
do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, ou Casa Grande
& Senzala, de Gilberto Freyre, a romances como Os Tambores de São
Luís, de Josué Montello. E ouviu muita música: Mundo Livre S/A, Luiz
Gonzaga, Alceu Valença, Mastruz com Leite, Lenine.
Bom humor é a marca registrada do vocabulário da região
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O autor comprovou o que já suspeitava: o vocabulário do Nordeste é
marcado, principalmente, pelo bom humor. 'O falar dos nordestinos tem uma
picardia e uma malandragem que só encontram par nas gírias dos cariocas',
diz Navarro. Ele explica que muitas palavras consideradas erradas (como
'fruita' ou 'avoar') existem, na verdade, desde os tempos do início da
colonização do Brasil. 'No sertão, onde houve menos contato com as novidades
que chegavam ao litoral, o português clássico ficou mais preservado',
explica.
Outra curiosidade é o fato de que todos os povos que passaram pelo Nordeste
em algum período da História, de franceses a ingleses, deixaram marcas no
vocabulário. Em alguns Estados, até hoje usa-se 'brote' para pãozinho ou
biscoito - herança direta do 'brood' holandês, que quer dizer pão. E mais:
muitas expressões usadas no Sul e no Sudeste do país com determinada acepção
surgiram no Nordeste - com significados opostos. É o caso de 'o cão chupando
manga'. 'Em São Paulo o pessoal diz isso para descrever uma mulher muito
feia. Mas no Nordeste o termo é usado para uma pessoa que sabe muito e é
muito boa em alguma atividade', explica Navarro. Em tempo: para quem não
entendeu as primeiras linhas deste texto, 'bolodório' quer dizer conversa
mole, 'de lascar o cano' significa difícil, trabalhoso, 'popeiro' equivale a
irritado e 'fique peixe' é o mesmo que fique tranqüilo.
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Título
Dicionário do Nordeste |
Autor
Fred Navarro |
Editora
Estação Liberdade |
Preço e Páginas
R$ 36/408 |
(© Revista Época)
Trechos do Dicionário do Nordeste, de
Fred Navarro
Abufelar
1. O sentido mais comum é irritar, pegar no pé, encher o saco:
"Pare de me abufelar, está ouvindo?" 2. No CE, porém, tem
também o sentido de pegar escondido alguma coisa, sem pedir autorização ao
dono: "Ela não podia abufelar meu vestido sem me pedir! Ela vai ver só!"
Agoniado [u]
Com dor de barriga, apertado: "Ela chegou todfa agoniada e faz mais
de meia hora que não sai do banheiro." Ver dor de necessidade.
Bicuda / bicudo
1. No MA significam bicanca, chute na bola com o bico da chuteira.
2. Em algumas regiões do Nordeste, bicudo é sinônimo de
barbeiro, procotó, o inseto que transmite a doença de Chagas.
Brau
1. Na BA, é cafona, brega, segundo Caetano Veloso: "Preta Chique /
Essa Preta é Bem Linda / Essa Preta é Muito Fina / Essa Preta é Toda a
Glória do Brau"...
É lasca!
1. É dito quando se comemora um grande feito ou uma bioa not[icia:
"Nosso time é lasca! Não perde pra ninguém há dois meses!"" 2.
Ou justamente ao contrário, em tom de lamento: "É lasca! Levar o gol no
último minuto é sacanagem, é azar demais!"
É lenha!
Na BA equivale a dizer "é lasca!", "é fogo!", "é uma parada!". O
uso do verbo lenhar, no sentido de trepar, copular, tem origem na região
Norte.
Embirar
Casar, juntar, unir: "Os pais faziam o arranjo, vinha o padre e
embirava o casal de trouxas." Caetés, Graciliano Ramos, citado no
Dicionário Aurélio. Embira é um arbusto que fornece fibra de boa
qualidade.
Homeopatia
Em PE é sinônimo de cachaça, pinga, dengosa, pindaíba.
Lesado
No CE é igual a idiota, abilolado, besta como aruá, celé.
Leseira
1. Bobeira, idiotice, vagareza: "Não se pense, por isso, que na
base do Dom Pedro só se fala leseira, camaradas." Um chope para a
gordinha, Ronildo Maia Leite...
Malacas
Em PE e em AL quer dizer seios murchos, moles, caídos: "Dona
Zefinha tem duas malacas enormes, não é?" Ver peitas.
Pinicão
Sinônimo de beliscão.
Torengo
Em PE é pessoa muito baixa, baeco, toco de amarrar besta.
Xeta [ê]
1. Um beijo mandado de longe pelos ares. 2.
Provocação, charme, gesto de sedução.
(© Revista Época)
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