05-06-2008
A estréia muda no rádio em
1948. A invenção do humor na televisão. O nascimento do Professor Raymundo,
primeiro dos 209 tipos criados. A vida doméstica entre filhos, ex-esposas e
o atual amor. As memórias de parceiros, familiares, amigos. A rotina
O POVO- Você nasceu em 1931,
mas sua certidão registrava 1929. O que houve?
Chico Anysio- Quando minha mãe mandou buscar a certidão de
idade em Maracanaú chegaram três cópias. Uma levei pro colégio, a outra foi
enviada para o Exército e a terceira ficou em casa. Mas de repente chega uma
convocação. Eu com 16 anos estava sendo chamado e foi aí que vimos que na
certidão constava 1929. Com 16 anos, pesava 20 e poucos quilos, calçava 41,
era um L. Daí não fui aceito no Exército, fiquei na terceira categoria. Mas
durante muito tempo curti isso de ter dois anos a mais. Ia a um filme que
era impróprio até 18 anos, entrei em dancing, tudo... Hoje não interessa,
tenho 73 anos, nem voto mais, tô acima do bem e do mal. Mas passei a vida
inteira segurando essa. Durante algum tempo a meu favor, depois passou a ser
contra. Quando tinha 50, a carteira já era de 52...
OP- Você sai de Maranguape criança, chegando ao Rio de Janeiro
com oito anos de idade. Como você via o Rio?
CA- O primeiro lugar onde morei no Rio foi em uma pensão em
Laranjeiras, perto do campo do Fluminense de onde fui sócio-dependente e
sócio-atleta, jogava futebol, nadava... Meu pai ficou no Ceará para
trabalhar e poder nos mandar dinheiro. Mas depois casou de novo, de novo, de
novo e uma quarta vez. Com essa última família teve sete filhos. Mas sempre
foi meu amigo, inclusive segurei a barra dele no fim da vida. Tirei-o do
Maranhão, botei em São Paulo, aluguei um apartamento vizinho à Beneficência
Portuguesa para ter tudo ali a tempo e a hora no fim da vida. E um dia o
doutor ligou dizendo que ia mandar o coronel de volta para o Maranhão. 'Já
fizemos tudo o que podia ser feito. Vamos mandar pra casa'. 'Tá certo'. Seis
meses depois, eu estava em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, quando ele
morreu. Não deu tempo chegar ao enterro. Também não vi o enterro da minha
mãe. Estava em Estocolmo quando ela infartou.
OP- Seu pai era presidente do Ceará Sporting Clube. Vem dele a
paixão pelo futebol?
CA- Foi. Mas eu era Ferroviário, criança gosta de ser do
contra, né? No Rio sou Vasco. Mas o que sou mesmo é Palmeiras. Porque o
primeiro time que vi jogar lá em Fortaleza foi esse, quando meu pai levou
para fazer cinco jogos em cinco domingos. Ficaram o mês inteiro lá e eu
fiquei deslumbrado, não sabia que aquilo é que era futebol. Em São Paulo,
fui diretor de relações públicas do Palmeiras, no tempo de Ademir da Guia,
tempo de ouro do futebol. Do Ceará veio pra cá o Pacoti, o Lôro que jogava
no Fortaleza veio para o Corinthians, tinha aquele Moésio, que era um bom
jogador... No tempo do meu pai o ataque era Belisco, Biinha, Aníbal, Farnum,
Feliciano. Entrava o Limoeiro numa meia aí. Meu pai levou o Sá Filho do São
Cristóvão do Rio pra lá, o Limoeiro de Pernambuco, o Biinha da Bahia, fez
uma revolução no futebol do Ceará. E eu fui comentarista esportivo com 17
anos. Estava conversando em um bar e o Raul Longras me convidou pra comentar
o jogo com ele na Rádio Clube do Brasil. Depois fui comentarista do Oduvaldo
Cozzi, do Geraldo José de Almeida, Luís Penido, na Rádio Tupi.
OP- Seu primeiro personagem, aliás, o professor Raymundo,
nasce no rádio. É o seu xodó entre os outros 209?
CA- É. Sou muito grato a ele. Foi o primeiro do rádio e depois
o primeiro da televisão. É através dele que tanta gente apareceu. Os outros
são iguais. Mas gosto deles todos, é como se fossem filhos.
OP- Queria ouvir um pouco a história deles. Como nascem...
CA- Nascem de diversas maneiras, do que vejo, de histórias que
ouço, de pessoas que conheço... Quando percebi a impossibilidade de ser
engraçado como o Oscarito, o Costinha, o Golias ou de chegar a um Walter
D'Ávila, a um Brandão Filho. Percebi que um tipo sozinho tinha vida curta,
sempre era melhor que pertencesse a um núcleo. O Jovem tem a mãe dele; o
Pantaleão, a Terta e o Pedro Bó; o Tim Tones tem os filhos... Isso vem do
começo já. O coronel Limoeiro, por exemplo, tinha a mulher dele que se
chamaria Adalgisa. Pensei melhor e achei que tinha que ser um nome mais
comum, Teresinha... Mas no momento em que batia o esquete entrou a atriz
Maria Tereza. Botei em homenagem a ela. Mas por muito tempo muita gente
achou que foi uma gozação com a Maria Teresa Goulart, esposa do presidente
João Goulart. A personagem traía o marido com todo mundo, veja... Mas alguns
não fui eu quem criei. Haroldo Barbosa criou o Zé Tamborim, um sambista que
tinha como parceiro um malandro interpretado pelo Ary Leite. Roberto
Silveira criou o Juventino, marido de uma mulher feia e apaixonado pela
empregada, cujo bordão era gritar pra coitada: 'Senta aí'. Esse personagem
revivi anos depois com o Nazareno...
OP- O personagem com o nome da mulher do presidente deu
problema?
CA- Não. Uma vez fui fazer um show em Brasília e havia um
churrasco. Ele estaria lá. Fiquei em pânico. Não sabia se explicava ou
calava. Quando os avistei, ela gritou de lá: 'Maria Tereza, quer dizer que
continuas a mesma? Todo mundo riu. Era o bordão e o sinal de que estava tudo
bem.
OP- Mas a Salomé incomodava um pouquinho o presidente João
Batista Figueiredo, não?
CA- O presidente João Batista respondia a Salomé. Ela dizia:
'João Batista, tu falou que está de mão estendida mas tu é canhoto, né?. Ele
veio fazer uma inauguração em Niterói e discursou: 'Dizem que estou de mão
estendida, mas sou canhoto...'. (risos) Ele levava a sério.
Esse personagem foi um achado. Antes da abertura política ser proclamada eu
entro com a Salomé falando diretamente com o presidente. Um dia ele ligou
pro doutor Roberto (Roberto Marinho, ex-presidente das Organizações
Globo, já falecido): 'A Salomé bateu o telefone na minha cara, ela
pensa que é o quê? O dr. Roberto me chama: 'O que houve que você bateu o
telefone na cara do presidente? 'Dr. Roberto, já está gravado o quadro a
seguir'. Ele quis ver. E lá estava: 'João Batista, te tratei mal na semana
passada, me perdoa, tava irritada e tal'. Fiz a propósito, pra ele ficar
zangado, mas já havia gravado o pedido de desculpa. Dr. Roberto ligou pra
ele de volta e acabou tudo bem. Foi muito legal o tempo do Figueiredo, a
gente vinha de um sufoco muito grande... E eu estava na Rede Globo,
principal vitrine. Então era o seguinte: o censor sentava, mandava pôr o
programa e ia dizendo: 'Isso tira. Tira'. 'Mas só queria explicar... 'Tira'.
'Mas o sr. não entendeu, só queria explicar.... 'Não estou lhe perguntando
nada, tira! Para salvar meu show de teatro eu levava a Brasília e fazia no
auditório pra oito censores. Era a coisa pior da minha vida. Fazia e
explicava. Assim, eliminei em média de 40 cortes por show. Quando eles iam
censurar lembravam de como eu havia falado aquilo e não cortavam, porque
antes cortavam na intenção. Foi uma estratégia. Quis fazer algo parecido com
a Salomé agora. Um metalúrgico falando com o Lula, mas o Maurício Sherman (diretor
do programa Zorra Total) demorou muito a resolver, o
que foi uma pena porque o personagem seria ótimo.
OP- Ótimo e necessário. Outros personagens que tinham uma
forte conotação política eram o Baiano e os Novos Caetanos, né? Como
acontece essa homenagem?
CA- A gente queria pôr uma música no programa, idéia do Arnaud
(Arnaud Rodrigues, ator e roteirista): 'Vamos fazer o Baiano e
os Novos Caetanos'. Ele fazia o Paulinho Boca de Profeta, tocando violão.
Eu, o Baiano. Gil e Caetano estavam exilados em Londres. Era uma forma de
mantê-los em cena. Eu tava fazendo show no Teatro da Lagoa e o Caetano na
Sucata, parede com parede. Correu um papo de que ele estava fazendo uma
paródia do Hino Nacional. Mentira. Não estava. Mas aí prenderam os dois,
injustamente. E eu era testemunha da inocência deles. Até arranjei pra eles
voltarem do exílio. Fui ao Sérgio Médici, filho do general Médici, pedir a
volta deles. Aí ele disse: 'OK'. Mandei Benil Santos, meu empresário, dei a
passagem para ir buscá-los em Londres, ele os trouxe, acertando um show no
Canecão. Na véspera do show, eles tiraram o Benil e puseram o Guilherme
Araújo. Hoje o Benil trabalha na SBAT - Sociedade Brasileira de Autores
Teatrais. Fiz isso pelo seu Zeca e dona Canô, que me levava bolinho coberto
com guardanapo toda vida que eu ia à Bahia. Mas eles mesmo nunca me
agradeceram, nenhum dos dois.
OP- Baiano e os Novos Caetanos gravaram discos, frequentaram
as paradas de sucesso... ''Vô Batê pá Tu'' é um clássico. Como era essa
dobradinha de letra e música com o Arnaud Rodrigues?
CA- Fizemos letras e músicas adiantadas anos. Haja vista que
até hoje ''Vô Batê pá Tu'' é moderno e isso foi em 1975, por aí. ''Urubu tá
com Raiva de Boi'', ''Folia de Reis'', ''Selva de Feras'', todas ainda tocam
nos forrós. Fomos convidados pra Montreaux, pro Midem (feira
referencial de música na França). Antes de sofrer o acidente, o
Herbert Viana me ligou: 'Chico, passei no Carrefour e comprei o disco do
Baiano e Novos Caetanos. Tô encantado! Quero produzir um disco de novo de
vocês'. 'Vamos produzir'. Mas aí ele sofreu o acidente. O Arnaud e eu temos
já umas nove músicas prontas, inéditas. Só faltam mais umas cinco pra ter um
CD. Várias gravadoras quiseram. Mas algumas achavam que era tipo Tiririca.
Aí não quiseram (ri). Porque Baiano e os Novos Caetanos é um
conjunto sério.
OP- Você e o Arnaud criaram muitos personagens juntos... Vem
de quando a parceria?
CA- Ah, da TV Tupi, anos 60... Eu e o Arnaud fizemos, por
exemplo, o Linguinha, personagem infantil, que saiu do ar por excesso de
índice. Todo mundo queria anunciar antes ou depois do Linguinha. E só tinha
cinco minutos. A ABC veio aqui pra tentar comprar os direitos. Mas quando
viu o tamanhinho disse que não servia, era muito pequenininho. Era um herói
que não usava arma, levantava quando uma senhora entrava, abria a porta, era
perseguido, não perseguia. O pai dele, o Lingote, o tóxico dele era remédio.
Acho que as crianças gostavam do meu trabalho pelo visual de cada tipo,
apesar de não entender a crítica social por trás de cada um deles.
OP- E o Justo Veríssimo?
CA- Justo Veríssimo veio de um deputado pernambucano que o
Alceu Valença conhece que dizia: 'Sai daqui, sai daqui. De preto e pobre eu
quero distância. Preto e pobre só servem pra me eleger'. Quem me contou foi
um amigo nosso em comum. Cheguei a conhecer esse deputado e depois o Alceu
confirmou. 'Quero que pobre se exploda! Os outros que pensem no Brasil. Eu
quero é me arrumar!. Walfrido Canavieira foi outro que causou um
abaixo-assinado de vários prefeitos nordestinos. Achavam que estavam sendo
retratados, Canavieira era um ladrão, né? Roberval Taylor foi inspirado no
Hélio Ribeiro, um locutor da Rádio Bandeirantes (faz a voz do Hélio).
A voz do Pantaleão é a do Luiz Gonzaga. Gravei com ele uma quadrilha: 'A
Quadrilha do Professor Raymundo'. Fomos colegas na rádio Mayrink Veiga. Ele
dizia assim (imitando a voz): 'Vou cantar um baião que é meu e
de Zé Dantas. Quer dizer, é só de Zé Dantas, mas ele quis me dar a parceria
e eu que não sou orgulhoso aceitei' (risos). Ele era muito
engraçado.
OP- Você também tem bordões que são memoráveis...
CA- O bordão é imperioso quando se tem quadros toda a semana.
Mas não faço o quadro para o bordão e sim o bordão para o quadro. Fiz o
Azambuja. O que é ele? Um malandro carioca que salva o dia, faz um
golpezinho pra pegar cem mil réis e pronto. Não é um grande pilantra. Então,
é 'tô contigo e não abro', 'arrebenta a boca do balão', 'tá danado, tá
danado'... Ele era um personagem imaginário. Porque, em 1975, eu fazia
monólogos, cara limpa. O primeiro Fantástico que foi pro ar
era no tempo que tinha slide. Então dizia assim: 'Rede Globo apresenta Chico
Anysio e Marília Pêra em Fantástico, o Show da Vida. Durante
16 anos fiz um monólogo que encerrava assim e contava uma história do
Azambuja, que sempre me colocava numa fria. Com o Arnaud, a família dele
cresceu: veio o Trivelato, um negão alto, fortão; a Nega Brechó, namorada do
Azambuja, o Pernambuco, nordestino... Fez tanto sucesso que o Arnaud deu a
idéia de dar vida ao personagem em um programa mensal. O Boni topou e
fizemos o Azambuja & Cia. Peguei uma foto minha e pedi a um desenhista que
fizesse diferentes intervenções sobre ela - uma com bigode, outra com
óculos, outra careca... Depois saí pela Globo com os oito desenhos: 'Qual
desses é o Azambuja? E fazia uma marca na escolhida. Assim escolhi o visual
dele.
OP- Alguém da família inspirou um visual?
CA- (Ri). Neide Taubaté nasce da necessidade de
ter uma mulher em um telejornal e o nome é este porque existe Neide
Aparecida, uma cidade antes de Taubaté. Mas ela parece com a Lupe (Lupe
Gigliotti, irmã de Chico Anysio). Daí vem a necessidade de fazer
outros locutores pro telejornal, o que me levou a fazer mais cinco. Assim,
um vai puxando o outro... O Pantaleão era o personagem para encerrar o
programa contando uma grande mentira com a conivência de Terta e os palpites
de um afilhado, o Pedro Bó. O papel do Pedro Bó seria do Agildo (Ribeiro).
Acabou sendo o Joe Lester, empresário do Jararaca, que estava no auditório
assistindo à gravação. Tinha um defeito na perna e ficou sentado num barril,
limpando um fuzil. Eram, no máximo, três intervenções. Sempre cretinas. E
por aí vai. Mas vou lançar um livro com o Ziraldo contando todas as
histórias dos personagens, então vocês vão ficar sabendo...
OP- O.K. Vamos falar um pouco do letrista e do escritor, duas
facetas suas menos conhecidas. Consta que você gravou 27 discos e lançou 18
livros.
CA- O disco veio por conta do sucesso. Gravamos um do
Azambuja, um do Linguinha, do Chico City e outros personagens do programa.
Tem LP gravado com o Coalhada, o Roberval Taylor, o Alberto Roberto, com
monólogos do Fantástico, Chico Total. Agora tô
numa fase de boleros. Tenho uma parceira que é a Sara Benchimol, nós fizemos
16 boleros. Todos em espanhol. O Cauby Peixoto quer gravar. E fizemos 14
boleros chamado ''Respuesta'', que é a resposta dos boleros famosos, ''La
Barca'', ''La Puerta se Cerró'', ''Contigo Aprendi'', ''Perfídia'', ''El
Reloj''... Isso aí tá com o filho de Altemar Dutra. Mas o Elymar (Santos)
também quer gravar. Fiz a letra de um pagode que o Martinho da Vila gravou,
que foi um sucesso, puxou o disco dele. ''Como você não há/ como você não
tem/ como você cadê/ como você ninguém'' (cantando). Gravamos
agora duas com o Zeca Pagodinho, vão estar no próximo CD dele. Tenho ''Rio
Novo'' com Alcione, um monte com o Fábio Jr. São umas 70 músicas espalhadas
por aí. E Sara está gravando no estúdio hoje uma música que se chama
''Elymar de Todos os Santos'', vai puxar o CD dele. Vou dirigir o show dos
20 anos de carreira que Elymar faz ano que vem, no Canecão.
OP- Mas voltando um pouco no tempo tem os seus baiões, que
Dolores Duran gravou. Como se deu esse encontro?
CA- Dolores Duram era minha colega de rádio, de quem fui
padrinho de casamento, minha amiga querida, gravou muitos baiões meu. Ela
sempre os colocava no lado B do disco. No lado A, um samba do Billy Blanco.
E era o meu baião que fazia sucesso. A ''Fia de Chico Brito'' foi regravada
pela Elis Regina. E a Roberta Miranda regravou outro sucesso da Dolores, que
fiz em parceria com minha mãe.
OP- Seus primeiros livros têm selo da Editora Sabiá, de Rubem
Braga. Depois, Rocco. Mas um deles rendeu um especial na TV Globo,
Negro Léo, que fez bastante sucesso pela linguagem inovadora.
CA- Isso começou em 1972, quando Ricardo Amaral, Rubem e Paulo
Rocco me convenceram. Sentei para escrever um livro e depois de 50 dias
tinha três. O primeiro chamou-se O Batizado da Vaca e na noite
de autógrafos havia uma vaca de verdade no lançamento (ri).
Depois veio O Enterro do Anão, que tem uns contos sérios de
que gosto mais. Negro Léo é meu segundo romance, 1980. O
primeiro foi Carapau, a história do último coronel do
Nordeste. Jorge Amado elogiou, então, já me valeu. Negro Léo
era todo na primeira pessoa. Cada um contava um pedaço da história de um
negro bandido na Praça Mauá. Paulo Ubiratan dirigiu a adaptação para tevê,
que foi premiada no exterior. Acho que foi o último trabalho de Lilian
Lemmertz, que morreu logo depois. A Rocco, do meu amigo Paulo Rocco,
prometeu reeditar.
OP- Seu último livro, O Canalha, passeia pela
história do Brasil do Governo Dutra até FHC. Como você aborda, por exemplo,
o episódio do confisco, protagonizado pela então ministra da Economia, Zélia
Cardoso de Melo, que foi sua esposa? Aliás, vendeu muito?
CA- Não chegou a cinco mil. Mas não teve confisco, teve
bloqueio. E tinha que ser feito. Porque o (Fernando) Collor
herdou uma inflação de três por cento ao dia. De manhã era um preço, de
noite outro. Não tinha outro jeito de consertar, bloqueia. A Zélia não
inventou nada. Usou a única arma que possuía. Falei pra ela: 'Você poderia
ter feito a diferença do poupador para o especulador'. 'Como? 'Muito
simples. Todas as cadernetas de poupança abertas de três anos pra cá estão
bloqueadas'. 'Puta-que-pariu, era isso, Chico! Como é que ninguém me
avisou?. Mas quando a conheci ela já não era mais ministra. E me disse: 'Se
você se candidatar a presidente, vou pra vice'. A Zélia não é uma brilhante
economista. Mas brilhantemente escolhe as pessoas pra trabalhar com ela.
Escolheu três caras que foram ministros depois: o Paulo Renato, o Kandir e o
Pedro Malan, três feras.
OP- Como vocês se conheceram?
CA- Eu a conheci em um restaurante. Antes, já havia levado na
Escolinha... quando ela renunciou. Gravamos e ela foi embora.
Na época, namorava o Bernardo Cabral, não tinha nada a ver comigo. Meses
depois fui gravar um comercial, saí sozinho, ia jantar e queria um lugar
onde não tinha gente. Fui no Antiquárius, que sempre tem amigos. Quando
entrei tava o Nelson Tanuri, hoje dono do JB. 'Oi, Chico, tá sozinho? Vem
sentar com a gente'. Tava ele com a mulher, Patrícia. Tinha outra mulher de
costas que eu não sabia quem era. Quando sentei, era ela. 'Oi, ministra.
Tudo bom?. 'Tudo bom'. Aí me convidou para o aniversário dela que seria dois
dias depois na casa de uma cara que era um puta amigo meu, o Luís Afonso
Otero, que eu não sabia que era primo dela. Fui ao aniversário, dança,
aquele papo, dei um quadro meu pra ela... daí a pouco a gente tava
namorando. Mas aí pintou o livro dela. Falei: 'O livro é o desastre da sua
vida. Corte esse livro'. 'Não. O povo quer uma satisfação'. 'Não quer, não.
O povo não quer satisfação nenhuma. Você está querendo tirar uma forra do
Bernardo Cabral. É outro papo. E esse livro vai ser o seguinte: você vai
abrir a tampa da cacimba e todo mundo vai ter o direito de meter a latinha
lá dentro e tirar uma água. Você não faz idéia do desastre que vai ser pra
sua vida este livro'. Nós estávamos namorando há uns dez dias. Aí, um dia,
tô sentando no sofá da casa dela, em São Paulo, e lá estavam o Fernando
Sabino, a Lígia, mulher dele, e ela, discutindo aonde seria o lançamento em
São Paulo. A Lígia falou: 'Chico, você aí tão afastado, o que acha? Onde
deve ser lançado o livro?. 'No cemitério do Araçá. Defronte ao cruzeiro, já
enterra ali mesmo e pronto'. Fernando parou de falar comigo. Saiu o livro.
Quase que vou eu também. Quase que vou eu também.
OP- Por quê?
CA- Ela rodou e eu só não rodei porque tinha muito cimento
embaixo de mim, da minha profissão, senão eu também dançava. Hoje, em 2004,
ela vem aí com meus filhos, entra numa churrascaria, começa o zum-zum-zum.
Já imaginou na segunda semana de lançamento o livro? O Bernardo Cabral
estava em último no Amazonas, depois do livro ele se elegeu. Passou a ser o
machão, porque largou aquela lá em Paris, sozinha, e veio embora. Entendeu?
O povo fica esperando só uma. Antes do livro foi feita uma pesquisa pelo
Ibope perguntando em quem você votaria pra presidente. Sarney teve 27%, ela
26%. Mas isso foi um trabalho do professor Raymundo. Quando ela pediu
demissão que levei na Escolinha, ela saiu no colo do povo. Depois do livro,
outra pesquisa. Sarney, 29%. Ela, 0,02%. O livro acabou com ela. Depois
dele, ainda sofri um acidente, fiquei com uma paralisia facial, sem poder
trabalhar e fui morar na América. Lá me separei. Não tinha mais saco.
OP- Mas você quer dizer que a grande massa teve acesso aos
livros?
CA- Não. Mas os jornais pinçaram o que havia de ruim no livro,
fizeram reportagens sobre aquilo e pronto. O livro vendeu bem. Fernando
Sabino ganhou 500 mil dólares por ele. Mas nunca mais vendeu um, né? Também
tem isso, tinha que pagar. Ela, nada. A sorte dela maior foi essa. Só não
virou Simonal porque não ganhou nenhum tostão. Mas ele tentou dar dez mil
reais a ela. Só que queria um recibo, pra botar em um quadro, queria mostrar
que ela recebeu. Aí estava frita, não tinha escapatória. Disse: 'Propõe a
ele dar para a Casa dos Artistas'. Enfim, hoje vive em paz com meus dois
filhos na América. Vitória, que vai fazer 10 anos e Rodrigo, tem 12.
OP- Você está preparando algum novo livro?
CA- Livro, tirando o Paulo Coelho, também não rende, vende
quatro edições, coisa de 12 mil livros. Um livro que faço para os Estados
Unidos, se fracassar, vende 80 mil. Porque são 80 mil pontos de venda. Se
vender um em cada ponto, já vendeu 80 mil. Por isso, atualmente estou
escrevendo para os Estados Unidos. Eu e meu irmão Elano escrevemos um livro
a quatro mãos. Chama-se O Dia em que Mataram o Presidente, de
Oliver Delano (pseudônimo dos irmãos Chico Anysio e Elano Paula).
Escrevemos livros para os ingleses e os americanos. Uns são mais pesados,
outros são policiais, livrinho de bolso.
OP- Elano me contou que os livros rendem roteiros para filmes
e vice-versa. Você continua escrevendo para cinema? Como estão os projetos
nessa área?
CA- Meus roteiros, hoje, também escrevo para a América. Aqui
vão me oferecer cinco mil reais por um roteiro, dez mil no máximo. Na
América vendo por cem mil dólares. Já vendi três e tenho mais 32 aí, é a
herança que deixo para os meus filhos. O Frade vendi para o
Hugh Hudson, que fez Carruagens de Fogo, um filme que se passa
no norte da Irlanda, numa vila de pescadores, bonito o filme, acho difícil
não ser candidato para algum Oscar. E é um libelo contra a guerra religiosa
do IRA. Vendi um para a Gold Hall, através de um budista amigo meu e vendi
um para o Michael J. Fox que não vai poder ser filmado, porque ele está com
Alzhaimer, não pode mais trabalhar. E meu agente morreu. Aqui, o que me
fizeram com Tieta (filme de Cacá Diegues, onde Chico
Anysio vive o cel. Esteves) é um absurdo. O combinado seria dois por
cento do bruto. Tinha ganho dez pra fazer o filme, mas tive que pagar táxi
aéreo porque no dia da gravação havia uma exposição minha em Vitória. Paguei
4 mil, sobraram seis. Aí tô ouvindo papo: 'Em Madri arrebentou, ficou duas
semanas; em Paris foi um sucesso, tá na quarta semana; em Hamburgo
arrebentou e sucesso e sucesso e sucesso'. Liguei pra saber de meus dois por
cento: 'Você está devendo R$ 1.347,00'. Você acredita? Aí liguei pra Marília
(Marília Pêra, que também atuou em Tieta): 'Marília, você está
frita! Porque eu ganho dois por cento e tô devendo R$ 1.300,00, você que
ganha três deve tá devendo uns seis'. Aqui a coisa é muito roubada pelo
exibidor. O Cacá Diegues botou na porta do cinema Leblon um cara de duas às
dez da noite. Todas as sessões foram lotadas. Mas a bilheteria deu como se
tivesse vendido 26 ingressos naquele dia. Você veja que o roubo não é
pequeno.
OP- Você já foi recordista de público na época da chanchada
com seus filmes, não é?
CA- Escrevi 18 chanchadas naquele tempo do Zé Trindade e
Oscarito. Tudo o que é recorde no cinema eu tenho. Baronesa Transviada,
Aguenta o Rojão, Minha Sogra é da Polícia,
Batedor de Carteiras, Pequeno por Fora,
Cacareco vem aí, Alegria de Viver, Sinfonia
Carioca, Rio Fantasia, Eu sou o Tal,
Colégio de Brotos, Camelô da Rua Larga,
Marido de Mulher Boa... Tudo porrada. Um batia o recorde do outro.
Cinema é um troço interessantíssimo. Mas no Brasil...
OP- Você contracenou com Oscarito?
CA- Sim, escrevi muito pra ele. Escrevi para o teatro de
revista, para a televisão e para o cinema. Na televisão ele não deu certo,
porque não decorava. Oscarito... (ri) Era assim (fecha a
mão). Só o Golias era mais do que ele. Mas sempre respeitei muito o
Oscar, apesar de achá-lo over. Ele era lenha. Entrou filme dele, aquilo
era... Nem Mazaroppi. Porque Mazaroppi era em São Paulo e no interior.
Oscarito era no Brasil inteiro. O mesmo sucesso que fazia no cinema no Rio
de Janeiro fazia no cinema de Altamira, no Paraná. Era geral. Pessoalmente,
chato, insuportável, besta. Nunca falava mal de ninguém, mas nunca elogiava
ninguém. O máximo era: 'Fulano tem coisas boas'. Mas respeitava os roteiros
e morreu encantado comigo, dizia para o Manga que eu era uma sumidade. Era
hipocondríaco. Saía do estúdio à noite, ia na farmácia e dizia: 'O que tem
de novidade aí? (ri). Muito perfeccionista. Tinha que fingir
que falava árabe numa cena, então foi à embaixada. Pegou frases em árabe pra
dizer, porque alguém da platéia poderia entender árabe. Tinha um papel de
entregador de tinturaria, ficou ali perto das tinturarias dias e comprou um
terno do cara porque aquela era a roupa perfeita, original. Divertiu quatro
gerações sozinho. Chega, né? Vou pegar meu almoço. Quero ver a final do jogo
do Brasil.
OP- Vamos só falar sobre o artista plástico, que inclusive vai
estar expondo em Fortaleza, no Centro Cultural Oboé, ao longo do mês de
junho... Você é autodidata?
CA- Tive um professor, Roberto de Souza. Já pintei umas três
mil marinhas. Aí fiquei cheio. Céu, mar, areia, pedra, casa, barco, não sai
disso. José Ricardo Lima foi meu professor de história da arte e sugeriu:
'Por que você não pinta fauve? Daí estudei o fauvismo, escola criada por
Matisse na França. Não tenho compromisso nenhum com a realidade e sim com a
cor, a forma e a pincelada. É isso que estou fazendo agora. Pintava quadros
pequenos, passei a pintar quadros grandes. Gostei muito e me dei bem. O
fauvismo deu início à escola alemã do expressionismo. Acho que é para lá que
eu caminho. Faz cinco meses que não pinto porque não tinha mais aonde
guardar quadro e ninguém está vendendo no país. Vendi muito já. E pintar
para guardar é desagradável. (Apontando para os quadros que tomam
conta das parede do ateliê) Ali é uma cidade fantasma dos Estados
Unidos, ali é na Grécia, aquilo lá é na Irlanda, aquilo na Escócia... Risco
primeiro pela foto. Mas estou meio parado. Tentei colocar na abertura do
Fantástico, a Marluce (Dias da Silva, ex diretora de núcleo
da Rede Globo) topou primeiro, mas depois o diretor voltou atrás. Já
comprei muito também, hoje não mais. Manoel Santiago, Silvio Pinto, Oswaldo
Teixeira, Aldemir Martins. Convivi com Romanelli, Di Cavalcanti, Roberto de
Sousa. A pintura é uma janela que abro na parede. Mas não suporto pintura
moderna, surrealista. Gosto do mais próximo da realidade possível. Silvio
Pinto me fez um elogio que não esqueço: 'Você já é um dos dez melhores
marinhistas do Brasil'. Depois do Pancetti, ele foi o maior de todos. Eram
amigos, inclusive, moraram juntos.
OP- Quem da área você conheceu?
CA- Conheci Portinari, Di morava no Catete, eu também, ele
falava com a gente. Não era comum os artistas falarem com meninos. Eu me
penitencio porque ele insistia muito: 'Vai lá no meu ateliê que quero pintar
você'. Não fui nunca. Não sabia a importância daquilo na época.
OP- Só para terminar. Como está sua rotina hoje?
CA- Gravo um quadro do Azambuja por semana (exibido no
programa Zorra Total, aos sábados, pela Rede Globo). Felizmente,
tenho meus cavalos de corrida, são meus companheiros. Tenho cavalo desde 70
e pouco. Quando tinha 12, 13 anos era um apostador. Hoje não aposto mais.
Hoje tenho 40 e poucos cavalos. Todos puro-sangue inglês. Não tem aquelas
portas de castelos enormes, pesadíssimas, mas que você empurra com um dedo e
elas abrem, de tão bem equilibradas? O cavalo me lembra aquilo, a perfeição.
Gosto muito, converso com eles. Minha estrela é Miss Valentina. Poderia
vender por 300 mil dólares, mas não vou vender, vou mandar pra América e ela
vai correr pra mim. Na areia é muito difícil de ser derrotada.
OP- Como está se sentindo no Zorra Total com o
Azambuja?
CA- No Zorra..., não era pra ser o Azambuja só,
era pra ser toda semana um. Mas o Maurício Sherman quis assim.
OP- E a Escolinha do Professor Raimundo, tem
chance de voltar?
CA/i>- Evito sair de casa pra não ter que responder a isso. É a
pergunta que mais ouço. O Professor Raymundo foi o único que não perdia para
Pantanal, da Manchete. Tudo da Globo perdia. Isso mostrou que
renderia um programa independente. Saiu do Chico Anysio Show e foi
lançado às cinco e meia, de segunda a sexta. Deu um ibope surpreendente para
aquele horário e os comerciais passaram a ser vendidos pelo preço de sete da
noite, horário nobre. E ficou uns dois ou três anos arrebentando, até que
quiseram tirar, não sei por quê. Sempre querem tirar. Puseram Malhação
no lugar. Quando voltei, me puseram às cinco. Falei: 'Não me põe às
cinco que essa hora o aluno ainda não chegou do colégio e o pessoal da
Malhação não importa se é cinco ou cinco e meia'. Deixaram às cinco. Mas
mesmo às cinco foi ganhando. Perdeu um dia. Nesse dia tiraram do ar. Pra
mim, particularmente, o programa nem é legal. Porque faço escada. Não
brilho. Faço com que os outros brilhem. Mas tenho um carinho grande pelo
número de artistas que lançou, a começar de Zilda Cardoso, Mussum, Zacarias,
Geraldo Alves, Ary Leite, você vem mais cá aí tem Castrinho, Nerso da
Capitinga, Cláudia Jimenez, Cláudia Rodrigues, Tom Cavalcante, Heloísa
Perrisé, Meirinha, João Neto, João Cláudio, no Piauí. Por mim, o Professor
Raymundo entraria abrindo o Zorra... 20 minutos de Escolinha...
e aí entra a festa. Nesses 20 minutos ele daria 40 pontos. Isso não
custa um tostão, porque todo mundo da Escolinha está na Zorra.
OP- E por que não acontece?
CA- Porque não é idéia do Maurício Sherman e ele não quer pôr. Ganha
o salário de acordo com o ibope. Mesmo assim não quer, só pela vaidade de
não ser dele. Mas agora já perdi a paciência... se eu batalhar para a
Escolinha ir domingo antes do Faustão, a Globo não tem como botar no ar
porque vai ter que pagar o cachê de todo mundo. Escrevo o quadro do Azambuja
só. Mas nem vejo. Odeio. O humor permite o exagero, mas esse exagero tem um
limite, porque se passar daqui fica idiota, ruim, mentiroso. Você não pode
admitir um porteiro como o Tom estar vestido naquele quadro daquele jeito.
Então aquilo ali é uma coisa extrapolada. Porque não é a roupa quem tem que
fazer graça, é o Tom. Aí vem o quadro com a moça da toalha. Um dia, em
Fortaleza, havia umas 20 pessoas em um restaurante e eu falei: 'Queria que
todos vissem esse quadro que quero fazer uma pergunta depois'. Um senhor lá
falou: 'Ela mexeu 16 vezes na toalha'. 'Não é isso. Quero saber o que o
rapaz falou'. 'Ninguém sabia'. 'Então agora me digam uma frase qualquer que
ele tenha dito, serve o bordão'. Ninguém sabia. Por quê? Porque o quadro não
é ouvido, é visto, então não é um quadro de humor, mas de sacanagem. Não
precisa gravar, já tá pronto. Pra quê? Pra mulher ficar de calcinha e sutiã.
Que é isso, não existe! É uma coisa tão absurda todo mundo de smooking numa
festa e alguém de biquíni. O meu humor é social, nunca joguei bolo na cara
de ninguém nem deixei ninguém cair do sofá. Eu faço a crítica, a sátira. Não
existe um filho viado chegar pro pai e dizer (afinando a voz e entortando
a munheca): 'Paaapy, como você tá, paaappy?. E o pai não sabe que o
filho é viado? Que é isso? Tá errado. O filho tinha que chegar sério e de
repente dar uma desmunhecada rápida. Não pode chegar vestido de saia.
OP- Você transmite essas queixas ao vivo e em cores para a direção da
Rede Globo?
CA- Falo pra todo mundo, pro João Roberto Marinho inclusive. Mas
talvez achem que estou com inveja. Não tenho inveja de ninguém. Se eu
tivesse inveja de alguém não ia querer que a Escolinha... voltasse.
Se na Escolinha ... só faço dar força pra que outros apareçam... Na
Globo, hoje em dia, não tem uma pessoa que mande. Toda emissora que eu
trabalhei tinha um cara, aquele com voz. Isso pós-Marluce. Ela saiu e entrou
o Otávio Florisval que é omisso, não aparece. Se eu tiver uma idéia hoje não
sei pra quem apresentar. Em 1947, nós que éramos redatores do rádio
resolvemos que o humor do Brasil seria feito através de quadros e
personagens que se repetiam semanalmente. E criamos esse tipo de humor, que
pode ser feito de várias maneiras e não se pode chamá-lo de novo ou velho,
você pode dizer que é engraçado ou sem graça. Não sei o que você diria se
alguém dissesse que o Charles Chaplin está lá fora e quer trazer o Carlitos
de volta.
OP- Eu estenderia um tapete vermelho.
CA- Pois hoje, diriam: 'Manda embora, só quero agora o pessoal do
Guel Arraes (diretor de núcleo da Rede Globo). O Belo e as Feras,
que dava um bom ibope, saiu do ar de um dia pro outro e não sei por quê. A
Escolinha... saiu em dezembro de 2002 e eu também não sei por quê. Há
coisas na Globo que não compreendo. Levei uma suspensão de três meses porque
falei que tinha saudade do Boni. Foi chato. Acho que o Érico Magalhães
deveria ser o diretor-geral da Rede Globo, já que a Marluce não pode. Para o
bem de todos os artistas da casa.
OP- Quais as suas bolas foras nesses anos de trabalho?
CA- Tive várias. Mas procurei solução. Pus Estados Anysius de
Chico City e o público não entendeu do que eu estava falando. A visita
do FMI, o perigo da inflação e o povo não sabe o que é isso. O povo não sabe
nada. Nada... O ibope caía semanalmente. Fui ao Boni - tinha a quem ir - e
disse: 'Me dá quatro programas que eu vou voltar a fazer quadros e vou estar
com 45 no ibope'. Deu 58. Você tem que amarrar o burro onde o dono dele
quer. Eu trabalho para as classes C, D e E. Nunca me interessou o que as
classes A e B acham do meu trabalho. Trabalho pra gente pobre, que só tem
isso como diversão.
OP- Você assiste aos programas humorísticos da casa?
CA- Não vejo. Vi um da Heloísa Perrisé (Sob Nova Direção, exibido
aos domingos na Rede Globo), mãe da minha neta, filha do Lug, que me
pediu. Casseta & Planeta vejo uns pedacinhos, gosto deles. Fui ver
Os Normais, vi duas vezes e dei azar. Num episódio, ela estava chupando
o Luís Fernando Guimarães, noutro estava no vaso sanitário se limpando.
Achei isso tão... Isso é um desrespeito a uma atriz, ao público, não se põe
no ar algo assim. Mas se eles acham que é o humor novo, calo minha boca. Até
mandei um e-mail para o Guel Arraes pedindo uma chance para renovar meu
contrato. É ele quem manda na Globo hoje. Mas já renovei-o até 2009. Então
fico calado aqui. Tenho 14 projetos para apresentar à Globo. Mas não me
preocupo mais com isso.
A reportagem tentou ouvir Maurício Sherman, diretor do programa Zorra
Total, e Guel Arraes, diretor de núcelo da Rede Globo, mas até o fechamento
desta edição não obteve resposta
OPINIÃO
''Chico chegou a escrever os diálogos para um filme do Renato Aragão que
dirigi, O Cangaceiro Trapalhão e fui eu quem deu a idéia de adapatar o livro
Negro Léo para a televisão. Dei para o Paulo Ubiratan dirigir. A idéia da
câmera ponto-de-vista é minha, que logicamente roubei de alguém''.
Daniel Filho, diretor de televisão e cinema.
''Roteirizei, junto com Chico e Zelito Viana, seu irmão, o filme O Doce
Esporte do Sexo. Durante as gravações, na Praça Mauá, apareceu um cara,
um malandro, me pedindo dez cruzeiros. Ouvi aquela voz e chamei o Chico, que
gravou e usou no Azambuja. Com o Chico letrista, minha primeira parceria foi
a música ''O Jornal'', que fizemos para o Festival da Excelsior, em 1968,
posteriormente gravada pelo Quarteto em Cy. Mas a dupla Baiano e os Novos
Caetanos é que arrebentou. Gravamos quatro discos, o primeiro em 1974 e a
idéia veio da indignação que sentimos quando lemos um artigo do Caetano
Veloso, que estava em Londres, exilado. Achamos uma sacanagem e criamos os
personagens, justamente para manter ele e Gil vivos na memória nacional:
Chico, o Baiano, proibido de falar, só dizia: 'Paulinho falou, Paulinho é
quem sabe...'. Eu fazia o Paulinho Boca de Profeta, crooner, violão do lado.
'Vô Batê pá tu' nada mais era do que uma gíria da época: 'Vô batê pá tua
patota'. Vendeu mais de um milhão de cópias e até em versão rap já foi
gravada''. Arnaud Rodrigues, ator, compositor e roteirista.
''Sou fia de Chico Brito,
pai de oito fio maior
Nascida em Baturité
criada a carne de só.
Sete home e eu muié
oito fio pra criar.
Sete home pra peixeira
e a muié pra se casar.
(Trecho de 'A fia de Chico Brito', letra de Chico Anysio, gravada por
Dolores Duran e Elis Regina)
''Roberto Menescal me apresentou a Chico Anysio. Então gravei Rio Antigo,
letra dele e música de Nonato Buzar, que é maranhense como eu. Um casamento
perfeito, um estrondoso sucesso. Outro presente que ganhei foi um quadro
pintado por ele no meu aniversário. Quem pode querer mais?''.
Alcione, cantora.
''Se Chico Anysio não tivesse feito mais nada além da música ''Rancho da
Praça XXI'', campeã do carnaval do IV Centenário do Rio de Janeiro, gravada
por Dalva de Oliveira e musicada por José Roberto Kelly, já seria demais.
Sou compositora mas nunca vi ninguém escrever letras tão rapidamente como
ele. É capaz de compor só com a idéia da música na cabeça. Tem a ver com a
cultura fantástica que tem. É um homem que lê muito, discute sobre todos os
assuntos com inteligência''.
Sara Benchimol, compositora, parceira de Chico Anysio.
''Foi Cininha de Paula, sobrinha de Chico, quem foi ver um show meu por
acaso, onde ficou conhecendo a história de eu ter alugado o Canecão há 20
anos para realizar o sonho de cantar. Ficou emocionada e falou com o tio que
ele precisava me conhecer. Na semana seguinte, eu estava no programa com o
Alberto Roberto. Ele dizendo: 'Você é o famoso quem?'. E eu: 'Elymar
Santos'. Respondeu, já me olhando com desprezo: 'Se eli mar, eu, oceano'.
Morri de rir com o trocadilho e a partir dali fomos nos aproximando,
admirando a fibra um do outro. Ele apresentou o meu show de dez anos de
carreira e agora está dirigindo o alusivo aos 20 anos. Para mim é uma
honra''.
Elymar Santos, cantor.
''Conheci Chico Anysio na década de 60, na TV Rio. Já era seu admirador como
redator de rádio. Em 1980, fui para a Globo dirigir o programa do Jô Soares.
Ele me puxou para o elenco da Escolinha..., ao mesmo tempo em que
dirigia Chico Anysio Show. Meu personagem era o Pedro Pedreira, que
dizia: 'Não viaja na maionese'. Mas uma dobradinha inesquecível era o ''Só
tem tan-tan'', dois malucos, mas um médico e um paciente. Às vezes a gente
saía do texto, ele dava a minha fala, eu a dele e o público sequer percebia,
de tão nonsense. Dirigir o Chico é fácil. Basta ficar assistindo e agindo
como guarda de trânsito, para ele não trombar com os outros atores. Só deu
trabalho no dia em que caiu de queixo na piscina, teve paralisia facial.
Queria voltar uma semana depois de qualquer maneira para trabalhar e não
dava. Suspendemos o programa e quando voltou já foi para participar do
Zorra Total''.
Francisco Millani, ator, diretor.
''Meu pai deve entrar para o Livro dos Recordes. Eu Conto, vocês
cantam, show com o qual estamos em turnê pelo Brasil, é o de número
10.050. Um cara que criou 453 personagens deve ser mundialmente reconhecido.
Sim, porque 209 foram só os que ele intepretou, mas quando criou o Azambuja,
fez o Linguiça; quando criou o Tavares, fez a Biscoito; e por aí vai. Os
tipos dele nunca nascem sozinhos. Não conheço fenômeno parecido''.
André Lucas, filho e personal manager.
(© NoOlhar.com.br)
Sob o signo de áries
A partir de 1948, locutor, narrador, galã
de novelas de rádio, comentarista esportivo, ator característico, novelista,
redator, escritor, letrista, pintor
Ethel de Paula
da Redação
Foi vapt-vupt. Porque já rompia a madrugada quando, em 12 de abril de
1931, Elano, o primogênito do casal Oliveira Paula, recebeu ordens expressas
do pai para correr à cidade e chamar ao Sítio Ipu o médico João Augusto
Bezerra. Da ponte para o terreiro que levava ao canavial de caminhos
tortuosos até a praça principal eram 500 metros. ''Quinhentos infinitos
metros'' bravamente vencidos pelo mensageiro de oito anos de idade com
assumida paúra de alma de outro mundo. Falou mais alto a iminente e
aguardada chegada do irmão, quinto da ninhada de seis de dona Haidée, que
perdera o segundo com um mês de vida. ''Eu assobiava para espantar as
visagens, tinha que enfrentar o breu e ser rápido. Hoje, me orgulho muito de
tê-lo ajudado a vir ao mundo'', derrete-se o engenheiro aposentado,
anunciador e testemunha ocular do nascimento de Francisco Anysio de Oliveira
Paula Filho, cearense de Maranguape, como ele.
Em casa, o recém-chegado virou
Oliveirinha, diminutivo do sobrenome pelo qual o pai, um respeitado coronel
sem patente, era chamado. ''O primeiro trabalho do meu pai, que eu lembro,
era botar luz em Maranguape. Ligava o motor às seis da tarde e desligava às
dez da noite. Quando o progresso chegou, foi ser corretor de seguros e
depois abraçou outra profissão, a de construção de barragens de açudes. Eu o
acompanhava nas viagens. Ele transportava argila, terra, barro e tinha uns
dez caminhões. Foi aí que teve a idéia de fazer carroceria de ônibus e
montar uma empresa. Fez de forma diferente, com assento de veludo, rádio. Os
carros chamavam atenção, revolucionaram. Isso nos deixou numa condição
financeira de quase-ricos'', recorda Elano. ''Chico me disse inclusive que
chegou a sonhar em ser trocador de ônibus'', segreda, rindo-se, a irmã
atriz, Lupe Gigliotti, 77.
Entre prodígio e
tinhoso, cedo casou sílabas e números. ''Ele praticamente se
auto-alfabetizou quando papai disse que não o levaria na viagem a Fortaleza
porque não sabia ler. Começou a perguntar uma coisa pra mim, outra pro
Elano, outra pra Lília, nossa outra irmã, já falecida, e, de repente, na
véspera da partida, disse: 'Eu sei ler'. Papai fez o teste e todos ficaram
boquiabertos porque era muito pequeno'', conta Lupe. Antes de frequentar
escola, surpreenderia uma segunda vez, entendendo por si só a lógica da
centena de milhar. ''Ele dizia cinquenta e quatro mil, trezentos e noventa e
quatro, sem saber escrever o um ou o dois. E ninguém ensinou. Os ônibus
tinham uns números e eram tratados assim: o 38, o 47, o 52. Ele foi ouvindo
e aprendendo'', credita Elano.
Maranguape fica para trás em 1936,
quando os Oliveira Paula mudam-se para Fortaleza, residindo confortavelmente
no bairro Benfica. Época em que o coronel Oliveira, como presidente do Ceará
Sporting Clube, levava os filhos aos jogos e dava-se ao luxo de ceder o
sítio para a concentração do time. ''Vem daí a paixão do Chico por futebol,
apesar de ele ter sido do contra, torcendo Ferroviário. Familiarizou-se tão
cedo com o assunto que, aos 17 anos, antes mesmo de ser ator e humorista,
foi comentarista esportivo'', sustenta Elano. Na nova morada, nasceu o
caçula, Zelito, cercado de riso e erudição. ''Nossa casa era, a um só tempo,
clube. Havia sarau de poesia, a gente lia Menotti del Picchia, J.G. de
Araújo Jorge. Todo sábado fazíamos festa. Lembro também do Chico contando
piada durante as refeições e imitando as visitas quando elas saíam. Acho que
isso vem do papai. Porque a mamãe era muito delicada, sensível, tocava
piano, compunha. E papai tinha uma veia satírica'', remonta Lupe.
O futuro profissional
da família, no entanto, não desponta no Ceará. Após um inesperado incêndio
na empresa de ônibus do patriarca, o destino foi o Rio de Janeiro. ''Veio a
bancarrota, acordamos pobres. Eu sou o primeiro que chega ao Rio, no início
de 1939. Em 1940, vem minha mãe com os demais. Nos instalamos numa pensão,
meu pai foi para o Maranhão fazer estrada e mandar dinheiro. Lá, acabou
constituindo nova família'', detalha Elano. Até onde pôde, a mãe provedora,
cinco filhos nas costas, educou com rédea curta. ''Chico sempre deu trabalho
para estudar e lembro de um dia em que estava no cinema com mamãe, naquela
sessão Passatempo, quando aparece na tela a final do campeonato de botão
carioca. E o ganhador era simplesmente o Chico. Foi aí que ela descobriu,
irada, que ele estava matando aula'', gargalha o irmão cineasta, Zelito.
Debandadas que acabaram por render biscates. Apoiado pela irmã Lília, fã
confessa, Chico virou freguês de programa de calouros, imitando
personalidades do rádio da época. Com o primeiro prêmio em dinheiro, comprou
uma bicicleta para o caçula.
''Aos 17 anos ele já era redator e
ator radiofônico, além de locutor. Teve que parar de estudar, mas estava
ganhando bem. A mamãe acabou entendendo'', contemporiza Zelito. O irmão que,
a partir de 1948, emplacou carreira no rádio e na televisão como ator e
comediante, criando nada menos do que 209 tipos, também salvou, sem querer,
a pele do cineasta intelectual e engajado, às voltas com imagens avessas à
ditadura militar. ''O nome Chico Anysio me tirou da cadeia duas vezes. Numa
delas estava gravando Morte e Vida Severina, em Recife. Quando
o cara do DOPS descobriu que o autor do Professor Raymundo, do Coalhada e do
Alberto Roberto era meu irmão, aliviou a minha barra e pediu apenas para ele
tirar do ar aquele personagem chamado Esquerdinha'', diverte-se.
(© NoOlhar.com.br)
Calado!
Estréia muda. Nervoso, Chico Anysio travou
ao tentar emitir, oficialmente, sua ''fala'' inaugural na Rádio Guanabara.
Não esmoreceu. E emplacou o primeiro de seus 209 tipos na Mayrink Veiga, em
1950
As
privações de ordem financeira deram cabo da timidez. Frangote no Rio de
Janeiro do final da década de 1940, Chico Anysio vislumbrou nos disputados
programas de calouros a alternativa possível de renda informal. A irmã Lília
deu corda, confiante no poder da graça de suas imitações, que tinham como
alvo locutores e atores da época. De fato, o irmão levava todos os prêmios
em dinheiro, a ponto de, a certa altura, só poder competir em São Paulo.
Descolado, foi fácil enfrentar, quase que por acaso, a primeira triagem para
ingressar profissionalmente na Rádio Guanabara. ''Eu estava indo com um
amigo fazer teste para radioteatro quando Chico chegou em casa atrás de um
tênis. O jogo de futebol havia sido transferido para um campo onde não se
podia jogar descalço, veja só... Aí o convenci a ir comigo tentar uma vaga.
Ele foi e nós dois passamos. Chico tirou segundo lugar como locutor e sétimo
como rádio-ator, entre 25, incluindo nesse time feras como Beatriz Segall.
Estava finalmente empregado'', conta a irmã Lupe Gigliotti.
Se passar pela peneira foi moleza,
não tardaram os tropeços iniciais. A estréia oficial do rádio-ator Chico
Anysio, ao lado de ninguém menos do que Fernanda Montenegro, findou
desastrosa. Nervoso, o iniciante emudeceu diante da única fala: ''Angelina,
como demoras!'. ''Eu era o narrador do programa No Reino da Juventude,
percebi que não conseguiria falar e salvei-lhe a pele. Falei por ele e
brincamos, dizendo que havia inventado a dublagem naquele momento'', conta o
veterano ator e amigo de juventude, José Vasconcellos. A falha, perdoada,
repetiu-se. O irmão Elano Paula, outro que fez parte do cast da Guanabara,
lembra do dia em que Chico encarnou um carcereiro em colóquio com a
visitante do presídio: ''Ele diria uma única frase: 'A senhora tem meia
hora'. Treinou várias inflexões, repetiu à exaustão, mas, na hora agá,
saiu-se com 'Tem meia senhora aí?', entrega, às gargalhadas.
A fama de imitador
correu pelos corredores da rádio bem na hora em que a Guanabara optou por
investir em programas humorísticos. Assim, o galã passou a redator e diretor
de nomes como Grande Othelo e Chocolate. Só alegria até que... Adhemar de
Barros compra a emissora para utilizá-la em sua campanha política,
descaracterizando-a. Os profissionais perderam espaço. Justamente quando
Elano é convidado a integrar, como diretor, o cast da então promissora
Mayrink Veiga. Leva Chico consigo. Mas o acúmulo de trabalho e
desentendimentos internos fazem o irmão ser demitido pela primeira vez. Após
uma temporada na Rádio Clube de Pernambuco, volta ao Rio novamente como
mayrinkiano graças ao convite de Haroldo Barbosa, respeitado radialista que
ouvira falar no potencial do jovem cearense. Lá, o iniciante conhece, no
topo da fama, a atriz Nancy Wanderley, primeira de suas seis esposas.
Estimulado por ela, apaixona-se aos poucos pela arte de representar.
''Ele defendia que atuar era uma arte
menor, o importante era ser redator humorístico. Mas todos o foram
convencendo de que era bom nas duas coisas. Foi nessa época que criou seu
primeiro e único personagem para rádio, o professor Raymundo, a pedido do
Haroldo Barbosa, que queria a voz de um velho nordestino para encerrar o
programa A Cidade se Diverte. Chico dizia: 'Vai comendo,
Raymundo. Quem mandou tu vir do norte?. Era início da década de 50 e aquilo
pegou de tal forma que ele levou o personagem para todas as emissoras pelas
quais passou, assim como para a tevê. E até hoje o 'amado mestre' está aí'',
relembra a atriz. Na Mayrink Veiga, em 1953, Chico Anysio ainda toparia com
o então contato da Lintas, agência que detinha a conta do Sabonete Lever,
patrocinadora do programa Levertimentos, escrito, em parte, por Sérgio
Porto. Antes de tornar-se o todo-poderoso da ainda inexistente Rede Globo de
Televisão, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, dividiria apartamento com Chico.
''Estávamos separados e um segurou
muito a dor de cotovelo do outro. Quando passou, a casa virou uma verdadeira
república de solteiros e eram tantas e tão coincidentes as namoradas que
tínhamos que combinar previamente os horários'', recorda, bem-humorado, o
amigo. Findava a década de 50. Gradualmente, o rádio sucumbiria à chegada da
televisão. Como profissionais, os cupinchas do Leme voltariam a se encontrar
para tomar parte na invenção coletiva da fábrica de sonhos. (Ethel de
Paula)
(© NoOlhar.com.br)
Vai comendo, Raymundo!
Para ver e ouvir. Chico Anysio estréia na
TV Rio em 1957. Com Carlos Manga, descobre o videotape. Com Daniel Filho,
lança o primeiro programa de humor totalmente gravado fora de estúdio
E a voz toma corpo, revela feições, forja personalidades em carne e osso,
mimetiza situações. Pelas mãos do radialista Haroldo Barbosa, que em 1957
escreve o programa Aí Vem Dona Isaura, para a TV Rio, o
'pupilo' Chico Anysio, já famoso no rádio por seu professor Raymundo, dá as
caras no novo meio, a televisão. Na estréia, interpreta o tio nordestino de
Ema d'Ávila, aceitando, por extensão, o convite de Maurício Sherman para
participar dos Espetáculos Tonelux, na TV Tupi, onde lança
dois outros tipos: Santelmo e seu Urubulino. Na primeira, o humor torna-se a
bola da vez graças à dobradinha Péricles do Amaral e Walter Clark, aquele
como diretor artístico, este na direção comercial. ''A TV Rio era a Globo da
época. Quem quisesse rir ligava nela. Chico escreveu Milhões de
Napoleões para o elenco da casa. Mas eu estrelei. Teve ainda Romeu e
Julieta, onde contracenava com Zé Trindade. Nesse, ele experimentou as
primeiras externas sem diálogo'', recupera a atriz e primeira esposa, Nancy
Wanderley.
A moral da TV Rio cresceu com a
contratação de um diretor de cinema para comandar um novo programa, aos
sábados. Foi Chico Anysio quem convenceu Carlos Manga a encarar a tela
pequena. ''Como cineasta, ele não estava familiarizado com o 'tempo' e a
narrativa próprias da televisão. Mas acontece que descobriu a então
inexplorada máquina de videotape. Com ela, poderia enfim trabalhar como no
cinema, editando as cenas, cortando os erros, claro que tudo manualmente,
com gilete e durex para colar quadro a quadro. Chico já tinha vários tipos
criados e a idéia dos dois foi colocá-los para contracenar entre si, algo
originalíssimo para a época'', recorda o irmão cineasta Zelito Viana.
A idéia assustou a
direção da tevê. Mas Chico e Manga uniram-se a Walter Clark numa empresa
independente que produziria o programa piloto. Nascia o Chico Anysio
Show, temático e ambientado em diferentes cenários. Primeira
locação: um shopping center. Não demorou para a TV Rio e TV Record, de São
Paulo, aderirem à novidade. ''No início dos anos 60, cheguei a dirigir o
programa do Chico depois do Manga, responsável pela fase áurea. Não havia
sessão das oito nos cinemas do Rio de Janeiro por falta de público, já que
todos estavam ligados nele. O vôo Rio-Brasília, a pedido dos deputados, foi
transferido para às dez horas. E o programa viajava numa só mala pelo Brasil
inteiro, porque não havia rede. Nunca vi sucesso igual'', sustenta o irmão
Elano Paula. Da TV Rio, que sucumbiu pós ditadura militar, Chico e Manga
seguem para a Excelsior, assim como boa parte do cast, em franca debandada.
Entre as novas contratações, Daniel Filho, diretor do filme Os
Cafajestes. À telinha, no entanto, chegou desconhecido pelas mãos de
sua então esposa, Dorinha Duval.
''Na Excelsior, Chico e Manga não só
fizeram Chico Anysio Show e O Homem e o Riso,
como entenderam que era hora de musicar os programas, lançando o Love
Street, depois rebatizado Times Square. Como eu sabia
cantar e dançar, a atriz Rose Rondelli, segunda esposa do Chico, sugeriu que
me chamassem para integrar o elenco. Mas é quando Chico leva o programa a
São Paulo, já sem Manga, então diretor artístico da emissora, que tive minha
grande chance como diretor em televisão. Manga chegou a rir com a sugestão
de Chico, eu não tinha experiência, mas o fato é que me mudei e lá, por
absoluta escassez de cenografia, criamos o primeiro programa de humor
totalmente feito em 'externa'', comemora Daniel Filho. No rol de trabalhos
memoráveis, o dia em que gravaram na concentração do Santos, cercados por
Pelé e toda a base da seleção brasileira campeã de 1962. Como argumento, o
sequestro do Rei do Futebol.
''Marcamos a data no dia em que o
Santos iria se concentrar. Mas quando chegamos não havia ninguém,
esqueceram. Eu e Chico fomos então à casa do Pelé, que morava com pai, mãe e
estava dormindo. Pois ele acordou, pegou o carro e saiu de casa em casa,
convocando a rapaziada para a gravação. Era gozado porque aonde passava
gritavam seu nome. E ele, automaticamente, dirigia com a direita e acenava
com a esquerda, conversando conosco. Só Chico conseguiria isso, com seu
prestígio'', credencia Daniel. Naquela tarde, a emoção do diretor seria
maior. ''A patota, além de craque, era presepeira. Me pegaram no golpe da
'linha de passe', aquele em que chutam de um para outro sem deixar a bola
cair no chão. Já havia acabado a gravação, eles tocando entre si, eu ali de
lado, olhando, fascinado. Quando, de repente, Pelé mandou uma bola e gritou:
'Vai, Daniel, faz essa!. Pensei: 'Meu Deus, é um momento sublime. Pelé está
gritando meu nome'. Vi Gilmar no gol, chutei com fúria e... gol. Todos
pularam em cima de mim, apertaram meu saco, me deram porrada. Era uma
pegadinha, o otário que marcasse justamente era o sacaneado'', ri-se.
De volta ao Rio de
Janeiro, a dupla ainda faria A Volta ao Mundo em 80 Shows, com
um navio como base, mas a derrocada da Excelsior, na esteira da falência do
dono, Mário Simonsen, levou Chico e Daniel para a TV Tupi. ''João Calmon
convidou Chico para a direção do Telecentro, central de shows de humor.
Dirigi o Chico Anysio Show ao vivo. Mas também fui dirigir o
programa da Bibi Ferreira e ele ficou com ciúmes, me dispensou. É assim,
irascível e adorável, estoura mas depois fica de bem... Quando saiu do
Telecentro para ficar só como ator indicou Boni para a função, que não
esquentaria lugar, aceitando o convite de Walter Clark para integrar-se à
Rede Globo'', lembra Daniel. Era final da década de 1960, a Tupi arquejava.
Mas não sucumbiria sem antes fomentar o encontro criativo de Chico Anysio e
Arnaud Rodrigues, ator e redator. ''Eu atuava e escrevia programas
humorísticos quando Chico chegou à emissora. Sonhava em trabalhar com ele.
Era carnaval quando passou dever de casa para todos os redatores. Não só fiz
como apresentei sugestões. E a partir daí ficamos escrevendo juntos o
Chico Anysio Show', gaba-se Arnaud.
Afinada e cheia de fôlego, a dupla
seguiu junta para a Record, em 1968, emplacando a Escolinha do
Professor Raymundo à tarde e escrevendo a quatro mãos Mil
Caras de Ouro e um Cara de Pau, esquetes com participação de
artistas. ''Nessa época, o programa Chico Anysio Show ganhou o
prêmio Roquette Pinto de humor. Foi quando escrevemos ''A Praça'', um quadro
onde satirizávamos a decisão de um certo coronel que modificou, para pior, o
trânsito de São Paulo. No caso, criamos uma pequena cidade onde todas as
ruas convergiam para a praça e lá os motoristas ficavam sem saída'', detalha
o co-criador de pelo menos metade dos 209 personagens do amigo cearense.
Chico e Manga também se reencontraram na emissora. Este dirigia o programa
Jovem Guarda, que lançou Roberto Carlos. Com Chico, criou
Ternurinha e Tremendão, para Erasmo Carlos e Wanderléa. Repetidos incêndios
e a asfixia de programas líderes de audiência, como Esta Noite se
Improvisa, que premiava com carros os astros vencedores - Chico foi
um deles -, carimbariam o passaporte do trio para a nova, mas ainda
incipiente, televisão de Roberto Marinho. (Ethel de Paula)
(© NoOlhar.com.br)
' 'Eu,
eu trabalho na Globo, tá legal!'
Parece lorota do Pantaleão:
Chico Anysio entra para a Rede Globo de Televisão graças a um supermercado.
Lá, junto a Arnaud Rodrigues, cria Chico City
''Não garavo''. O criador de Alberto Roberto teve seu período de
fastio da televisão. Ao longo do ano de 1968, nenhuma emissora se destacava
das demais e Chico Anysio preferiu fazer shows em teatros Brasil afora. Até
que a direção do Supermercado Disco propôs a criação de um programa para ser
veiculado na Rede Globo de Televisão, emissora inaugurada em 1965. Livre
para criar, topou. ''Foi quando nos reencontramos, eu já como diretor de
novelas. Ele me pediu ao Boni e fizemos Chico Especial. Eram cenas
improvisadas em vários lugares do Rio de Janeiro, rápidas. Foi tamanho o
sucesso que a Globo aderiu. Evoluímos então para o Chico em Quadrinhos,
programa com 50 minutos, vários personagens e pelo menos 120 piadas. Era
mais de uma piada por minuto e pouca coisa pré-escrita. É que sempre tivemos
uma sintonia muito fina em matéria de ironia'', revela Daniel Filho.
Não eram largos, porém, os primeiros
passos da Rede Globo. Chico Anysio chegou a ser dispensado: contenção de
despesas. ''No início, as coisas eram difíceis. Mas assim que tive dinheiro
liguei para ele, que estava em excursão pelo Nordeste, e disse para vir.
Sugeri que voltasse com os personagens queridos do público. Era incrível
como ele conseguia, só com a voz, revelar as características de cada um. Foi
quando criou Chico City, onde os tipos todos moravam numa mesma
cidade do interior. A partir de então, dei carta branca e sempre confiei em
decisões inovadoras como essa'', vaticina José Bonifácio Sobrinho, o Boni,
ex vice-presidente de operações das Organizações Globo. O prestígio ainda
permitiu que Chico convidasse o ator e redator Arnaud Rodrigues para juntos
escreverem o programa, em 1971. ''Chico City era governada pelo
prefeito Walfrido Canavieira, corrupto. Pantaleão encerrava o programa
contando uma mentira, confirmada por Terta, sua mulher. O afilhado, Pedro
Bó, fazia comentários vis. Foi também em Chico City que o Professor
Raymundo deixou de fazer sabatina para dar aula'', esmiuça Arnaud.
Na Globo, no entanto, não foi
via Chico City que o amado mestre primeiro arrotou sabedoria.
''Adorei receber o professor Raymundo no programa Balança mas não Cai,
do qual era diretor. Era um dos quadros. Depois eu era quem participava do
programa dele porque criou o Da Júlia, que contracenava com o glorioso
Alberto Roberto. E o nome do meu personagem foi uma homenagem à minha mãe,
Júlia. Depois disso, nos tornamos irmãos, sempre trabalhando juntos'', conta
o ator e comediante Lúcio Mauro. A quatro mãos, Chico e Arnaud ainda
escreveriam os roteiros de Linguinha, Azambuja no Fantástico, Azambuja &
Cia. Enquanto isso, Chico City crescia. Ao final da década de 70, o
diretor Carlos Manga optou por gravá-lo todo fora de estúdio. Coronel Lidu,
Profeta, Coalhada, Gastão e Nazareno tornaram a cidade ainda mais cômica.
Novo enfado. Chico City cansou a
beleza do criador. Boni entendeu, pôs um filme no lugar. Pós-hiato, Chico
retorna ladeado pelo irmão cineasta, Zelito Viana. A idéia: um programa
mensal para ele sozinho, os personagens contracenando. ''Dirigi Chico
Total e aprendi muito sobre o ator Chico Anysio, que tem uma percepção
fantástica do metiê. Ele sabe onde está a câmera, é concentrado, não gosta
de repetir quadros nem de ensaiar. O que vale é a primeira tomada, como se
depois a piada perdesse a graça. Também tem um respeito enorme pelos
personagens meio-gente, a ponto de não se deixar ver maquiar. Um dia, me deu
um esporro porque lhe dei uma bengala que não era a do Popó'', lembra o
caçula. Uma década antes, um já havia conhecido o outro como profissional.
''Chico diz que o cinema é a arte do diretor e, ele, como ator, perde o
controle sobre todas as variáveis, coisa que tem na televisão. No filme O
Doce Esporte do Sexo, de 1971, quis dirigi-lo, repetir cenas, mas era
inexperiente. Isso o chateava'', imagina.
Livre, o criador pariu todos
os tipos: o mau-caráter, o velho, o jovem, o gay, o malandro, o preto velho,
o pastor, o desempregado, o atleta, o puxa-saco... Mas se o período de
abertura política, nos anos 80, foi particularmente marcado pelo humor
social da satírica Salomé - a gaúcha que gozava do direito de telefonar para
o presidente João Figueiredo, criticando-o e afirmando a liberdade de
expressão -, a década de 1990 deve à Escolinha do Professor Raymundo
a derradeira janela por onde o Brasil, prenhe de auto-estima, brecharia as
últimas gaiatices de mestres da dramaturgia nacional, como Brandão Filho,
Grande Othelo, Zezé Macedo, Walter d'Ávilla. ''Chico provou que os veteranos
do rádio e da televisão brasileira não podiam estar encostados. Não
bastasse, desencadeou o processo de renovação de elenco do humor televisivo.
Veja que todos os que hoje brilham - Cláudia Jimenez, Cláudia Rodrigues, Tom
Cavalcante, Heloísa Perrisé - passaram primeiro pela 'escola' dele. Eram, ao
todo, mais ou menos 60 artistas. Eu e Zezé Macedo fazíamos a lista das
precisões junto aos mais velhos, cujos salários não cobriam suas despesas.
Chico nunca se recusou a ajudar'', conta a veterana Berta Loran.
Boni foi um dos que, em 1990, apostou
no potencial da Escolinha... para convertê-la em programa
independente. Não por bondade. O programa era o único que, na Rede Globo,
não perdia em audiência para a novela Pantanal, da Rede Manchete.
''Começou com sete minutos, passou para 15, 20, isso porque o ibope crescia
proporcionalmente ao concorrente. Na minha gestão, pela lógica, tornou-se
diário. Mas o fato é que a televisão brasileira tem sido injusta com seus
ídolos. Chico é um mestre atualmente mal utilizado, poderia estar
transmitindo sua experiência, descobrindo talentos, não fazendo ponta no
Zorra Total'', opina Boni. Em 2002, prestes a completar 50 anos, acabaram as
'aulas'. O diretor Daniel Filho lamenta e bate: ''O que hoje está no ar em
matéria de humor só teria a ganhar se passasse pela mão do Chico. Mas existe
uma nova televisão que fez um corte meio radical, desprezando tudo o que
havia para trás. A televisão de ouro já foi feita, tanto é que só repetem ou
partem de antigos formatos. Não haverá outro Chico Anysio, nos tornamos
clássicos em vida e por isso mesmo não estamos superados. Não passamos,
apesar do esforço de alguns para nos tirar de cena''. (Ethel de Paula)
HINO TIM TONES
''Nos portais do escurecer
Frente as trevas do pavor
Sob a luz de um bem querer
Glória ao nosso salvador
No negror da antiga era
Nasce a luz de uma quimera
GlÓria ao nosso redentor
Tim Tones ...Glória Tim Tones
Oásis nos desertos da dor
Tim Tones ... Glória Tim Tones
BonanÇa nos tempos do amor...'
(© NoOlhar.com.br)
Casadoiro e sedutor
Aos 73 anos, Chico Anysio
está no sexto casamento. Depois de três atrizes, uma cantora e uma ministra,
conheceu a fisioterapeuta malga de Paula, com quem vive hoje no Rio de
Janeiro
Fimose para lá de bem
sucedida. Operado na juventude por ninguém menos do que o cirurgião plástico
Ivo Pintanguy, Chico Anysio, casadoiro assumido, jamais perderia a piada.
''Eu era amigo de faculdade do Antônio Carlos Gigliotti, marido de Lupe,
irmã do Chico, e me aproximei da família. Operei Chico e ele criou lendas
por aí... Mas o bom é que fez muitas mulheres felizes e tenho certa
responsabilidade sobre isso. Por isso, figura entre meus casos de absoluto
sucesso'', brinca o médico. Aos 73 anos, o 'ex-paciente' está no sexto
casamento. A fisioterapeuta e hoje empresária Malga de Paula, 34, é a atual
musa. Antes dela, porém, ocuparam-lhe o lado esquerdo do peito, por ordem de
união, as atrizes Nancy Wanderley, Rose Rondelli e Alcione Mazzeo; a cantora
Regina Chaves e a ex-ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo.
Sedução com elegância. Para Alcione
Mazzeo, Chico é mestre em conquista porque usa a inteligência. ''Estava
começando como atriz e tinha sido capa de revista quando fui gravar um
quadro do Azambuja. Ele passou a me telefonar. Mas fiquei com caxumba e,
como não podia sair, passávamos horas conversando. Então começou a me mandar
os livros que tinha escrito, seus discos. Quando fiquei boa, veio na minha
casa e findamos numa padaria, comprando coisas para irmos tomar café da
manhã no jóquei, vendo o sol nascer. Depois, quis saber como era a casa dos
meus sonhos. 'De janelas brancas e portas azuis'. Alugou uma exatamente
assim, além de inventar 'o nosso dia', só para me presentear. Como resistir?
Casei em 1978, apaixonadíssima!', derrete-se a atriz que teve a honra de,
entre os tipos criados pelo ex-marido, ser a namorada do Bozó.
Regina Chaves era uma
das Frenéticas quando conheceu Chico Anysio numa convenção da gravadora de
ambos - ele gravava discos de humor à época. ''Namoramos e casamos logo e
jamais me arrependi. Ele é um marido maravilhoso, caseiro, não traz
insegurança alguma, ama estar em família, com os filhos'', garante.
Atualmente, a ex-cantora trabalha como assistente direta do ex-marido.
Também já integrou seu elenco de apoio, prendendo a língua para encarnar
Cinésia. Mas, inesquecível, para ela, foi a criação do Painho. ''Estávamos
voando para Roma e de repente ele começou a escrever, inspirado em um amigo
meu, mentor espiritual, guru e muito divertido. Dormi e ele misturou isso
com a lembrança de Sandra Gadelha, ex-mulher do Gil, que vivia cercada de
empregadas na Bahia. Quando acordei já estávamos acertando chamar Dudu
Moraes e Edir de Castro, duas Frenéticas, para serem as cunhãs'', ri-se.
Nancy Wanderley, uma das belas
atrizes do teatro de revista da década de 1950, caiu de amores dada a
insistência do iniciante Chico Anysio. ''Era quatro anos mais velha, estava
no auge, contracenando com Oscarito e Grande Othelo, mas ele só falava em
casar. Logo me levou para conhecer a família, que no início foi contra.
Ameaçou sair de casa por mim e isso tudo, somado ao seu brilhantismo
profissional, foi me cativando. Um mês antes da escolinha acabar falou em
mim como exemplo de quem deixa de fumar depois de anos. Jamais casei depois
dele, não há páreo para alguém tão sui-generis'', admite. Exuberância sempre
foi flagrante pré-requisito nas escolhas amorosas de Chico Anysio, vide a
também ex Rose Rondelli, vedete conhecida como uma das ''certinhas do
Lalau'', atualmente em viagem de férias pela Europa. Exceção à regra, a
ex-ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo, hoje morando nos Estados
Unidos, recusou-se a comentar, via e-mail, a união com o pai de seu casal de
filhos.
Na Barra da Tijuca, bairro nobre do
Rio de Janeiro, reina absoluta a atual esposa de Chico, Malga de Paula, 34.
Com total apoio do marido, a ex-cantora gaúcha deixou a carreira de lado
para tornar-se empresária. É proprietária de um spa e investe na fabricação
de alimentos dietéticos. O amor aconteceu sob a benção de Dolores Duran, in
memorian. ''Eu estava pesquisando sobre Dolores Duran, queria gravar um
disco só com músicas dela. Vi que Chico era um de seus letristas prediletos,
gravou vários baiões dele. Então vim ao Rio de Janeiro entrevistá-lo. A
conversa foi longa, eu querendo ir embora e ele puxando outros assuntos. Até
que começou a chover e me ofereceu carona, ia para o aeroporto. Foi se
arrumar, pediu para eu dobrar a manga da camisa... E fomos embora. Mas não
parou de ligar para o celular. Falou que na volta iria me buscar em Porto
Alegre. E foi. Disse: 'Vim te buscar, vamos'. E eu vim'', suspira. (EP)
SILVA
''Safadim e... Bunitim. Vamos comer uma panelada na casa do Cheroso''
''Onestado Veridiano da Silva não é mais caixeiro viajante. Já faz tempo que
saiu de Souza, na Paraíba, sua cidade natal e fixou residência em Duque de
Caxias, no estado do Rio de Janeiro. Nada tem de bonito ou charmoso; nada
tem de elegante ou atraente; não é homem de cultura, capaz de envolver uma
mulher através do que se chamava de lábia. Nada a seu favor, mas as mulheres
enlouquecem por ele. Nos tempos idos, dizia-se que as pessoas assim eram as
que tinham ''borogodó''. Pode não passar de impressão, mas a loucura das
mulheres por ele é tanta que eu estou apostando uma nota como o que o Silva
tem é o tal do borogodó''
Fonte: www.chicoanysio.com
(© NoOlhar.com.br)
Capital do humor
Maranguape,
terra-natal de Chico Anysio, arvora-se à guardiã de sua memória. Para tanto,
a prefeitura municipal, através da Fundação Viva Maranguape de Turismo,
Cultura e Esporte, firmou parceria com a A2 Comunicação & Eventos a fim de
captar recursos financeiros para a implementação do projeto Maranguape - A
Capital do Humor. O todo divide-se em três etapas: a instalação de um
memorial na casa onde o artista nasceu, reunindo um acervo interdisciplinar
relacionado à sua vida e obra; a construção da Casa do Humor, local para
formação e hospedagem de humoristas e a realização de um festival de humor.
As ações, sistêmicas e complementares, estão orçadas em R$ 400 mil, recurso
a ser captado via leis de incentivo à Cultura..
O primeiro passo já foi dado. De 2 a
4 de julho próximo, a cidade sedia o I Festival de Humor de Maranguape. Com
o tema: As Sete Artes de Chico Anysio: ator, cantor, compositor,
diretor, escritor, pintor e comediante, distribui R$ 7 mil em
prêmios nas categorias humor, cartum, charge, caricatura, quadrinhos e humor
virtual. Artistas de todo o Nordeste brasileiro já podem adquirir fichas de
inscrição na Fundação Viva Maranguape de Turismo, Cultura e Esporte (Pç
Senador Almir Pinto, s/n - Centro) ou na A2 Comunicações (av. Pontes Vieira,
301 - Joaquim Távora. Site: www.a2online.com.br. Telefones: (85)
472.5126/272.1394.
Em Fortaleza, o Escritório do Humor,
espaço para pesquisa, criação de textos, promoção de palestras, seminários e
circulação de espetáculos cômicos, conseguiu carimbar no calendário cultural
o Dia Estadual do Humor. Não à toa, 12 de abril, data de nascimento de Chico
Anysio. A lei nº 13.317 de 02 de julho de 2003, apresentada em forma de
projeto pelo deputado estadual Artur Bruno, presidente da Comissão de
Educação, Cultura e Desporto da Assembléia Legislativa do Ceará, foi
aprovada por unanimidade. Em janeiro último, na esteira do Ceará Riso Fest,
a data comemorativa veio à público oficialmente. Em sua primeira edição, o
festival de humor local serviu de vitrine para novos talentos e artistas
veteranos. Homenageado, Chico Anysio fez o show de encerramento do evento.
Para junho, o Chico pintor. Até o final do mês, no Centro Cultural Oboé, 30
telas do artista permanecem expostas. Com visitação aberta ao público. Na
av. Almirante Barroso, 734. Info.: 219.4649.
(© NoOlhar.com.br)
Alunos saudosos
Ex-alunos da extinta Escolinha do Professor Raymundo contam sobre os
personagens que lhes renderam fama e risos. Cacilda, Nerso da Capitinga,
Armando Volta, Cascatinha, Ademar Vigário
Cacilllllllllda! A língua safada da atriz Cláudia Jimenez causava alvoroço
na sala-de-aula, enrubecia o professor Raymundo, mas era o orgulho do
criador da Escolinha. ''Chico Anysio me viu no teatro e me levou para a
televisão. É o homem mais importante da minha vida, aprendi tudo com ele em
12 anos de convivência profissional. Dizia que eu era sua filha. Cacilda foi
um sucesso estrondoso, nunca pensei que aquela maluca que se vestia igual a
Xuxa pudesse render tantos comerciais e apresentações em eventos. Só dava
eu. Sabe a Juliana Paes sem precisar de bunda?', gargalha alto. O pai
postiço que vibrava na alegria também deu a mão quando preciso. ''Na época
em que tive câncer e ainda não era tão querida na Globo como sou hoje ele
foi lá em cima, falou com Boni e pediu que fosse feito tudo por mim, como,
de fato, foi'', emociona-se a gordinha sexy que também viveu Pureza, outra
criação de Chico.
Nerso por conta de quê? Porque Chico
Anysio quis assim. E o ator Pedro Bismark, recém-chegado de Juiz de Fora,
Minas Gerais, não ousaria contrariar o ídolo e mestre. ''O Nerso da
Capitinga, originalmente, era Denilso. Eu já tinha esse personagem, famoso
em Minas Gerais, e a Globo de lá conhecia quando o indicou para a Escolinha.
Nerso era irmão do Denilso. Mas Chico gostou mais de Nerso, assim como mudou
meu nome artístico também, que era Pedro Bis. Vou discutir com um pedaço de
homem bobo desse, uai?!', arremeda sua cria. Para o ator, era Chico quem
dava a temperatura do programa. ''No dia em que não estava cem por cento o
elenco também não funcionava. Para nós, não só era uma honra como
estimulante ter um escada com o potencial e a generosidade do Chico Anysio,
que segura o seu talento pra gente poder aparecer. Eu me beliscava'',
elogia.
A propaganda de uma
caderneta de poupança revelou para Chico Anysio o prodígio Davi Pinheiro, há
quase 20 anos. ''Fiz participações em vários programas seus e tive a honra
de entrar para a Escolinha no auge, início dos anos 90. Chico criou o
Armando Volta, irmão mais novo do Rolando Lero, interpretado pelo 'monstro'
Rogério Cardoso. Ele também encarnava o aluno puxa-saco. Para diferenciar um
do outro, o meu foi ficando com um visual mais carioca, bermudão colorido,
óculos escuros e, um belo dia, testei, antes da gravação, uma gíria da
época: 'Somebody Love'. Riram. Bom, representar para aquele grupo seleto de
comediantes, com o nível de exigência deles, não era fácil. Pensei: 'Vai
funcionar com o professor'. No meio do quadro, improvisei: 'Somebody Love'!
Ele apoiou a cabeça com a mão sobre a mesa, como de praxe, respirou e
repetiu: 'Somebody Love.... Corri pro abraço! Acertei!. Daí, foi só amaciar
o amado mestre com aquele presentinho e o bordão: 'Estava andando pela rua
quando me deparei com este lindo canivete. Pensei: 'por que comprar? por que
não comprar? Comprei-o-o. Aceite, é de coração'', relembra.
Castrinho estava afastado de
televisão na década de 1970 quando Chico Anysio o convidou a voltar. ''Ele
me solicitou um personagem e eu criei o Cascatinha. 'Meu garoto!. 'Meu pai,
pai!. Abria e fechava o programa comigo e aquilo significava um elogio.
Chico é o maior fenômeno de humor que conheço. Acho que devia ter um
programa para se conversar com ele, saber dos tipos, da história da
televisão brasileira, dos artistas que conheceu. Mas, hoje, não sei se o que
há é inversão de valores ou aversão a valores'', cutuca. Amigo íntimo, o
ator Lúcio Mauro usou a seu favor a vida particular do cearense de
Maranguape. Era o professor chamar seu Ademar Vigário para as intimidades do
mestre virem à tona. ''Falava do joelho inchado, da cabeça grande, da fimose
feita pelo Pitanguy, descobria com os irmãos dele a primeira prostituta com
que se meteu e ia por aí... Zélia Cardoso de Melo rendeu muita piada,
coitada. Ele morria de rir porque não sabia quem eram meus informantes'',
revela-se. (Ethel de Paula)
Conterrâneos do riso
Tom
Cavalcante, o João Canabrava. Karla Karenina, a Meirinha. João Neto, o Zé
Modesto. Cearenses que passaram pela Escolinha do Professor Raymundo contam
como conseguiram chegar até o mestre e o que aprenderam
Apadrinhamento surpresa. O então governador Ciro Gomes, fã declarado da voz
rasgada da empregada doméstica Meirinha, quis ter com Karla Karenina. ''Eu
havia entrevistado Patrícia Gomes, na época sua esposa, há pouco tempo em
meu programa na TVC. Nos bastidores, contei que ia parar e ela lamentou
porque o marido me adorava. Meses depois, ligam do Cambeba já marcando a
audiência com ele, que simplesmente pegou o telefone e discou para Chico
Anysio. Tremi. Quando me passou o telefone estava supertímida. O Ciro então
cochichou: 'Fala com a voz da Meirinha'. Eu falei. Daqui a pouco todos
estavam rindo, eu mais de nervoso, né? Chico elogiou e me pediu que mandasse
uma fita. Mandei, ainda que meio desacreditada. Um mês depois, o próprio me
liga: 'Está pronta para vir pro Rio de Janeiro?. Quase desmaio. E chegando
lá jamais consegui vê-lo apenas como colega de trabalho. Eu contracenava com
um mito, sempre, apesar do sentimento de paternidade que transmite a
todos'', confessa.
Para Karla, sobraram gozações, além
de sugestões. ''Ele encostava o ouvido nas minhas costas para identificar de
onde vinha a voz da Meirinha. Não achava que era da garganta. Também enxugou
o visual dela. Me convenceu da força da personalidade da personagem.
Portanto, não havia motivo para tanta maquiagem e aquele excesso de
figurino. Chico aposta na interpretação e rejeita o caricato, o que é uma
lição para nós'', recorda a atriz que participou por dois anos da Escolinha
do Professor Raymundo. Ao contrário da colega, João Neto topou com
Chico Anysio no melhor estilo cara-de-pau. Soube que o
ídolo estava na cidade e foi até o hotel onde estava hospedado. Na época,
fazia sucesso como entrevistador do programa Zé Modesto Dez e Meia.
A fama local chegou aos ouvidos do mestre antes dele próprio. ''Fui de book
na mão e quando cheguei lá, nervoso que só o diabo, ele falou: 'Você é o
famoso Zé Modesto?. Aí eu me senti, fui dizendo logo que redigia meus
próprios textos, que isso, que aquilo e ele calado, só olhando a marmota. De
repente, falou: 'Esse ano vou levar cinco. Já tenho um. Me mande seu
material. E foi embora'', ri-se.
No Rio de Janeiro, ao
longo de um ano como aluno da Escolinha, João aprendeu que não existe
meio-personagem. ''Ele dizia que esse negócio de 'faz aí sem figurino mesmo
ou sem maquiagem' não existe. É tudo ou nada'', reproduz. Na escola do
humor, também não era recomendável dar um passo maior do que as pernas. ''Vi
gente sendo demitida porque resolveu improvisar, cantou lá uma musiquinha
durante a gravação e ele não gostou'', afirma. Os recados cifrados faziam
sim parte do dia-a-dia da gaiata sala-de-aula. ''Quando se desentendeu com o
Tom Cavalcante vez em quando o professor Raymundo perguntava: 'Cadê o João
Canabrava? Não veio? Ah, é porque tá faturando alto...', revela.
Tom admite. Houve mesmo uma rusga.
Mas nada que maculasse a amizade de ambos, que, aliás, também começou em
forma de assédio. ''Fiquei sabendo que estaria na casa de um primo no Icaraí
e fui bater lá. O segurança quis me barrar mas ele intercedeu a meu favor e
me deixou mostrar a fita cassete onde havia gravado várias vozes que eu
fazia. Ao final, já me convidou para trabalhar com ele. Pensei que estava
tirando sarro da minha cara. Mas não. Isso foi em 1986'', recupera. Começou
atrás das câmeras: por dez anos, Tom Cavalcante foi redator dos programas de
Chico Anysio. Só então estreou, 'bêbado' e 'passando a régua', na
Escolinha do Professor Raymundo. ''Vi nascer vários tipos porque era
aquele 'mala' que penetrava nas reuniões quando deixavam a porta aberta.
Gênios como Max Nunes, Arnaud Rodrigues, Henfil e Mauro Rasi passaram por
ali. Sem falar dos inesquecíveis colegas de cena: Lúcio Mauro, o homem das
noitadas no Leblon; Zezé Macedo e seus gatos... Ah que saudade...', suspira
o hoje consagrado humorista, cujo primeiro show nacional foi dirigido por
Chico Anysio. (Ethel de Paula)
(© NoOlhar.com.br)
O humor via Maranguape
Flávia Marreiro
Especial para O POVO
Houve um tempo, ali
pelos anos 80, em que escolher entre os humorísticos Viva o Gordo
ou Chico Anysio Show era uma pendenga quase séria. Minha mãe,
mineira, preferia o Jô para implicar com meu pai, cearense de Canindé, que
até para virmos de lá a Fortaleza preferia a estrada do Maranguape (que
demora bem mais) a do Tabapuá.
Rinha doméstica à parte, ''sou mais o
Chico'' - e não só para meu pai - era a resposta natural, uma espécie de
dever cívico cearense, um índice do papel de Chico Anysio na chamada
cearensidade. Era, junto com Renato Aragão, não por acaso dois humoristas,
os nossos representantes, em horário nobre, na mídia do Sul.
Se o humor tem hoje esse espaço na
(auto) imagem cearense - está na programação turística, nas conversas das
calçadas, nesse orgulho de frescar com tudo e de se achar o povo mais gaiato
do Brasil -, parte disso se cola no sucesso televisivo de Chico e ao
empurrão que ele acabou dando à segunda onda dos humoristas cearenses, ''os
novos''.
Apesar do esforço de Chico em se
afastar de qualquer pecha de ''artista regional'' e se firmar como humorista
versátil, capaz de encarnar personagens de todos os tipos e origens (a Bahia
de ''Painho'', o Rio de Janeiro do ''Jovem''), foi a empatia de um
personagem ''cearense de Maranguape'' que ele levou por mais tempo na
carreira: o professor Raymundo Nonato.
''Vai comendo Raymundo, quem mandou
vir do Norte?', era o bordão do professor, nos primeiros tempos do rádio -
embora Chico já morasse no Rio desde criança, era chamado de ''Ceará'' pelos
amigos. Fazia todo sentido perguntar, no auge do movimento migratório
brasileiro na década de 50 e 60, quem estava mandando toda aquela leva de
''paraíbas'' para o eixo Rio-São Paulo. Nos anos 90, com menos migração,
mais integração e ditames do politicamente correto, o bordão perderia a
segunda parte.
Quando o personagem
ganhou um programa inteiro, A Escolinha do Professor Raymundo,
nos anos 90, a história do ''nortista'' letrado e mal pago, a sofrer no sul,
uma espécie de alterego de Chico, era recontada a cada vez que Ademar
Vigário (Lúcio Mauro) atribuía a ele as maiores façanhas do mundo.
O Brasil ouvia e reouvia a saga da
seca e da fuga dela, toda a valentia e sofrimento dos cearenses: tudo
obviamente e devidamente desautorizado pelo deboche.
Foi quando começaram a aportar no
programa ''os novos humoristas cearenses'', que já faziam shows em
Fortaleza.
A Escolinha... serviu
de trampolim nacional e reforçador do circuito humorístico local (como diz o
professor Gilmar de Carvalho, num outro fenômeno típico cearense: precisa
fazer sucesso no eixo para ser levado a sério no Estado).
Tom Cavalcante e Meirinha, para citar
os que passaram mais tempo no programa da Globo, mas de certa forma,
Tiririca, Falcão, Skolástica, Adamastor Pitaco e Rossicléa pegaram carona -
às vezes com a chancela, às vezes a contragosto de Chico - nessa ''via
Maranguape''.
Flávia Marreiro é jornalista, nasceu em BH mas cresceu
em Canindé. Escreveu ''Irreverência cearense: atualização e permanência'',
publicado em Bonito pra chover - ensaios sobre a cultura cearense
(Edições Demócrito Rocha, 2003). Hoje em SP, morre de saudade do
iiiih-hiiii!
(© NoOlhar.com.br)
Filhos na gaveta
Pai de oito, Chico Anysio é
família demais, apesar da própria natureza do trabalho, geradora de um tipo
de presença mais qualitativa do que quantitativa
Projetos de gente na
gaveta da mesa de trabalho, aninhados entre coeiros e chupetas. O olho do
dono ali, dividido entre a cria e o ganha-pão. Para estar perto dos filhos
enquanto trabalhava, compulsivo, ao longo de dias e noites, o ator-redator
Chico Anysio improvisou, a seu modo, o melhor berço que podia. ''Todos nós,
à exceção de Rodrigo e Vitória, os caçulas, filhos da Zélia Cardoso de Melo,
dormiram 'engavetados'. Lembro de ter visto o Cícero, seis anos mais novo do
que eu, ali, do lado do papai, quietinho. Isso me vem como um gesto de
carinho e o som da máquina de datilografia ressurge feito música para os
ouvidos, está colado na memória'', agradece Bruno Mazzeo, 27, hoje,
coincidência ou não, escriba moderno, roteirista de programas televisivos.
No rol das brincadeiras domésticas,
uma unanimidade: 'Cabecinha'. ''Era um jogo com bola dentro da piscina.
Papai mandou fazer uma trave e a gente jogava de cabeça um para o outro.
Quando lembro disso acho que uma das frases que ele mais disse na vida foi
'não corre em volta da piscina'', ri-se o filho único da atriz Alcione
Mazzeo. Nizo Neto, 40, guardou recôndita a capacidade de reinvenção e
raciocínio do pai. ''Ele gostava de uns jogos de tabuleiro, mas sempre
mudava regras, o que me parece sintomático. Nunca consegue jogar como a diz
regra, inova... Então, já mandava fazer outro tabuleiro, adaptava. Um prazer
também era ir ao jóquei, até hoje temos cavalos lá e os primeiros foram
batizados com nossos nomes: Lord Nizo, Lord Rico, Lord Bruno'', adianta a
cria do segundo casamento de Chico com a vedete Rose Rondelli.
A ausência acumulada
meses por conta de shows cômicos Brasil afora merecia compensação pelo menos
uma vez por ano. ''Sua presença era mais qualitativa do que quantitativa,
então sempre programava turnês pelo Nordeste em julho, quando os filhos
estavam de férias. Aquilo virava uma excursão, até os primos iam. Eu
adorava. Ficava brincando no camarim, ia pra mesa de som, assim como sempre
gostei muito de acompanhá-lo nas gravações, embora sempre preferisse os
bastidores da tevê'', revela Bruno. Nada de gracinhas e mungangos na
intimidade. Os números testados em casa, junto à cria, soavam menos como
piadas, mais como trabalho. ''Papai sempre foi uma pessoa séria, na dele,
mas com muito senso de humor ao mesmo tempo. Não é um cara engraçado, como
era meu avô, mas tem suas tiradas...', atesta Nizo. E presepadas. Como o dia
em que, para mexer com a filharada, chegou da Rede Globo vestido de Véio
Zuza, a cara preta. ''Mas a empregada impediu que entrasse, por não
reconhecê-lo'', recordam, aos risos.
Sucesso à parte, os filhos garantem
que Chico nunca os incentivou a seguir carreira artística, sabedor das
artimanhas do mercado. Assim mesmo, a maioria provou da fruta - ou ainda
prova, mesmo que sem tanto apetite. Nizo, que viveu seu Pitolomeu, o
sabichão da Escolinha do Professor Raimundo, é o único que ainda segue
carreira como ator de teatro e televisão. ''Já tinha feito a novela
Sinhá Moça, Casos Verdades, mas o boom de popularidade
veio ao contracenar com meu pai'', admite. Primogênito, Lug de Paula, 47,
filho único de Chico com a atriz Nancy Wanderley, chegou a emplacar dois
personagens junto ao 'amado mestre', mas optou por morar em Tocantins e
montar uma produtora. ''Calunga, o assistente de Bento Carneiro era o meu
predileto, mas o público se apaixonou mesmo foi pelo seu Boneco, que, aliás,
era um personagem que criei para brincar com meus filhos. Quando papai viu,
achou que funcionaria na tevê'', relata.
Há ainda quem tenha
ouvido tanto que se confundiu. ''Ele me dizia: estude, estude. E acho que
ouvi: estúdio, estúdio, estúdio'', pilheria, Rico Rondelli, 35, também filho
do segundo casamento de Chico, hoje diretor de imagem da Rede Globo.
''Lembro que criança fiz o Negritinho, neto do Véio Zuza, assim como quase
todos os filhos. Mas interpretar nunca foi a minha. Vibrei muito mais quando
ele me levou à cabine do Maracanã e o vi comentar o jogo ao lado de Galvão
Bueno e Pelé. Ganhei até uma bola de presente e, em meio à torcida que
assediava, fui confundido com Bebeto, o que me levou inclusive a dar
autógrafos de brincadeira. Escrevia: 'Rico'. Papai viu aquilo e perguntou:
'O Zico está aqui?. 'Não é Zico, pai, é Rico'', diverte-se.
Exceção à regra, Cícero Chaves, 21,
cria da ex-Frenética Regina Chaves, quarta esposa de Chico, preferiu a
Faculdade de Desenho Industrial à carreira artística. ''Sou avesso à mídia e
acho que a única coisa que herdei do meu pai foi o gosto pela pintura. Ele
pinta desde a década de 1980 e me estimulou a ter aulas dos 3 aos 15 anos.
Chegamos a expor juntos, mas me afastei, requer tempo'', resume. André
Lucas, 34, é o filho cármico de Chico, ''não por laço de sangue, mas por
escolha nossa''. Único autorizado a decidir sobre sua carreira e obra, imita
com perfeição as 209 vozes dos personagens do pai e é o diretor de seu mais
recente show: Eu Conto, vocês Cantam. ''Na intimidade, entre
irmãos, chegamos a fazer dez programas escritos e interpretados por nós, com
o Chico de cara limpa. Chama-se O Show é Nosso. Mas
profissionalmente comecei fazendo o filho do Tim Tones - podem correr a
sacolinha... Depois, na Escolinha..., fiz o bicheiro Aranha,
que virou motorista de táxi e, por fim, o Puliça, sucesso até hoje'',
observa o também comediante.
Do quinto casamento de Chico Anysio
com a ex-ministra Zélia Cardoso de Melo ainda vieram Rodrigo, 12 e Victória,
10. Os xodós da família moram nos Estados Unidos, mas sempre passam férias
no Brasil com o pai. ''Os dois são muito engraçados e queridos. Mesmo
morando distante, ainda podem ser contagiados pela família de artistas, sim.
É só dar tempo ao tempo'', sugere Bruno. (Ethel de Paula)
(© NoOlhar.com.br)
OPINIÃO
Marcos Palmeira:
Sobrinho tiete
''Comecei minha carreira fazendo teatro amador, mas na televisão foi com tio
Chico o meu primeiro trabalho, em 1983. Fazia o Clisares, uma bichinha,
ajudante do Painho. Ele, da minha família, foi sempre quem acreditou em mim
como ator. Meu pai demorou um pouco a acreditar. E meu tio era então a
pessoa que eu ligava para levantar algumas questões, saber quem é fulano,
como me relaciono com sicrano. Sempre fui um admirador. Lembro que ia em sua
casa e pedia para imitar pessoas. Fui o sobrinho tiete, porque meu tio é
como se fosse um segundo pai pra mim. Adorava o Linguinha, gostava de imitar
o Roberval Taylor. Pra mim, ele é o maior comediante brasileiro, merecia ter
um espaço maior da tevê, onde coordenasse, dirigisse, escrevesse os textos.
Ele foi o cara que contornou meus exageros. Sempre pedia para que eu fizesse
menos, mostrando como a televisão registra tudo. E em todo lugar que chegava
as portas se abriam por conta do carisma dele. Acho que ninguém conseguiu
chegar tanto no povão, só ele e Silvio Santos, talvez''. Marcos
Palmeira de Paula, ator, sobrinho de Chico Anysio, filho de Zelito Viana.
Cininha de Paula:
a filha do Pandolé
''Foi meu tio Chico Anysio quem me levou para a televisão. E ele também é
quem me convida para dirigi-lo. Soube que eu imitava o Pantaleão e o
Severino Pandolé. Eu tinha feito Tablado aos 13 anos mas já fazia Faculdade
de Medicina quando Augusto César Vanucci me ligou convidando para eu fazer a
filha do Pandolé. Tinha então 18 anos. Saí quando me casei. E quando estava
grávida ele voltou a me chamar para fazer um teste com o Carlos Manga para a
hippie que estavam precisando, papel que o Daniel Filho tinha pensado para
Sônia Braga. Passei e fiz um sucesso danado. Até crônica do Artur da Távola
ganhei. Parei para fazer residência e quando voltei fui estudar direção.
Quem dirigia o programa do tio Chico era Francisco Millani, fui assistente
dele e depois de oito anos é que assumi a Escolinha do Professor
Raimundo. Na verdade, por ser médica, dirigia e cuidava deles todos.
Fazia diagnósticos quando passavam mal... A primeira vez que Rogério Cardoso
sofreu problemas cardíacos fui eu quem identifiquei, ele reclamava de dor de
estômago. Quando o próprio tio Chico infartou, fiquei ao lado dele na CTI.
Nossa vida profissional e pessoal se confunde. Foi ele quem pôs meu
ex-marido Wolf Maia na televisão, é padrinho de minha filha Maria Maia e
autor do meu apelido''. Cininha de Paula, atriz e diretora, sobrinha
de Chico Anysio, filha de Lupe Gigliotti.
(© NoOlhar.com.br)
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