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Francisco outonal

05-06-2008

 
 

   A estréia muda no rádio em 1948. A invenção do humor na televisão. O nascimento do Professor Raymundo, primeiro dos 209 tipos criados. A vida doméstica entre filhos, ex-esposas e o atual amor. As memórias de parceiros, familiares, amigos. A rotina
 

O POVO- Você nasceu em 1931, mas sua certidão registrava 1929. O que houve?
Chico Anysio- Quando minha mãe mandou buscar a certidão de idade em Maracanaú chegaram três cópias. Uma levei pro colégio, a outra foi enviada para o Exército e a terceira ficou em casa. Mas de repente chega uma convocação. Eu com 16 anos estava sendo chamado e foi aí que vimos que na certidão constava 1929. Com 16 anos, pesava 20 e poucos quilos, calçava 41, era um L. Daí não fui aceito no Exército, fiquei na terceira categoria. Mas durante muito tempo curti isso de ter dois anos a mais. Ia a um filme que era impróprio até 18 anos, entrei em dancing, tudo... Hoje não interessa, tenho 73 anos, nem voto mais, tô acima do bem e do mal. Mas passei a vida inteira segurando essa. Durante algum tempo a meu favor, depois passou a ser contra. Quando tinha 50, a carteira já era de 52...

OP- Você sai de Maranguape criança, chegando ao Rio de Janeiro com oito anos de idade. Como você via o Rio?
CA- O primeiro lugar onde morei no Rio foi em uma pensão em Laranjeiras, perto do campo do Fluminense de onde fui sócio-dependente e sócio-atleta, jogava futebol, nadava... Meu pai ficou no Ceará para trabalhar e poder nos mandar dinheiro. Mas depois casou de novo, de novo, de novo e uma quarta vez. Com essa última família teve sete filhos. Mas sempre foi meu amigo, inclusive segurei a barra dele no fim da vida. Tirei-o do Maranhão, botei em São Paulo, aluguei um apartamento vizinho à Beneficência Portuguesa para ter tudo ali a tempo e a hora no fim da vida. E um dia o doutor ligou dizendo que ia mandar o coronel de volta para o Maranhão. 'Já fizemos tudo o que podia ser feito. Vamos mandar pra casa'. 'Tá certo'. Seis meses depois, eu estava em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, quando ele morreu. Não deu tempo chegar ao enterro. Também não vi o enterro da minha mãe. Estava em Estocolmo quando ela infartou.

OP- Seu pai era presidente do Ceará Sporting Clube. Vem dele a paixão pelo futebol?
CA- Foi. Mas eu era Ferroviário, criança gosta de ser do contra, né? No Rio sou Vasco. Mas o que sou mesmo é Palmeiras. Porque o primeiro time que vi jogar lá em Fortaleza foi esse, quando meu pai levou para fazer cinco jogos em cinco domingos. Ficaram o mês inteiro lá e eu fiquei deslumbrado, não sabia que aquilo é que era futebol. Em São Paulo, fui diretor de relações públicas do Palmeiras, no tempo de Ademir da Guia, tempo de ouro do futebol. Do Ceará veio pra cá o Pacoti, o Lôro que jogava no Fortaleza veio para o Corinthians, tinha aquele Moésio, que era um bom jogador... No tempo do meu pai o ataque era Belisco, Biinha, Aníbal, Farnum, Feliciano. Entrava o Limoeiro numa meia aí. Meu pai levou o Sá Filho do São Cristóvão do Rio pra lá, o Limoeiro de Pernambuco, o Biinha da Bahia, fez uma revolução no futebol do Ceará. E eu fui comentarista esportivo com 17 anos. Estava conversando em um bar e o Raul Longras me convidou pra comentar o jogo com ele na Rádio Clube do Brasil. Depois fui comentarista do Oduvaldo Cozzi, do Geraldo José de Almeida, Luís Penido, na Rádio Tupi.

OP- Seu primeiro personagem, aliás, o professor Raymundo, nasce no rádio. É o seu xodó entre os outros 209?
CA- É. Sou muito grato a ele. Foi o primeiro do rádio e depois o primeiro da televisão. É através dele que tanta gente apareceu. Os outros são iguais. Mas gosto deles todos, é como se fossem filhos.

OP- Queria ouvir um pouco a história deles. Como nascem...
CA- Nascem de diversas maneiras, do que vejo, de histórias que ouço, de pessoas que conheço... Quando percebi a impossibilidade de ser engraçado como o Oscarito, o Costinha, o Golias ou de chegar a um Walter D'Ávila, a um Brandão Filho. Percebi que um tipo sozinho tinha vida curta, sempre era melhor que pertencesse a um núcleo. O Jovem tem a mãe dele; o Pantaleão, a Terta e o Pedro Bó; o Tim Tones tem os filhos... Isso vem do começo já. O coronel Limoeiro, por exemplo, tinha a mulher dele que se chamaria Adalgisa. Pensei melhor e achei que tinha que ser um nome mais comum, Teresinha... Mas no momento em que batia o esquete entrou a atriz Maria Tereza. Botei em homenagem a ela. Mas por muito tempo muita gente achou que foi uma gozação com a Maria Teresa Goulart, esposa do presidente João Goulart. A personagem traía o marido com todo mundo, veja... Mas alguns não fui eu quem criei. Haroldo Barbosa criou o Zé Tamborim, um sambista que tinha como parceiro um malandro interpretado pelo Ary Leite. Roberto Silveira criou o Juventino, marido de uma mulher feia e apaixonado pela empregada, cujo bordão era gritar pra coitada: 'Senta aí'. Esse personagem revivi anos depois com o Nazareno...

OP- O personagem com o nome da mulher do presidente deu problema?
CA- Não. Uma vez fui fazer um show em Brasília e havia um churrasco. Ele estaria lá. Fiquei em pânico. Não sabia se explicava ou calava. Quando os avistei, ela gritou de lá: 'Maria Tereza, quer dizer que continuas a mesma? Todo mundo riu. Era o bordão e o sinal de que estava tudo bem.

OP- Mas a Salomé incomodava um pouquinho o presidente João Batista Figueiredo, não?
CA- O presidente João Batista respondia a Salomé. Ela dizia: 'João Batista, tu falou que está de mão estendida mas tu é canhoto, né?. Ele veio fazer uma inauguração em Niterói e discursou: 'Dizem que estou de mão estendida, mas sou canhoto...'. (risos) Ele levava a sério. Esse personagem foi um achado. Antes da abertura política ser proclamada eu entro com a Salomé falando diretamente com o presidente. Um dia ele ligou pro doutor Roberto (Roberto Marinho, ex-presidente das Organizações Globo, já falecido): 'A Salomé bateu o telefone na minha cara, ela pensa que é o quê? O dr. Roberto me chama: 'O que houve que você bateu o telefone na cara do presidente? 'Dr. Roberto, já está gravado o quadro a seguir'. Ele quis ver. E lá estava: 'João Batista, te tratei mal na semana passada, me perdoa, tava irritada e tal'. Fiz a propósito, pra ele ficar zangado, mas já havia gravado o pedido de desculpa. Dr. Roberto ligou pra ele de volta e acabou tudo bem. Foi muito legal o tempo do Figueiredo, a gente vinha de um sufoco muito grande... E eu estava na Rede Globo, principal vitrine. Então era o seguinte: o censor sentava, mandava pôr o programa e ia dizendo: 'Isso tira. Tira'. 'Mas só queria explicar... 'Tira'. 'Mas o sr. não entendeu, só queria explicar.... 'Não estou lhe perguntando nada, tira! Para salvar meu show de teatro eu levava a Brasília e fazia no auditório pra oito censores. Era a coisa pior da minha vida. Fazia e explicava. Assim, eliminei em média de 40 cortes por show. Quando eles iam censurar lembravam de como eu havia falado aquilo e não cortavam, porque antes cortavam na intenção. Foi uma estratégia. Quis fazer algo parecido com a Salomé agora. Um metalúrgico falando com o Lula, mas o Maurício Sherman (diretor do programa Zorra Total) demorou muito a resolver, o que foi uma pena porque o personagem seria ótimo.

OP- Ótimo e necessário. Outros personagens que tinham uma forte conotação política eram o Baiano e os Novos Caetanos, né? Como acontece essa homenagem?
CA- A gente queria pôr uma música no programa, idéia do Arnaud (Arnaud Rodrigues, ator e roteirista): 'Vamos fazer o Baiano e os Novos Caetanos'. Ele fazia o Paulinho Boca de Profeta, tocando violão. Eu, o Baiano. Gil e Caetano estavam exilados em Londres. Era uma forma de mantê-los em cena. Eu tava fazendo show no Teatro da Lagoa e o Caetano na Sucata, parede com parede. Correu um papo de que ele estava fazendo uma paródia do Hino Nacional. Mentira. Não estava. Mas aí prenderam os dois, injustamente. E eu era testemunha da inocência deles. Até arranjei pra eles voltarem do exílio. Fui ao Sérgio Médici, filho do general Médici, pedir a volta deles. Aí ele disse: 'OK'. Mandei Benil Santos, meu empresário, dei a passagem para ir buscá-los em Londres, ele os trouxe, acertando um show no Canecão. Na véspera do show, eles tiraram o Benil e puseram o Guilherme Araújo. Hoje o Benil trabalha na SBAT - Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Fiz isso pelo seu Zeca e dona Canô, que me levava bolinho coberto com guardanapo toda vida que eu ia à Bahia. Mas eles mesmo nunca me agradeceram, nenhum dos dois.

OP- Baiano e os Novos Caetanos gravaram discos, frequentaram as paradas de sucesso... ''Vô Batê pá Tu'' é um clássico. Como era essa dobradinha de letra e música com o Arnaud Rodrigues?
CA- Fizemos letras e músicas adiantadas anos. Haja vista que até hoje ''Vô Batê pá Tu'' é moderno e isso foi em 1975, por aí. ''Urubu tá com Raiva de Boi'', ''Folia de Reis'', ''Selva de Feras'', todas ainda tocam nos forrós. Fomos convidados pra Montreaux, pro Midem (feira referencial de música na França). Antes de sofrer o acidente, o Herbert Viana me ligou: 'Chico, passei no Carrefour e comprei o disco do Baiano e Novos Caetanos. Tô encantado! Quero produzir um disco de novo de vocês'. 'Vamos produzir'. Mas aí ele sofreu o acidente. O Arnaud e eu temos já umas nove músicas prontas, inéditas. Só faltam mais umas cinco pra ter um CD. Várias gravadoras quiseram. Mas algumas achavam que era tipo Tiririca. Aí não quiseram (ri). Porque Baiano e os Novos Caetanos é um conjunto sério.

OP- Você e o Arnaud criaram muitos personagens juntos... Vem de quando a parceria?
CA- Ah, da TV Tupi, anos 60... Eu e o Arnaud fizemos, por exemplo, o Linguinha, personagem infantil, que saiu do ar por excesso de índice. Todo mundo queria anunciar antes ou depois do Linguinha. E só tinha cinco minutos. A ABC veio aqui pra tentar comprar os direitos. Mas quando viu o tamanhinho disse que não servia, era muito pequenininho. Era um herói que não usava arma, levantava quando uma senhora entrava, abria a porta, era perseguido, não perseguia. O pai dele, o Lingote, o tóxico dele era remédio. Acho que as crianças gostavam do meu trabalho pelo visual de cada tipo, apesar de não entender a crítica social por trás de cada um deles.

OP- E o Justo Veríssimo?
CA- Justo Veríssimo veio de um deputado pernambucano que o Alceu Valença conhece que dizia: 'Sai daqui, sai daqui. De preto e pobre eu quero distância. Preto e pobre só servem pra me eleger'. Quem me contou foi um amigo nosso em comum. Cheguei a conhecer esse deputado e depois o Alceu confirmou. 'Quero que pobre se exploda! Os outros que pensem no Brasil. Eu quero é me arrumar!. Walfrido Canavieira foi outro que causou um abaixo-assinado de vários prefeitos nordestinos. Achavam que estavam sendo retratados, Canavieira era um ladrão, né? Roberval Taylor foi inspirado no Hélio Ribeiro, um locutor da Rádio Bandeirantes (faz a voz do Hélio). A voz do Pantaleão é a do Luiz Gonzaga. Gravei com ele uma quadrilha: 'A Quadrilha do Professor Raymundo'. Fomos colegas na rádio Mayrink Veiga. Ele dizia assim (imitando a voz): 'Vou cantar um baião que é meu e de Zé Dantas. Quer dizer, é só de Zé Dantas, mas ele quis me dar a parceria e eu que não sou orgulhoso aceitei' (risos). Ele era muito engraçado.

OP- Você também tem bordões que são memoráveis...
CA- O bordão é imperioso quando se tem quadros toda a semana. Mas não faço o quadro para o bordão e sim o bordão para o quadro. Fiz o Azambuja. O que é ele? Um malandro carioca que salva o dia, faz um golpezinho pra pegar cem mil réis e pronto. Não é um grande pilantra. Então, é 'tô contigo e não abro', 'arrebenta a boca do balão', 'tá danado, tá danado'... Ele era um personagem imaginário. Porque, em 1975, eu fazia monólogos, cara limpa. O primeiro Fantástico que foi pro ar era no tempo que tinha slide. Então dizia assim: 'Rede Globo apresenta Chico Anysio e Marília Pêra em Fantástico, o Show da Vida. Durante 16 anos fiz um monólogo que encerrava assim e contava uma história do Azambuja, que sempre me colocava numa fria. Com o Arnaud, a família dele cresceu: veio o Trivelato, um negão alto, fortão; a Nega Brechó, namorada do Azambuja, o Pernambuco, nordestino... Fez tanto sucesso que o Arnaud deu a idéia de dar vida ao personagem em um programa mensal. O Boni topou e fizemos o Azambuja & Cia. Peguei uma foto minha e pedi a um desenhista que fizesse diferentes intervenções sobre ela - uma com bigode, outra com óculos, outra careca... Depois saí pela Globo com os oito desenhos: 'Qual desses é o Azambuja? E fazia uma marca na escolhida. Assim escolhi o visual dele.

OP- Alguém da família inspirou um visual?
CA- (Ri). Neide Taubaté nasce da necessidade de ter uma mulher em um telejornal e o nome é este porque existe Neide Aparecida, uma cidade antes de Taubaté. Mas ela parece com a Lupe (Lupe Gigliotti, irmã de Chico Anysio). Daí vem a necessidade de fazer outros locutores pro telejornal, o que me levou a fazer mais cinco. Assim, um vai puxando o outro... O Pantaleão era o personagem para encerrar o programa contando uma grande mentira com a conivência de Terta e os palpites de um afilhado, o Pedro Bó. O papel do Pedro Bó seria do Agildo (Ribeiro). Acabou sendo o Joe Lester, empresário do Jararaca, que estava no auditório assistindo à gravação. Tinha um defeito na perna e ficou sentado num barril, limpando um fuzil. Eram, no máximo, três intervenções. Sempre cretinas. E por aí vai. Mas vou lançar um livro com o Ziraldo contando todas as histórias dos personagens, então vocês vão ficar sabendo...

OP- O.K. Vamos falar um pouco do letrista e do escritor, duas facetas suas menos conhecidas. Consta que você gravou 27 discos e lançou 18 livros.
CA- O disco veio por conta do sucesso. Gravamos um do Azambuja, um do Linguinha, do Chico City e outros personagens do programa. Tem LP gravado com o Coalhada, o Roberval Taylor, o Alberto Roberto, com monólogos do Fantástico, Chico Total. Agora tô numa fase de boleros. Tenho uma parceira que é a Sara Benchimol, nós fizemos 16 boleros. Todos em espanhol. O Cauby Peixoto quer gravar. E fizemos 14 boleros chamado ''Respuesta'', que é a resposta dos boleros famosos, ''La Barca'', ''La Puerta se Cerró'', ''Contigo Aprendi'', ''Perfídia'', ''El Reloj''... Isso aí tá com o filho de Altemar Dutra. Mas o Elymar (Santos) também quer gravar. Fiz a letra de um pagode que o Martinho da Vila gravou, que foi um sucesso, puxou o disco dele. ''Como você não há/ como você não tem/ como você cadê/ como você ninguém'' (cantando). Gravamos agora duas com o Zeca Pagodinho, vão estar no próximo CD dele. Tenho ''Rio Novo'' com Alcione, um monte com o Fábio Jr. São umas 70 músicas espalhadas por aí. E Sara está gravando no estúdio hoje uma música que se chama ''Elymar de Todos os Santos'', vai puxar o CD dele. Vou dirigir o show dos 20 anos de carreira que Elymar faz ano que vem, no Canecão.

OP- Mas voltando um pouco no tempo tem os seus baiões, que Dolores Duran gravou. Como se deu esse encontro?
CA- Dolores Duram era minha colega de rádio, de quem fui padrinho de casamento, minha amiga querida, gravou muitos baiões meu. Ela sempre os colocava no lado B do disco. No lado A, um samba do Billy Blanco. E era o meu baião que fazia sucesso. A ''Fia de Chico Brito'' foi regravada pela Elis Regina. E a Roberta Miranda regravou outro sucesso da Dolores, que fiz em parceria com minha mãe.

OP- Seus primeiros livros têm selo da Editora Sabiá, de Rubem Braga. Depois, Rocco. Mas um deles rendeu um especial na TV Globo, Negro Léo, que fez bastante sucesso pela linguagem inovadora.
CA- Isso começou em 1972, quando Ricardo Amaral, Rubem e Paulo Rocco me convenceram. Sentei para escrever um livro e depois de 50 dias tinha três. O primeiro chamou-se O Batizado da Vaca e na noite de autógrafos havia uma vaca de verdade no lançamento (ri). Depois veio O Enterro do Anão, que tem uns contos sérios de que gosto mais. Negro Léo é meu segundo romance, 1980. O primeiro foi Carapau, a história do último coronel do Nordeste. Jorge Amado elogiou, então, já me valeu. Negro Léo era todo na primeira pessoa. Cada um contava um pedaço da história de um negro bandido na Praça Mauá. Paulo Ubiratan dirigiu a adaptação para tevê, que foi premiada no exterior. Acho que foi o último trabalho de Lilian Lemmertz, que morreu logo depois. A Rocco, do meu amigo Paulo Rocco, prometeu reeditar.

OP- Seu último livro, O Canalha, passeia pela história do Brasil do Governo Dutra até FHC. Como você aborda, por exemplo, o episódio do confisco, protagonizado pela então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo, que foi sua esposa? Aliás, vendeu muito?
CA- Não chegou a cinco mil. Mas não teve confisco, teve bloqueio. E tinha que ser feito. Porque o (Fernando) Collor herdou uma inflação de três por cento ao dia. De manhã era um preço, de noite outro. Não tinha outro jeito de consertar, bloqueia. A Zélia não inventou nada. Usou a única arma que possuía. Falei pra ela: 'Você poderia ter feito a diferença do poupador para o especulador'. 'Como? 'Muito simples. Todas as cadernetas de poupança abertas de três anos pra cá estão bloqueadas'. 'Puta-que-pariu, era isso, Chico! Como é que ninguém me avisou?. Mas quando a conheci ela já não era mais ministra. E me disse: 'Se você se candidatar a presidente, vou pra vice'. A Zélia não é uma brilhante economista. Mas brilhantemente escolhe as pessoas pra trabalhar com ela. Escolheu três caras que foram ministros depois: o Paulo Renato, o Kandir e o Pedro Malan, três feras.

OP- Como vocês se conheceram?
CA- Eu a conheci em um restaurante. Antes, já havia levado na Escolinha... quando ela renunciou. Gravamos e ela foi embora. Na época, namorava o Bernardo Cabral, não tinha nada a ver comigo. Meses depois fui gravar um comercial, saí sozinho, ia jantar e queria um lugar onde não tinha gente. Fui no Antiquárius, que sempre tem amigos. Quando entrei tava o Nelson Tanuri, hoje dono do JB. 'Oi, Chico, tá sozinho? Vem sentar com a gente'. Tava ele com a mulher, Patrícia. Tinha outra mulher de costas que eu não sabia quem era. Quando sentei, era ela. 'Oi, ministra. Tudo bom?. 'Tudo bom'. Aí me convidou para o aniversário dela que seria dois dias depois na casa de uma cara que era um puta amigo meu, o Luís Afonso Otero, que eu não sabia que era primo dela. Fui ao aniversário, dança, aquele papo, dei um quadro meu pra ela... daí a pouco a gente tava namorando. Mas aí pintou o livro dela. Falei: 'O livro é o desastre da sua vida. Corte esse livro'. 'Não. O povo quer uma satisfação'. 'Não quer, não. O povo não quer satisfação nenhuma. Você está querendo tirar uma forra do Bernardo Cabral. É outro papo. E esse livro vai ser o seguinte: você vai abrir a tampa da cacimba e todo mundo vai ter o direito de meter a latinha lá dentro e tirar uma água. Você não faz idéia do desastre que vai ser pra sua vida este livro'. Nós estávamos namorando há uns dez dias. Aí, um dia, tô sentando no sofá da casa dela, em São Paulo, e lá estavam o Fernando Sabino, a Lígia, mulher dele, e ela, discutindo aonde seria o lançamento em São Paulo. A Lígia falou: 'Chico, você aí tão afastado, o que acha? Onde deve ser lançado o livro?. 'No cemitério do Araçá. Defronte ao cruzeiro, já enterra ali mesmo e pronto'. Fernando parou de falar comigo. Saiu o livro. Quase que vou eu também. Quase que vou eu também.

OP- Por quê?
CA- Ela rodou e eu só não rodei porque tinha muito cimento embaixo de mim, da minha profissão, senão eu também dançava. Hoje, em 2004, ela vem aí com meus filhos, entra numa churrascaria, começa o zum-zum-zum. Já imaginou na segunda semana de lançamento o livro? O Bernardo Cabral estava em último no Amazonas, depois do livro ele se elegeu. Passou a ser o machão, porque largou aquela lá em Paris, sozinha, e veio embora. Entendeu? O povo fica esperando só uma. Antes do livro foi feita uma pesquisa pelo Ibope perguntando em quem você votaria pra presidente. Sarney teve 27%, ela 26%. Mas isso foi um trabalho do professor Raymundo. Quando ela pediu demissão que levei na Escolinha, ela saiu no colo do povo. Depois do livro, outra pesquisa. Sarney, 29%. Ela, 0,02%. O livro acabou com ela. Depois dele, ainda sofri um acidente, fiquei com uma paralisia facial, sem poder trabalhar e fui morar na América. Lá me separei. Não tinha mais saco.

OP- Mas você quer dizer que a grande massa teve acesso aos livros?
CA- Não. Mas os jornais pinçaram o que havia de ruim no livro, fizeram reportagens sobre aquilo e pronto. O livro vendeu bem. Fernando Sabino ganhou 500 mil dólares por ele. Mas nunca mais vendeu um, né? Também tem isso, tinha que pagar. Ela, nada. A sorte dela maior foi essa. Só não virou Simonal porque não ganhou nenhum tostão. Mas ele tentou dar dez mil reais a ela. Só que queria um recibo, pra botar em um quadro, queria mostrar que ela recebeu. Aí estava frita, não tinha escapatória. Disse: 'Propõe a ele dar para a Casa dos Artistas'. Enfim, hoje vive em paz com meus dois filhos na América. Vitória, que vai fazer 10 anos e Rodrigo, tem 12.

OP- Você está preparando algum novo livro?
CA- Livro, tirando o Paulo Coelho, também não rende, vende quatro edições, coisa de 12 mil livros. Um livro que faço para os Estados Unidos, se fracassar, vende 80 mil. Porque são 80 mil pontos de venda. Se vender um em cada ponto, já vendeu 80 mil. Por isso, atualmente estou escrevendo para os Estados Unidos. Eu e meu irmão Elano escrevemos um livro a quatro mãos. Chama-se O Dia em que Mataram o Presidente, de Oliver Delano (pseudônimo dos irmãos Chico Anysio e Elano Paula). Escrevemos livros para os ingleses e os americanos. Uns são mais pesados, outros são policiais, livrinho de bolso.

OP- Elano me contou que os livros rendem roteiros para filmes e vice-versa. Você continua escrevendo para cinema? Como estão os projetos nessa área?
CA- Meus roteiros, hoje, também escrevo para a América. Aqui vão me oferecer cinco mil reais por um roteiro, dez mil no máximo. Na América vendo por cem mil dólares. Já vendi três e tenho mais 32 aí, é a herança que deixo para os meus filhos. O Frade vendi para o Hugh Hudson, que fez Carruagens de Fogo, um filme que se passa no norte da Irlanda, numa vila de pescadores, bonito o filme, acho difícil não ser candidato para algum Oscar. E é um libelo contra a guerra religiosa do IRA. Vendi um para a Gold Hall, através de um budista amigo meu e vendi um para o Michael J. Fox que não vai poder ser filmado, porque ele está com Alzhaimer, não pode mais trabalhar. E meu agente morreu. Aqui, o que me fizeram com Tieta (filme de Cacá Diegues, onde Chico Anysio vive o cel. Esteves) é um absurdo. O combinado seria dois por cento do bruto. Tinha ganho dez pra fazer o filme, mas tive que pagar táxi aéreo porque no dia da gravação havia uma exposição minha em Vitória. Paguei 4 mil, sobraram seis. Aí tô ouvindo papo: 'Em Madri arrebentou, ficou duas semanas; em Paris foi um sucesso, tá na quarta semana; em Hamburgo arrebentou e sucesso e sucesso e sucesso'. Liguei pra saber de meus dois por cento: 'Você está devendo R$ 1.347,00'. Você acredita? Aí liguei pra Marília (Marília Pêra, que também atuou em Tieta): 'Marília, você está frita! Porque eu ganho dois por cento e tô devendo R$ 1.300,00, você que ganha três deve tá devendo uns seis'. Aqui a coisa é muito roubada pelo exibidor. O Cacá Diegues botou na porta do cinema Leblon um cara de duas às dez da noite. Todas as sessões foram lotadas. Mas a bilheteria deu como se tivesse vendido 26 ingressos naquele dia. Você veja que o roubo não é pequeno.

OP- Você já foi recordista de público na época da chanchada com seus filmes, não é?
CA- Escrevi 18 chanchadas naquele tempo do Zé Trindade e Oscarito. Tudo o que é recorde no cinema eu tenho. Baronesa Transviada, Aguenta o Rojão, Minha Sogra é da Polícia, Batedor de Carteiras, Pequeno por Fora, Cacareco vem aí, Alegria de Viver, Sinfonia Carioca, Rio Fantasia, Eu sou o Tal, Colégio de Brotos, Camelô da Rua Larga, Marido de Mulher Boa... Tudo porrada. Um batia o recorde do outro. Cinema é um troço interessantíssimo. Mas no Brasil...

OP- Você contracenou com Oscarito?
CA- Sim, escrevi muito pra ele. Escrevi para o teatro de revista, para a televisão e para o cinema. Na televisão ele não deu certo, porque não decorava. Oscarito... (ri) Era assim (fecha a mão). Só o Golias era mais do que ele. Mas sempre respeitei muito o Oscar, apesar de achá-lo over. Ele era lenha. Entrou filme dele, aquilo era... Nem Mazaroppi. Porque Mazaroppi era em São Paulo e no interior. Oscarito era no Brasil inteiro. O mesmo sucesso que fazia no cinema no Rio de Janeiro fazia no cinema de Altamira, no Paraná. Era geral. Pessoalmente, chato, insuportável, besta. Nunca falava mal de ninguém, mas nunca elogiava ninguém. O máximo era: 'Fulano tem coisas boas'. Mas respeitava os roteiros e morreu encantado comigo, dizia para o Manga que eu era uma sumidade. Era hipocondríaco. Saía do estúdio à noite, ia na farmácia e dizia: 'O que tem de novidade aí? (ri). Muito perfeccionista. Tinha que fingir que falava árabe numa cena, então foi à embaixada. Pegou frases em árabe pra dizer, porque alguém da platéia poderia entender árabe. Tinha um papel de entregador de tinturaria, ficou ali perto das tinturarias dias e comprou um terno do cara porque aquela era a roupa perfeita, original. Divertiu quatro gerações sozinho. Chega, né? Vou pegar meu almoço. Quero ver a final do jogo do Brasil.

OP- Vamos só falar sobre o artista plástico, que inclusive vai estar expondo em Fortaleza, no Centro Cultural Oboé, ao longo do mês de junho... Você é autodidata?
CA- Tive um professor, Roberto de Souza. Já pintei umas três mil marinhas. Aí fiquei cheio. Céu, mar, areia, pedra, casa, barco, não sai disso. José Ricardo Lima foi meu professor de história da arte e sugeriu: 'Por que você não pinta fauve? Daí estudei o fauvismo, escola criada por Matisse na França. Não tenho compromisso nenhum com a realidade e sim com a cor, a forma e a pincelada. É isso que estou fazendo agora. Pintava quadros pequenos, passei a pintar quadros grandes. Gostei muito e me dei bem. O fauvismo deu início à escola alemã do expressionismo. Acho que é para lá que eu caminho. Faz cinco meses que não pinto porque não tinha mais aonde guardar quadro e ninguém está vendendo no país. Vendi muito já. E pintar para guardar é desagradável. (Apontando para os quadros que tomam conta das parede do ateliê) Ali é uma cidade fantasma dos Estados Unidos, ali é na Grécia, aquilo lá é na Irlanda, aquilo na Escócia... Risco primeiro pela foto. Mas estou meio parado. Tentei colocar na abertura do Fantástico, a Marluce (Dias da Silva, ex diretora de núcleo da Rede Globo) topou primeiro, mas depois o diretor voltou atrás. Já comprei muito também, hoje não mais. Manoel Santiago, Silvio Pinto, Oswaldo Teixeira, Aldemir Martins. Convivi com Romanelli, Di Cavalcanti, Roberto de Sousa. A pintura é uma janela que abro na parede. Mas não suporto pintura moderna, surrealista. Gosto do mais próximo da realidade possível. Silvio Pinto me fez um elogio que não esqueço: 'Você já é um dos dez melhores marinhistas do Brasil'. Depois do Pancetti, ele foi o maior de todos. Eram amigos, inclusive, moraram juntos.

OP- Quem da área você conheceu?
CA- Conheci Portinari, Di morava no Catete, eu também, ele falava com a gente. Não era comum os artistas falarem com meninos. Eu me penitencio porque ele insistia muito: 'Vai lá no meu ateliê que quero pintar você'. Não fui nunca. Não sabia a importância daquilo na época.

OP- Só para terminar. Como está sua rotina hoje?
CA- Gravo um quadro do Azambuja por semana (exibido no programa Zorra Total, aos sábados, pela Rede Globo). Felizmente, tenho meus cavalos de corrida, são meus companheiros. Tenho cavalo desde 70 e pouco. Quando tinha 12, 13 anos era um apostador. Hoje não aposto mais. Hoje tenho 40 e poucos cavalos. Todos puro-sangue inglês. Não tem aquelas portas de castelos enormes, pesadíssimas, mas que você empurra com um dedo e elas abrem, de tão bem equilibradas? O cavalo me lembra aquilo, a perfeição. Gosto muito, converso com eles. Minha estrela é Miss Valentina. Poderia vender por 300 mil dólares, mas não vou vender, vou mandar pra América e ela vai correr pra mim. Na areia é muito difícil de ser derrotada.

OP- Como está se sentindo no Zorra Total com o Azambuja?
CA- No Zorra..., não era pra ser o Azambuja só, era pra ser toda semana um. Mas o Maurício Sherman quis assim.

OP- E a Escolinha do Professor Raimundo, tem chance de voltar?
CA/i>- Evito sair de casa pra não ter que responder a isso. É a pergunta que mais ouço. O Professor Raymundo foi o único que não perdia para Pantanal, da Manchete. Tudo da Globo perdia. Isso mostrou que renderia um programa independente. Saiu do Chico Anysio Show e foi lançado às cinco e meia, de segunda a sexta. Deu um ibope surpreendente para aquele horário e os comerciais passaram a ser vendidos pelo preço de sete da noite, horário nobre. E ficou uns dois ou três anos arrebentando, até que quiseram tirar, não sei por quê. Sempre querem tirar. Puseram Malhação no lugar. Quando voltei, me puseram às cinco. Falei: 'Não me põe às cinco que essa hora o aluno ainda não chegou do colégio e o pessoal da Malhação não importa se é cinco ou cinco e meia'. Deixaram às cinco. Mas mesmo às cinco foi ganhando. Perdeu um dia. Nesse dia tiraram do ar. Pra mim, particularmente, o programa nem é legal. Porque faço escada. Não brilho. Faço com que os outros brilhem. Mas tenho um carinho grande pelo número de artistas que lançou, a começar de Zilda Cardoso, Mussum, Zacarias, Geraldo Alves, Ary Leite, você vem mais cá aí tem Castrinho, Nerso da Capitinga, Cláudia Jimenez, Cláudia Rodrigues, Tom Cavalcante, Heloísa Perrisé, Meirinha, João Neto, João Cláudio, no Piauí. Por mim, o Professor Raymundo entraria abrindo o Zorra... 20 minutos de Escolinha... e aí entra a festa. Nesses 20 minutos ele daria 40 pontos. Isso não custa um tostão, porque todo mundo da Escolinha está na Zorra.

OP- E por que não acontece?
CA- Porque não é idéia do Maurício Sherman e ele não quer pôr. Ganha o salário de acordo com o ibope. Mesmo assim não quer, só pela vaidade de não ser dele. Mas agora já perdi a paciência... se eu batalhar para a Escolinha ir domingo antes do Faustão, a Globo não tem como botar no ar porque vai ter que pagar o cachê de todo mundo. Escrevo o quadro do Azambuja só. Mas nem vejo. Odeio. O humor permite o exagero, mas esse exagero tem um limite, porque se passar daqui fica idiota, ruim, mentiroso. Você não pode admitir um porteiro como o Tom estar vestido naquele quadro daquele jeito. Então aquilo ali é uma coisa extrapolada. Porque não é a roupa quem tem que fazer graça, é o Tom. Aí vem o quadro com a moça da toalha. Um dia, em Fortaleza, havia umas 20 pessoas em um restaurante e eu falei: 'Queria que todos vissem esse quadro que quero fazer uma pergunta depois'. Um senhor lá falou: 'Ela mexeu 16 vezes na toalha'. 'Não é isso. Quero saber o que o rapaz falou'. 'Ninguém sabia'. 'Então agora me digam uma frase qualquer que ele tenha dito, serve o bordão'. Ninguém sabia. Por quê? Porque o quadro não é ouvido, é visto, então não é um quadro de humor, mas de sacanagem. Não precisa gravar, já tá pronto. Pra quê? Pra mulher ficar de calcinha e sutiã. Que é isso, não existe! É uma coisa tão absurda todo mundo de smooking numa festa e alguém de biquíni. O meu humor é social, nunca joguei bolo na cara de ninguém nem deixei ninguém cair do sofá. Eu faço a crítica, a sátira. Não existe um filho viado chegar pro pai e dizer (afinando a voz e entortando a munheca): 'Paaapy, como você tá, paaappy?. E o pai não sabe que o filho é viado? Que é isso? Tá errado. O filho tinha que chegar sério e de repente dar uma desmunhecada rápida. Não pode chegar vestido de saia.

OP- Você transmite essas queixas ao vivo e em cores para a direção da Rede Globo?
CA- Falo pra todo mundo, pro João Roberto Marinho inclusive. Mas talvez achem que estou com inveja. Não tenho inveja de ninguém. Se eu tivesse inveja de alguém não ia querer que a Escolinha... voltasse. Se na Escolinha ... só faço dar força pra que outros apareçam... Na Globo, hoje em dia, não tem uma pessoa que mande. Toda emissora que eu trabalhei tinha um cara, aquele com voz. Isso pós-Marluce. Ela saiu e entrou o Otávio Florisval que é omisso, não aparece. Se eu tiver uma idéia hoje não sei pra quem apresentar. Em 1947, nós que éramos redatores do rádio resolvemos que o humor do Brasil seria feito através de quadros e personagens que se repetiam semanalmente. E criamos esse tipo de humor, que pode ser feito de várias maneiras e não se pode chamá-lo de novo ou velho, você pode dizer que é engraçado ou sem graça. Não sei o que você diria se alguém dissesse que o Charles Chaplin está lá fora e quer trazer o Carlitos de volta.

OP- Eu estenderia um tapete vermelho.
CA- Pois hoje, diriam: 'Manda embora, só quero agora o pessoal do Guel Arraes (diretor de núcleo da Rede Globo). O Belo e as Feras, que dava um bom ibope, saiu do ar de um dia pro outro e não sei por quê. A Escolinha... saiu em dezembro de 2002 e eu também não sei por quê. Há coisas na Globo que não compreendo. Levei uma suspensão de três meses porque falei que tinha saudade do Boni. Foi chato. Acho que o Érico Magalhães deveria ser o diretor-geral da Rede Globo, já que a Marluce não pode. Para o bem de todos os artistas da casa.

OP- Quais as suas bolas foras nesses anos de trabalho?
CA- Tive várias. Mas procurei solução. Pus Estados Anysius de Chico City e o público não entendeu do que eu estava falando. A visita do FMI, o perigo da inflação e o povo não sabe o que é isso. O povo não sabe nada. Nada... O ibope caía semanalmente. Fui ao Boni - tinha a quem ir - e disse: 'Me dá quatro programas que eu vou voltar a fazer quadros e vou estar com 45 no ibope'. Deu 58. Você tem que amarrar o burro onde o dono dele quer. Eu trabalho para as classes C, D e E. Nunca me interessou o que as classes A e B acham do meu trabalho. Trabalho pra gente pobre, que só tem isso como diversão.

OP- Você assiste aos programas humorísticos da casa?
CA- Não vejo. Vi um da Heloísa Perrisé (Sob Nova Direção, exibido aos domingos na Rede Globo), mãe da minha neta, filha do Lug, que me pediu. Casseta & Planeta vejo uns pedacinhos, gosto deles. Fui ver Os Normais, vi duas vezes e dei azar. Num episódio, ela estava chupando o Luís Fernando Guimarães, noutro estava no vaso sanitário se limpando. Achei isso tão... Isso é um desrespeito a uma atriz, ao público, não se põe no ar algo assim. Mas se eles acham que é o humor novo, calo minha boca. Até mandei um e-mail para o Guel Arraes pedindo uma chance para renovar meu contrato. É ele quem manda na Globo hoje. Mas já renovei-o até 2009. Então fico calado aqui. Tenho 14 projetos para apresentar à Globo. Mas não me preocupo mais com isso.

A reportagem tentou ouvir Maurício Sherman, diretor do programa Zorra Total, e Guel Arraes, diretor de núcelo da Rede Globo, mas até o fechamento desta edição não obteve resposta


OPINIÃO

''Chico chegou a escrever os diálogos para um filme do Renato Aragão que dirigi, O Cangaceiro Trapalhão e fui eu quem deu a idéia de adapatar o livro Negro Léo para a televisão. Dei para o Paulo Ubiratan dirigir. A idéia da câmera ponto-de-vista é minha, que logicamente roubei de alguém''.
Daniel Filho, diretor de televisão e cinema.

''Roteirizei, junto com Chico e Zelito Viana, seu irmão, o filme O Doce Esporte do Sexo. Durante as gravações, na Praça Mauá, apareceu um cara, um malandro, me pedindo dez cruzeiros. Ouvi aquela voz e chamei o Chico, que gravou e usou no Azambuja. Com o Chico letrista, minha primeira parceria foi a música ''O Jornal'', que fizemos para o Festival da Excelsior, em 1968, posteriormente gravada pelo Quarteto em Cy. Mas a dupla Baiano e os Novos Caetanos é que arrebentou. Gravamos quatro discos, o primeiro em 1974 e a idéia veio da indignação que sentimos quando lemos um artigo do Caetano Veloso, que estava em Londres, exilado. Achamos uma sacanagem e criamos os personagens, justamente para manter ele e Gil vivos na memória nacional: Chico, o Baiano, proibido de falar, só dizia: 'Paulinho falou, Paulinho é quem sabe...'. Eu fazia o Paulinho Boca de Profeta, crooner, violão do lado. 'Vô Batê pá tu' nada mais era do que uma gíria da época: 'Vô batê pá tua patota'. Vendeu mais de um milhão de cópias e até em versão rap já foi gravada''. Arnaud Rodrigues, ator, compositor e roteirista.

''Sou fia de Chico Brito,
pai de oito fio maior
Nascida em Baturité
criada a carne de só.
Sete home e eu muié
oito fio pra criar.
Sete home pra peixeira
e a muié pra se casar.
(Trecho de 'A fia de Chico Brito', letra de Chico Anysio, gravada por Dolores Duran e Elis Regina)

''Roberto Menescal me apresentou a Chico Anysio. Então gravei Rio Antigo, letra dele e música de Nonato Buzar, que é maranhense como eu. Um casamento perfeito, um estrondoso sucesso. Outro presente que ganhei foi um quadro pintado por ele no meu aniversário. Quem pode querer mais?''.
Alcione, cantora.

''Se Chico Anysio não tivesse feito mais nada além da música ''Rancho da Praça XXI'', campeã do carnaval do IV Centenário do Rio de Janeiro, gravada por Dalva de Oliveira e musicada por José Roberto Kelly, já seria demais. Sou compositora mas nunca vi ninguém escrever letras tão rapidamente como ele. É capaz de compor só com a idéia da música na cabeça. Tem a ver com a cultura fantástica que tem. É um homem que lê muito, discute sobre todos os assuntos com inteligência''.
Sara Benchimol, compositora, parceira de Chico Anysio.

''Foi Cininha de Paula, sobrinha de Chico, quem foi ver um show meu por acaso, onde ficou conhecendo a história de eu ter alugado o Canecão há 20 anos para realizar o sonho de cantar. Ficou emocionada e falou com o tio que ele precisava me conhecer. Na semana seguinte, eu estava no programa com o Alberto Roberto. Ele dizendo: 'Você é o famoso quem?'. E eu: 'Elymar Santos'. Respondeu, já me olhando com desprezo: 'Se eli mar, eu, oceano'. Morri de rir com o trocadilho e a partir dali fomos nos aproximando, admirando a fibra um do outro. Ele apresentou o meu show de dez anos de carreira e agora está dirigindo o alusivo aos 20 anos. Para mim é uma honra''.
Elymar Santos, cantor.

''Conheci Chico Anysio na década de 60, na TV Rio. Já era seu admirador como redator de rádio. Em 1980, fui para a Globo dirigir o programa do Jô Soares. Ele me puxou para o elenco da Escolinha..., ao mesmo tempo em que dirigia Chico Anysio Show. Meu personagem era o Pedro Pedreira, que dizia: 'Não viaja na maionese'. Mas uma dobradinha inesquecível era o ''Só tem tan-tan'', dois malucos, mas um médico e um paciente. Às vezes a gente saía do texto, ele dava a minha fala, eu a dele e o público sequer percebia, de tão nonsense. Dirigir o Chico é fácil. Basta ficar assistindo e agindo como guarda de trânsito, para ele não trombar com os outros atores. Só deu trabalho no dia em que caiu de queixo na piscina, teve paralisia facial. Queria voltar uma semana depois de qualquer maneira para trabalhar e não dava. Suspendemos o programa e quando voltou já foi para participar do Zorra Total''.
Francisco Millani, ator, diretor.

''Meu pai deve entrar para o Livro dos Recordes. Eu Conto, vocês cantam, show com o qual estamos em turnê pelo Brasil, é o de número 10.050. Um cara que criou 453 personagens deve ser mundialmente reconhecido. Sim, porque 209 foram só os que ele intepretou, mas quando criou o Azambuja, fez o Linguiça; quando criou o Tavares, fez a Biscoito; e por aí vai. Os tipos dele nunca nascem sozinhos. Não conheço fenômeno parecido''.
André Lucas, filho e personal manager.

(© NoOlhar.com.br)


Sob o signo de áries

A partir de 1948, locutor, narrador, galã de novelas de rádio, comentarista esportivo, ator característico, novelista, redator, escritor, letrista, pintor

Ethel de Paula
da Redação

   Foi vapt-vupt. Porque já rompia a madrugada quando, em 12 de abril de 1931, Elano, o primogênito do casal Oliveira Paula, recebeu ordens expressas do pai para correr à cidade e chamar ao Sítio Ipu o médico João Augusto Bezerra. Da ponte para o terreiro que levava ao canavial de caminhos tortuosos até a praça principal eram 500 metros. ''Quinhentos infinitos metros'' bravamente vencidos pelo mensageiro de oito anos de idade com assumida paúra de alma de outro mundo. Falou mais alto a iminente e aguardada chegada do irmão, quinto da ninhada de seis de dona Haidée, que perdera o segundo com um mês de vida. ''Eu assobiava para espantar as visagens, tinha que enfrentar o breu e ser rápido. Hoje, me orgulho muito de tê-lo ajudado a vir ao mundo'', derrete-se o engenheiro aposentado, anunciador e testemunha ocular do nascimento de Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, cearense de Maranguape, como ele.

   Em casa, o recém-chegado virou Oliveirinha, diminutivo do sobrenome pelo qual o pai, um respeitado coronel sem patente, era chamado. ''O primeiro trabalho do meu pai, que eu lembro, era botar luz em Maranguape. Ligava o motor às seis da tarde e desligava às dez da noite. Quando o progresso chegou, foi ser corretor de seguros e depois abraçou outra profissão, a de construção de barragens de açudes. Eu o acompanhava nas viagens. Ele transportava argila, terra, barro e tinha uns dez caminhões. Foi aí que teve a idéia de fazer carroceria de ônibus e montar uma empresa. Fez de forma diferente, com assento de veludo, rádio. Os carros chamavam atenção, revolucionaram. Isso nos deixou numa condição financeira de quase-ricos'', recorda Elano. ''Chico me disse inclusive que chegou a sonhar em ser trocador de ônibus'', segreda, rindo-se, a irmã atriz, Lupe Gigliotti, 77.

   Entre prodígio e tinhoso, cedo casou sílabas e números. ''Ele praticamente se auto-alfabetizou quando papai disse que não o levaria na viagem a Fortaleza porque não sabia ler. Começou a perguntar uma coisa pra mim, outra pro Elano, outra pra Lília, nossa outra irmã, já falecida, e, de repente, na véspera da partida, disse: 'Eu sei ler'. Papai fez o teste e todos ficaram boquiabertos porque era muito pequeno'', conta Lupe. Antes de frequentar escola, surpreenderia uma segunda vez, entendendo por si só a lógica da centena de milhar. ''Ele dizia cinquenta e quatro mil, trezentos e noventa e quatro, sem saber escrever o um ou o dois. E ninguém ensinou. Os ônibus tinham uns números e eram tratados assim: o 38, o 47, o 52. Ele foi ouvindo e aprendendo'', credita Elano.

   Maranguape fica para trás em 1936, quando os Oliveira Paula mudam-se para Fortaleza, residindo confortavelmente no bairro Benfica. Época em que o coronel Oliveira, como presidente do Ceará Sporting Clube, levava os filhos aos jogos e dava-se ao luxo de ceder o sítio para a concentração do time. ''Vem daí a paixão do Chico por futebol, apesar de ele ter sido do contra, torcendo Ferroviário. Familiarizou-se tão cedo com o assunto que, aos 17 anos, antes mesmo de ser ator e humorista, foi comentarista esportivo'', sustenta Elano. Na nova morada, nasceu o caçula, Zelito, cercado de riso e erudição. ''Nossa casa era, a um só tempo, clube. Havia sarau de poesia, a gente lia Menotti del Picchia, J.G. de Araújo Jorge. Todo sábado fazíamos festa. Lembro também do Chico contando piada durante as refeições e imitando as visitas quando elas saíam. Acho que isso vem do papai. Porque a mamãe era muito delicada, sensível, tocava piano, compunha. E papai tinha uma veia satírica'', remonta Lupe.

   O futuro profissional da família, no entanto, não desponta no Ceará. Após um inesperado incêndio na empresa de ônibus do patriarca, o destino foi o Rio de Janeiro. ''Veio a bancarrota, acordamos pobres. Eu sou o primeiro que chega ao Rio, no início de 1939. Em 1940, vem minha mãe com os demais. Nos instalamos numa pensão, meu pai foi para o Maranhão fazer estrada e mandar dinheiro. Lá, acabou constituindo nova família'', detalha Elano. Até onde pôde, a mãe provedora, cinco filhos nas costas, educou com rédea curta. ''Chico sempre deu trabalho para estudar e lembro de um dia em que estava no cinema com mamãe, naquela sessão Passatempo, quando aparece na tela a final do campeonato de botão carioca. E o ganhador era simplesmente o Chico. Foi aí que ela descobriu, irada, que ele estava matando aula'', gargalha o irmão cineasta, Zelito. Debandadas que acabaram por render biscates. Apoiado pela irmã Lília, fã confessa, Chico virou freguês de programa de calouros, imitando personalidades do rádio da época. Com o primeiro prêmio em dinheiro, comprou uma bicicleta para o caçula.

   ''Aos 17 anos ele já era redator e ator radiofônico, além de locutor. Teve que parar de estudar, mas estava ganhando bem. A mamãe acabou entendendo'', contemporiza Zelito. O irmão que, a partir de 1948, emplacou carreira no rádio e na televisão como ator e comediante, criando nada menos do que 209 tipos, também salvou, sem querer, a pele do cineasta intelectual e engajado, às voltas com imagens avessas à ditadura militar. ''O nome Chico Anysio me tirou da cadeia duas vezes. Numa delas estava gravando Morte e Vida Severina, em Recife. Quando o cara do DOPS descobriu que o autor do Professor Raymundo, do Coalhada e do Alberto Roberto era meu irmão, aliviou a minha barra e pediu apenas para ele tirar do ar aquele personagem chamado Esquerdinha'', diverte-se.

(© NoOlhar.com.br)


Calado!

Estréia muda. Nervoso, Chico Anysio travou ao tentar emitir, oficialmente, sua ''fala'' inaugural na Rádio Guanabara. Não esmoreceu. E emplacou o primeiro de seus 209 tipos na Mayrink Veiga, em 1950

   As privações de ordem financeira deram cabo da timidez. Frangote no Rio de Janeiro do final da década de 1940, Chico Anysio vislumbrou nos disputados programas de calouros a alternativa possível de renda informal. A irmã Lília deu corda, confiante no poder da graça de suas imitações, que tinham como alvo locutores e atores da época. De fato, o irmão levava todos os prêmios em dinheiro, a ponto de, a certa altura, só poder competir em São Paulo. Descolado, foi fácil enfrentar, quase que por acaso, a primeira triagem para ingressar profissionalmente na Rádio Guanabara. ''Eu estava indo com um amigo fazer teste para radioteatro quando Chico chegou em casa atrás de um tênis. O jogo de futebol havia sido transferido para um campo onde não se podia jogar descalço, veja só... Aí o convenci a ir comigo tentar uma vaga. Ele foi e nós dois passamos. Chico tirou segundo lugar como locutor e sétimo como rádio-ator, entre 25, incluindo nesse time feras como Beatriz Segall. Estava finalmente empregado'', conta a irmã Lupe Gigliotti.

   Se passar pela peneira foi moleza, não tardaram os tropeços iniciais. A estréia oficial do rádio-ator Chico Anysio, ao lado de ninguém menos do que Fernanda Montenegro, findou desastrosa. Nervoso, o iniciante emudeceu diante da única fala: ''Angelina, como demoras!'. ''Eu era o narrador do programa No Reino da Juventude, percebi que não conseguiria falar e salvei-lhe a pele. Falei por ele e brincamos, dizendo que havia inventado a dublagem naquele momento'', conta o veterano ator e amigo de juventude, José Vasconcellos. A falha, perdoada, repetiu-se. O irmão Elano Paula, outro que fez parte do cast da Guanabara, lembra do dia em que Chico encarnou um carcereiro em colóquio com a visitante do presídio: ''Ele diria uma única frase: 'A senhora tem meia hora'. Treinou várias inflexões, repetiu à exaustão, mas, na hora agá, saiu-se com 'Tem meia senhora aí?', entrega, às gargalhadas.

   A fama de imitador correu pelos corredores da rádio bem na hora em que a Guanabara optou por investir em programas humorísticos. Assim, o galã passou a redator e diretor de nomes como Grande Othelo e Chocolate. Só alegria até que... Adhemar de Barros compra a emissora para utilizá-la em sua campanha política, descaracterizando-a. Os profissionais perderam espaço. Justamente quando Elano é convidado a integrar, como diretor, o cast da então promissora Mayrink Veiga. Leva Chico consigo. Mas o acúmulo de trabalho e desentendimentos internos fazem o irmão ser demitido pela primeira vez. Após uma temporada na Rádio Clube de Pernambuco, volta ao Rio novamente como mayrinkiano graças ao convite de Haroldo Barbosa, respeitado radialista que ouvira falar no potencial do jovem cearense. Lá, o iniciante conhece, no topo da fama, a atriz Nancy Wanderley, primeira de suas seis esposas. Estimulado por ela, apaixona-se aos poucos pela arte de representar.

   ''Ele defendia que atuar era uma arte menor, o importante era ser redator humorístico. Mas todos o foram convencendo de que era bom nas duas coisas. Foi nessa época que criou seu primeiro e único personagem para rádio, o professor Raymundo, a pedido do Haroldo Barbosa, que queria a voz de um velho nordestino para encerrar o programa A Cidade se Diverte. Chico dizia: 'Vai comendo, Raymundo. Quem mandou tu vir do norte?. Era início da década de 50 e aquilo pegou de tal forma que ele levou o personagem para todas as emissoras pelas quais passou, assim como para a tevê. E até hoje o 'amado mestre' está aí'', relembra a atriz. Na Mayrink Veiga, em 1953, Chico Anysio ainda toparia com o então contato da Lintas, agência que detinha a conta do Sabonete Lever, patrocinadora do programa Levertimentos, escrito, em parte, por Sérgio Porto. Antes de tornar-se o todo-poderoso da ainda inexistente Rede Globo de Televisão, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, dividiria apartamento com Chico.

   ''Estávamos separados e um segurou muito a dor de cotovelo do outro. Quando passou, a casa virou uma verdadeira república de solteiros e eram tantas e tão coincidentes as namoradas que tínhamos que combinar previamente os horários'', recorda, bem-humorado, o amigo. Findava a década de 50. Gradualmente, o rádio sucumbiria à chegada da televisão. Como profissionais, os cupinchas do Leme voltariam a se encontrar para tomar parte na invenção coletiva da fábrica de sonhos. (Ethel de Paula)

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Vai comendo, Raymundo!

Para ver e ouvir. Chico Anysio estréia na TV Rio em 1957. Com Carlos Manga, descobre o videotape. Com Daniel Filho, lança o primeiro programa de humor totalmente gravado fora de estúdio

   E a voz toma corpo, revela feições, forja personalidades em carne e osso, mimetiza situações. Pelas mãos do radialista Haroldo Barbosa, que em 1957 escreve o programa Aí Vem Dona Isaura, para a TV Rio, o 'pupilo' Chico Anysio, já famoso no rádio por seu professor Raymundo, dá as caras no novo meio, a televisão. Na estréia, interpreta o tio nordestino de Ema d'Ávila, aceitando, por extensão, o convite de Maurício Sherman para participar dos Espetáculos Tonelux, na TV Tupi, onde lança dois outros tipos: Santelmo e seu Urubulino. Na primeira, o humor torna-se a bola da vez graças à dobradinha Péricles do Amaral e Walter Clark, aquele como diretor artístico, este na direção comercial. ''A TV Rio era a Globo da época. Quem quisesse rir ligava nela. Chico escreveu Milhões de Napoleões para o elenco da casa. Mas eu estrelei. Teve ainda Romeu e Julieta, onde contracenava com Zé Trindade. Nesse, ele experimentou as primeiras externas sem diálogo'', recupera a atriz e primeira esposa, Nancy Wanderley.

   A moral da TV Rio cresceu com a contratação de um diretor de cinema para comandar um novo programa, aos sábados. Foi Chico Anysio quem convenceu Carlos Manga a encarar a tela pequena. ''Como cineasta, ele não estava familiarizado com o 'tempo' e a narrativa próprias da televisão. Mas acontece que descobriu a então inexplorada máquina de videotape. Com ela, poderia enfim trabalhar como no cinema, editando as cenas, cortando os erros, claro que tudo manualmente, com gilete e durex para colar quadro a quadro. Chico já tinha vários tipos criados e a idéia dos dois foi colocá-los para contracenar entre si, algo originalíssimo para a época'', recorda o irmão cineasta Zelito Viana.

   A idéia assustou a direção da tevê. Mas Chico e Manga uniram-se a Walter Clark numa empresa independente que produziria o programa piloto. Nascia o Chico Anysio Show, temático e ambientado em diferentes cenários. Primeira locação: um shopping center. Não demorou para a TV Rio e TV Record, de São Paulo, aderirem à novidade. ''No início dos anos 60, cheguei a dirigir o programa do Chico depois do Manga, responsável pela fase áurea. Não havia sessão das oito nos cinemas do Rio de Janeiro por falta de público, já que todos estavam ligados nele. O vôo Rio-Brasília, a pedido dos deputados, foi transferido para às dez horas. E o programa viajava numa só mala pelo Brasil inteiro, porque não havia rede. Nunca vi sucesso igual'', sustenta o irmão Elano Paula. Da TV Rio, que sucumbiu pós ditadura militar, Chico e Manga seguem para a Excelsior, assim como boa parte do cast, em franca debandada. Entre as novas contratações, Daniel Filho, diretor do filme Os Cafajestes. À telinha, no entanto, chegou desconhecido pelas mãos de sua então esposa, Dorinha Duval.

   ''Na Excelsior, Chico e Manga não só fizeram Chico Anysio Show e O Homem e o Riso, como entenderam que era hora de musicar os programas, lançando o Love Street, depois rebatizado Times Square. Como eu sabia cantar e dançar, a atriz Rose Rondelli, segunda esposa do Chico, sugeriu que me chamassem para integrar o elenco. Mas é quando Chico leva o programa a São Paulo, já sem Manga, então diretor artístico da emissora, que tive minha grande chance como diretor em televisão. Manga chegou a rir com a sugestão de Chico, eu não tinha experiência, mas o fato é que me mudei e lá, por absoluta escassez de cenografia, criamos o primeiro programa de humor totalmente feito em 'externa'', comemora Daniel Filho. No rol de trabalhos memoráveis, o dia em que gravaram na concentração do Santos, cercados por Pelé e toda a base da seleção brasileira campeã de 1962. Como argumento, o sequestro do Rei do Futebol.

   ''Marcamos a data no dia em que o Santos iria se concentrar. Mas quando chegamos não havia ninguém, esqueceram. Eu e Chico fomos então à casa do Pelé, que morava com pai, mãe e estava dormindo. Pois ele acordou, pegou o carro e saiu de casa em casa, convocando a rapaziada para a gravação. Era gozado porque aonde passava gritavam seu nome. E ele, automaticamente, dirigia com a direita e acenava com a esquerda, conversando conosco. Só Chico conseguiria isso, com seu prestígio'', credencia Daniel. Naquela tarde, a emoção do diretor seria maior. ''A patota, além de craque, era presepeira. Me pegaram no golpe da 'linha de passe', aquele em que chutam de um para outro sem deixar a bola cair no chão. Já havia acabado a gravação, eles tocando entre si, eu ali de lado, olhando, fascinado. Quando, de repente, Pelé mandou uma bola e gritou: 'Vai, Daniel, faz essa!. Pensei: 'Meu Deus, é um momento sublime. Pelé está gritando meu nome'. Vi Gilmar no gol, chutei com fúria e... gol. Todos pularam em cima de mim, apertaram meu saco, me deram porrada. Era uma pegadinha, o otário que marcasse justamente era o sacaneado'', ri-se.

   De volta ao Rio de Janeiro, a dupla ainda faria A Volta ao Mundo em 80 Shows, com um navio como base, mas a derrocada da Excelsior, na esteira da falência do dono, Mário Simonsen, levou Chico e Daniel para a TV Tupi. ''João Calmon convidou Chico para a direção do Telecentro, central de shows de humor. Dirigi o Chico Anysio Show ao vivo. Mas também fui dirigir o programa da Bibi Ferreira e ele ficou com ciúmes, me dispensou. É assim, irascível e adorável, estoura mas depois fica de bem... Quando saiu do Telecentro para ficar só como ator indicou Boni para a função, que não esquentaria lugar, aceitando o convite de Walter Clark para integrar-se à Rede Globo'', lembra Daniel. Era final da década de 1960, a Tupi arquejava. Mas não sucumbiria sem antes fomentar o encontro criativo de Chico Anysio e Arnaud Rodrigues, ator e redator. ''Eu atuava e escrevia programas humorísticos quando Chico chegou à emissora. Sonhava em trabalhar com ele. Era carnaval quando passou dever de casa para todos os redatores. Não só fiz como apresentei sugestões. E a partir daí ficamos escrevendo juntos o Chico Anysio Show', gaba-se Arnaud.

   Afinada e cheia de fôlego, a dupla seguiu junta para a Record, em 1968, emplacando a Escolinha do Professor Raymundo à tarde e escrevendo a quatro mãos Mil Caras de Ouro e um Cara de Pau, esquetes com participação de artistas. ''Nessa época, o programa Chico Anysio Show ganhou o prêmio Roquette Pinto de humor. Foi quando escrevemos ''A Praça'', um quadro onde satirizávamos a decisão de um certo coronel que modificou, para pior, o trânsito de São Paulo. No caso, criamos uma pequena cidade onde todas as ruas convergiam para a praça e lá os motoristas ficavam sem saída'', detalha o co-criador de pelo menos metade dos 209 personagens do amigo cearense. Chico e Manga também se reencontraram na emissora. Este dirigia o programa Jovem Guarda, que lançou Roberto Carlos. Com Chico, criou Ternurinha e Tremendão, para Erasmo Carlos e Wanderléa. Repetidos incêndios e a asfixia de programas líderes de audiência, como Esta Noite se Improvisa, que premiava com carros os astros vencedores - Chico foi um deles -, carimbariam o passaporte do trio para a nova, mas ainda incipiente, televisão de Roberto Marinho. (Ethel de Paula)

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''Eu, eu trabalho na Globo, tá legal!'

Parece lorota do Pantaleão: Chico Anysio entra para a Rede Globo de Televisão graças a um supermercado. Lá, junto a Arnaud Rodrigues, cria Chico City

   ''Não garavo''. O criador de Alberto Roberto teve seu período de fastio da televisão. Ao longo do ano de 1968, nenhuma emissora se destacava das demais e Chico Anysio preferiu fazer shows em teatros Brasil afora. Até que a direção do Supermercado Disco propôs a criação de um programa para ser veiculado na Rede Globo de Televisão, emissora inaugurada em 1965. Livre para criar, topou. ''Foi quando nos reencontramos, eu já como diretor de novelas. Ele me pediu ao Boni e fizemos Chico Especial. Eram cenas improvisadas em vários lugares do Rio de Janeiro, rápidas. Foi tamanho o sucesso que a Globo aderiu. Evoluímos então para o Chico em Quadrinhos, programa com 50 minutos, vários personagens e pelo menos 120 piadas. Era mais de uma piada por minuto e pouca coisa pré-escrita. É que sempre tivemos uma sintonia muito fina em matéria de ironia'', revela Daniel Filho.

   Não eram largos, porém, os primeiros passos da Rede Globo. Chico Anysio chegou a ser dispensado: contenção de despesas. ''No início, as coisas eram difíceis. Mas assim que tive dinheiro liguei para ele, que estava em excursão pelo Nordeste, e disse para vir. Sugeri que voltasse com os personagens queridos do público. Era incrível como ele conseguia, só com a voz, revelar as características de cada um. Foi quando criou Chico City, onde os tipos todos moravam numa mesma cidade do interior. A partir de então, dei carta branca e sempre confiei em decisões inovadoras como essa'', vaticina José Bonifácio Sobrinho, o Boni, ex vice-presidente de operações das Organizações Globo. O prestígio ainda permitiu que Chico convidasse o ator e redator Arnaud Rodrigues para juntos escreverem o programa, em 1971. ''Chico City era governada pelo prefeito Walfrido Canavieira, corrupto. Pantaleão encerrava o programa contando uma mentira, confirmada por Terta, sua mulher. O afilhado, Pedro Bó, fazia comentários vis. Foi também em Chico City que o Professor Raymundo deixou de fazer sabatina para dar aula'', esmiuça Arnaud.

   Na Globo, no entanto, não foi via Chico City que o amado mestre primeiro arrotou sabedoria. ''Adorei receber o professor Raymundo no programa Balança mas não Cai, do qual era diretor. Era um dos quadros. Depois eu era quem participava do programa dele porque criou o Da Júlia, que contracenava com o glorioso Alberto Roberto. E o nome do meu personagem foi uma homenagem à minha mãe, Júlia. Depois disso, nos tornamos irmãos, sempre trabalhando juntos'', conta o ator e comediante Lúcio Mauro. A quatro mãos, Chico e Arnaud ainda escreveriam os roteiros de Linguinha, Azambuja no Fantástico, Azambuja & Cia. Enquanto isso, Chico City crescia. Ao final da década de 70, o diretor Carlos Manga optou por gravá-lo todo fora de estúdio. Coronel Lidu, Profeta, Coalhada, Gastão e Nazareno tornaram a cidade ainda mais cômica.

   Novo enfado. Chico City cansou a beleza do criador. Boni entendeu, pôs um filme no lugar. Pós-hiato, Chico retorna ladeado pelo irmão cineasta, Zelito Viana. A idéia: um programa mensal para ele sozinho, os personagens contracenando. ''Dirigi Chico Total e aprendi muito sobre o ator Chico Anysio, que tem uma percepção fantástica do metiê. Ele sabe onde está a câmera, é concentrado, não gosta de repetir quadros nem de ensaiar. O que vale é a primeira tomada, como se depois a piada perdesse a graça. Também tem um respeito enorme pelos personagens meio-gente, a ponto de não se deixar ver maquiar. Um dia, me deu um esporro porque lhe dei uma bengala que não era a do Popó'', lembra o caçula. Uma década antes, um já havia conhecido o outro como profissional. ''Chico diz que o cinema é a arte do diretor e, ele, como ator, perde o controle sobre todas as variáveis, coisa que tem na televisão. No filme O Doce Esporte do Sexo, de 1971, quis dirigi-lo, repetir cenas, mas era inexperiente. Isso o chateava'', imagina.

   Livre, o criador pariu todos os tipos: o mau-caráter, o velho, o jovem, o gay, o malandro, o preto velho, o pastor, o desempregado, o atleta, o puxa-saco... Mas se o período de abertura política, nos anos 80, foi particularmente marcado pelo humor social da satírica Salomé - a gaúcha que gozava do direito de telefonar para o presidente João Figueiredo, criticando-o e afirmando a liberdade de expressão -, a década de 1990 deve à Escolinha do Professor Raymundo a derradeira janela por onde o Brasil, prenhe de auto-estima, brecharia as últimas gaiatices de mestres da dramaturgia nacional, como Brandão Filho, Grande Othelo, Zezé Macedo, Walter d'Ávilla. ''Chico provou que os veteranos do rádio e da televisão brasileira não podiam estar encostados. Não bastasse, desencadeou o processo de renovação de elenco do humor televisivo. Veja que todos os que hoje brilham - Cláudia Jimenez, Cláudia Rodrigues, Tom Cavalcante, Heloísa Perrisé - passaram primeiro pela 'escola' dele. Eram, ao todo, mais ou menos 60 artistas. Eu e Zezé Macedo fazíamos a lista das precisões junto aos mais velhos, cujos salários não cobriam suas despesas. Chico nunca se recusou a ajudar'', conta a veterana Berta Loran.

   Boni foi um dos que, em 1990, apostou no potencial da Escolinha... para convertê-la em programa independente. Não por bondade. O programa era o único que, na Rede Globo, não perdia em audiência para a novela Pantanal, da Rede Manchete. ''Começou com sete minutos, passou para 15, 20, isso porque o ibope crescia proporcionalmente ao concorrente. Na minha gestão, pela lógica, tornou-se diário. Mas o fato é que a televisão brasileira tem sido injusta com seus ídolos. Chico é um mestre atualmente mal utilizado, poderia estar transmitindo sua experiência, descobrindo talentos, não fazendo ponta no Zorra Total'', opina Boni. Em 2002, prestes a completar 50 anos, acabaram as 'aulas'. O diretor Daniel Filho lamenta e bate: ''O que hoje está no ar em matéria de humor só teria a ganhar se passasse pela mão do Chico. Mas existe uma nova televisão que fez um corte meio radical, desprezando tudo o que havia para trás. A televisão de ouro já foi feita, tanto é que só repetem ou partem de antigos formatos. Não haverá outro Chico Anysio, nos tornamos clássicos em vida e por isso mesmo não estamos superados. Não passamos, apesar do esforço de alguns para nos tirar de cena''. (Ethel de Paula)


HINO TIM TONES

''Nos portais do escurecer
Frente as trevas do pavor
Sob a luz de um bem querer
Glória ao nosso salvador
No negror da antiga era
Nasce a luz de uma quimera
GlÓria ao nosso redentor

Tim Tones ...Glória Tim Tones
Oásis nos desertos da dor

Tim Tones ... Glória Tim Tones
BonanÇa nos tempos do amor...'

(© NoOlhar.com.br)


Casadoiro e sedutor

Aos 73 anos, Chico Anysio está no sexto casamento. Depois de três atrizes, uma cantora e uma ministra, conheceu a fisioterapeuta malga de Paula, com quem vive hoje no Rio de Janeiro

   Fimose para lá de bem sucedida. Operado na juventude por ninguém menos do que o cirurgião plástico Ivo Pintanguy, Chico Anysio, casadoiro assumido, jamais perderia a piada. ''Eu era amigo de faculdade do Antônio Carlos Gigliotti, marido de Lupe, irmã do Chico, e me aproximei da família. Operei Chico e ele criou lendas por aí... Mas o bom é que fez muitas mulheres felizes e tenho certa responsabilidade sobre isso. Por isso, figura entre meus casos de absoluto sucesso'', brinca o médico. Aos 73 anos, o 'ex-paciente' está no sexto casamento. A fisioterapeuta e hoje empresária Malga de Paula, 34, é a atual musa. Antes dela, porém, ocuparam-lhe o lado esquerdo do peito, por ordem de união, as atrizes Nancy Wanderley, Rose Rondelli e Alcione Mazzeo; a cantora Regina Chaves e a ex-ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo.

   Sedução com elegância. Para Alcione Mazzeo, Chico é mestre em conquista porque usa a inteligência. ''Estava começando como atriz e tinha sido capa de revista quando fui gravar um quadro do Azambuja. Ele passou a me telefonar. Mas fiquei com caxumba e, como não podia sair, passávamos horas conversando. Então começou a me mandar os livros que tinha escrito, seus discos. Quando fiquei boa, veio na minha casa e findamos numa padaria, comprando coisas para irmos tomar café da manhã no jóquei, vendo o sol nascer. Depois, quis saber como era a casa dos meus sonhos. 'De janelas brancas e portas azuis'. Alugou uma exatamente assim, além de inventar 'o nosso dia', só para me presentear. Como resistir? Casei em 1978, apaixonadíssima!', derrete-se a atriz que teve a honra de, entre os tipos criados pelo ex-marido, ser a namorada do Bozó.

   Regina Chaves era uma das Frenéticas quando conheceu Chico Anysio numa convenção da gravadora de ambos - ele gravava discos de humor à época. ''Namoramos e casamos logo e jamais me arrependi. Ele é um marido maravilhoso, caseiro, não traz insegurança alguma, ama estar em família, com os filhos'', garante. Atualmente, a ex-cantora trabalha como assistente direta do ex-marido. Também já integrou seu elenco de apoio, prendendo a língua para encarnar Cinésia. Mas, inesquecível, para ela, foi a criação do Painho. ''Estávamos voando para Roma e de repente ele começou a escrever, inspirado em um amigo meu, mentor espiritual, guru e muito divertido. Dormi e ele misturou isso com a lembrança de Sandra Gadelha, ex-mulher do Gil, que vivia cercada de empregadas na Bahia. Quando acordei já estávamos acertando chamar Dudu Moraes e Edir de Castro, duas Frenéticas, para serem as cunhãs'', ri-se.

   Nancy Wanderley, uma das belas atrizes do teatro de revista da década de 1950, caiu de amores dada a insistência do iniciante Chico Anysio. ''Era quatro anos mais velha, estava no auge, contracenando com Oscarito e Grande Othelo, mas ele só falava em casar. Logo me levou para conhecer a família, que no início foi contra. Ameaçou sair de casa por mim e isso tudo, somado ao seu brilhantismo profissional, foi me cativando. Um mês antes da escolinha acabar falou em mim como exemplo de quem deixa de fumar depois de anos. Jamais casei depois dele, não há páreo para alguém tão sui-generis'', admite. Exuberância sempre foi flagrante pré-requisito nas escolhas amorosas de Chico Anysio, vide a também ex Rose Rondelli, vedete conhecida como uma das ''certinhas do Lalau'', atualmente em viagem de férias pela Europa. Exceção à regra, a ex-ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo, hoje morando nos Estados Unidos, recusou-se a comentar, via e-mail, a união com o pai de seu casal de filhos.

   Na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro, reina absoluta a atual esposa de Chico, Malga de Paula, 34. Com total apoio do marido, a ex-cantora gaúcha deixou a carreira de lado para tornar-se empresária. É proprietária de um spa e investe na fabricação de alimentos dietéticos. O amor aconteceu sob a benção de Dolores Duran, in memorian. ''Eu estava pesquisando sobre Dolores Duran, queria gravar um disco só com músicas dela. Vi que Chico era um de seus letristas prediletos, gravou vários baiões dele. Então vim ao Rio de Janeiro entrevistá-lo. A conversa foi longa, eu querendo ir embora e ele puxando outros assuntos. Até que começou a chover e me ofereceu carona, ia para o aeroporto. Foi se arrumar, pediu para eu dobrar a manga da camisa... E fomos embora. Mas não parou de ligar para o celular. Falou que na volta iria me buscar em Porto Alegre. E foi. Disse: 'Vim te buscar, vamos'. E eu vim'', suspira. (EP)


SILVA

''Safadim e... Bunitim. Vamos comer uma panelada na casa do Cheroso''

''Onestado Veridiano da Silva não é mais caixeiro viajante. Já faz tempo que saiu de Souza, na Paraíba, sua cidade natal e fixou residência em Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro. Nada tem de bonito ou charmoso; nada tem de elegante ou atraente; não é homem de cultura, capaz de envolver uma mulher através do que se chamava de lábia. Nada a seu favor, mas as mulheres enlouquecem por ele. Nos tempos idos, dizia-se que as pessoas assim eram as que tinham ''borogodó''. Pode não passar de impressão, mas a loucura das mulheres por ele é tanta que eu estou apostando uma nota como o que o Silva tem é o tal do borogodó''
Fonte: www.chicoanysio.com

(© NoOlhar.com.br)


Capital do humor

   Maranguape, terra-natal de Chico Anysio, arvora-se à guardiã de sua memória. Para tanto, a prefeitura municipal, através da Fundação Viva Maranguape de Turismo, Cultura e Esporte, firmou parceria com a A2 Comunicação & Eventos a fim de captar recursos financeiros para a implementação do projeto Maranguape - A Capital do Humor. O todo divide-se em três etapas: a instalação de um memorial na casa onde o artista nasceu, reunindo um acervo interdisciplinar relacionado à sua vida e obra; a construção da Casa do Humor, local para formação e hospedagem de humoristas e a realização de um festival de humor. As ações, sistêmicas e complementares, estão orçadas em R$ 400 mil, recurso a ser captado via leis de incentivo à Cultura..

   O primeiro passo já foi dado. De 2 a 4 de julho próximo, a cidade sedia o I Festival de Humor de Maranguape. Com o tema: As Sete Artes de Chico Anysio: ator, cantor, compositor, diretor, escritor, pintor e comediante, distribui R$ 7 mil em prêmios nas categorias humor, cartum, charge, caricatura, quadrinhos e humor virtual. Artistas de todo o Nordeste brasileiro já podem adquirir fichas de inscrição na Fundação Viva Maranguape de Turismo, Cultura e Esporte (Pç Senador Almir Pinto, s/n - Centro) ou na A2 Comunicações (av. Pontes Vieira, 301 - Joaquim Távora. Site: www.a2online.com.br. Telefones: (85) 472.5126/272.1394.

   Em Fortaleza, o Escritório do Humor, espaço para pesquisa, criação de textos, promoção de palestras, seminários e circulação de espetáculos cômicos, conseguiu carimbar no calendário cultural o Dia Estadual do Humor. Não à toa, 12 de abril, data de nascimento de Chico Anysio. A lei nº 13.317 de 02 de julho de 2003, apresentada em forma de projeto pelo deputado estadual Artur Bruno, presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Assembléia Legislativa do Ceará, foi aprovada por unanimidade. Em janeiro último, na esteira do Ceará Riso Fest, a data comemorativa veio à público oficialmente. Em sua primeira edição, o festival de humor local serviu de vitrine para novos talentos e artistas veteranos. Homenageado, Chico Anysio fez o show de encerramento do evento. Para junho, o Chico pintor. Até o final do mês, no Centro Cultural Oboé, 30 telas do artista permanecem expostas. Com visitação aberta ao público. Na av. Almirante Barroso, 734. Info.: 219.4649.

(© NoOlhar.com.br)


Alunos saudosos

   Ex-alunos da extinta Escolinha do Professor Raymundo contam sobre os personagens que lhes renderam fama e risos. Cacilda, Nerso da Capitinga, Armando Volta, Cascatinha, Ademar Vigário

   Cacilllllllllda! A língua safada da atriz Cláudia Jimenez causava alvoroço na sala-de-aula, enrubecia o professor Raymundo, mas era o orgulho do criador da Escolinha. ''Chico Anysio me viu no teatro e me levou para a televisão. É o homem mais importante da minha vida, aprendi tudo com ele em 12 anos de convivência profissional. Dizia que eu era sua filha. Cacilda foi um sucesso estrondoso, nunca pensei que aquela maluca que se vestia igual a Xuxa pudesse render tantos comerciais e apresentações em eventos. Só dava eu. Sabe a Juliana Paes sem precisar de bunda?', gargalha alto. O pai postiço que vibrava na alegria também deu a mão quando preciso. ''Na época em que tive câncer e ainda não era tão querida na Globo como sou hoje ele foi lá em cima, falou com Boni e pediu que fosse feito tudo por mim, como, de fato, foi'', emociona-se a gordinha sexy que também viveu Pureza, outra criação de Chico.

   Nerso por conta de quê? Porque Chico Anysio quis assim. E o ator Pedro Bismark, recém-chegado de Juiz de Fora, Minas Gerais, não ousaria contrariar o ídolo e mestre. ''O Nerso da Capitinga, originalmente, era Denilso. Eu já tinha esse personagem, famoso em Minas Gerais, e a Globo de lá conhecia quando o indicou para a Escolinha. Nerso era irmão do Denilso. Mas Chico gostou mais de Nerso, assim como mudou meu nome artístico também, que era Pedro Bis. Vou discutir com um pedaço de homem bobo desse, uai?!', arremeda sua cria. Para o ator, era Chico quem dava a temperatura do programa. ''No dia em que não estava cem por cento o elenco também não funcionava. Para nós, não só era uma honra como estimulante ter um escada com o potencial e a generosidade do Chico Anysio, que segura o seu talento pra gente poder aparecer. Eu me beliscava'', elogia.

   A propaganda de uma caderneta de poupança revelou para Chico Anysio o prodígio Davi Pinheiro, há quase 20 anos. ''Fiz participações em vários programas seus e tive a honra de entrar para a Escolinha no auge, início dos anos 90. Chico criou o Armando Volta, irmão mais novo do Rolando Lero, interpretado pelo 'monstro' Rogério Cardoso. Ele também encarnava o aluno puxa-saco. Para diferenciar um do outro, o meu foi ficando com um visual mais carioca, bermudão colorido, óculos escuros e, um belo dia, testei, antes da gravação, uma gíria da época: 'Somebody Love'. Riram. Bom, representar para aquele grupo seleto de comediantes, com o nível de exigência deles, não era fácil. Pensei: 'Vai funcionar com o professor'. No meio do quadro, improvisei: 'Somebody Love'! Ele apoiou a cabeça com a mão sobre a mesa, como de praxe, respirou e repetiu: 'Somebody Love.... Corri pro abraço! Acertei!. Daí, foi só amaciar o amado mestre com aquele presentinho e o bordão: 'Estava andando pela rua quando me deparei com este lindo canivete. Pensei: 'por que comprar? por que não comprar? Comprei-o-o. Aceite, é de coração'', relembra.

   Castrinho estava afastado de televisão na década de 1970 quando Chico Anysio o convidou a voltar. ''Ele me solicitou um personagem e eu criei o Cascatinha. 'Meu garoto!. 'Meu pai, pai!. Abria e fechava o programa comigo e aquilo significava um elogio. Chico é o maior fenômeno de humor que conheço. Acho que devia ter um programa para se conversar com ele, saber dos tipos, da história da televisão brasileira, dos artistas que conheceu. Mas, hoje, não sei se o que há é inversão de valores ou aversão a valores'', cutuca. Amigo íntimo, o ator Lúcio Mauro usou a seu favor a vida particular do cearense de Maranguape. Era o professor chamar seu Ademar Vigário para as intimidades do mestre virem à tona. ''Falava do joelho inchado, da cabeça grande, da fimose feita pelo Pitanguy, descobria com os irmãos dele a primeira prostituta com que se meteu e ia por aí... Zélia Cardoso de Melo rendeu muita piada, coitada. Ele morria de rir porque não sabia quem eram meus informantes'', revela-se. (Ethel de Paula)
Conterrâneos do riso

   Tom Cavalcante, o João Canabrava. Karla Karenina, a Meirinha. João Neto, o Zé Modesto. Cearenses que passaram pela Escolinha do Professor Raymundo contam como conseguiram chegar até o mestre e o que aprenderam
Apadrinhamento surpresa. O então governador Ciro Gomes, fã declarado da voz rasgada da empregada doméstica Meirinha, quis ter com Karla Karenina. ''Eu havia entrevistado Patrícia Gomes, na época sua esposa, há pouco tempo em meu programa na TVC. Nos bastidores, contei que ia parar e ela lamentou porque o marido me adorava. Meses depois, ligam do Cambeba já marcando a audiência com ele, que simplesmente pegou o telefone e discou para Chico Anysio. Tremi. Quando me passou o telefone estava supertímida. O Ciro então cochichou: 'Fala com a voz da Meirinha'. Eu falei. Daqui a pouco todos estavam rindo, eu mais de nervoso, né? Chico elogiou e me pediu que mandasse uma fita. Mandei, ainda que meio desacreditada. Um mês depois, o próprio me liga: 'Está pronta para vir pro Rio de Janeiro?. Quase desmaio. E chegando lá jamais consegui vê-lo apenas como colega de trabalho. Eu contracenava com um mito, sempre, apesar do sentimento de paternidade que transmite a todos'', confessa.

   Para Karla, sobraram gozações, além de sugestões. ''Ele encostava o ouvido nas minhas costas para identificar de onde vinha a voz da Meirinha. Não achava que era da garganta. Também enxugou o visual dela. Me convenceu da força da personalidade da personagem. Portanto, não havia motivo para tanta maquiagem e aquele excesso de figurino. Chico aposta na interpretação e rejeita o caricato, o que é uma lição para nós'', recorda a atriz que participou por dois anos da Escolinha do Professor Raymundo. Ao contrário da colega, João Neto topou com Chico Anysio no melhor estilo cara-de-pau. Soube que o ídolo estava na cidade e foi até o hotel onde estava hospedado. Na época, fazia sucesso como entrevistador do programa Zé Modesto Dez e Meia. A fama local chegou aos ouvidos do mestre antes dele próprio. ''Fui de book na mão e quando cheguei lá, nervoso que só o diabo, ele falou: 'Você é o famoso Zé Modesto?. Aí eu me senti, fui dizendo logo que redigia meus próprios textos, que isso, que aquilo e ele calado, só olhando a marmota. De repente, falou: 'Esse ano vou levar cinco. Já tenho um. Me mande seu material. E foi embora'', ri-se.

   No Rio de Janeiro, ao longo de um ano como aluno da Escolinha, João aprendeu que não existe meio-personagem. ''Ele dizia que esse negócio de 'faz aí sem figurino mesmo ou sem maquiagem' não existe. É tudo ou nada'', reproduz. Na escola do humor, também não era recomendável dar um passo maior do que as pernas. ''Vi gente sendo demitida porque resolveu improvisar, cantou lá uma musiquinha durante a gravação e ele não gostou'', afirma. Os recados cifrados faziam sim parte do dia-a-dia da gaiata sala-de-aula. ''Quando se desentendeu com o Tom Cavalcante vez em quando o professor Raymundo perguntava: 'Cadê o João Canabrava? Não veio? Ah, é porque tá faturando alto...', revela.

   Tom admite. Houve mesmo uma rusga. Mas nada que maculasse a amizade de ambos, que, aliás, também começou em forma de assédio. ''Fiquei sabendo que estaria na casa de um primo no Icaraí e fui bater lá. O segurança quis me barrar mas ele intercedeu a meu favor e me deixou mostrar a fita cassete onde havia gravado várias vozes que eu fazia. Ao final, já me convidou para trabalhar com ele. Pensei que estava tirando sarro da minha cara. Mas não. Isso foi em 1986'', recupera. Começou atrás das câmeras: por dez anos, Tom Cavalcante foi redator dos programas de Chico Anysio. Só então estreou, 'bêbado' e 'passando a régua', na Escolinha do Professor Raymundo. ''Vi nascer vários tipos porque era aquele 'mala' que penetrava nas reuniões quando deixavam a porta aberta. Gênios como Max Nunes, Arnaud Rodrigues, Henfil e Mauro Rasi passaram por ali. Sem falar dos inesquecíveis colegas de cena: Lúcio Mauro, o homem das noitadas no Leblon; Zezé Macedo e seus gatos... Ah que saudade...', suspira o hoje consagrado humorista, cujo primeiro show nacional foi dirigido por Chico Anysio. (Ethel de Paula)

(© NoOlhar.com.br)


O humor via Maranguape

Flávia Marreiro
Especial para O POVO

   Houve um tempo, ali pelos anos 80, em que escolher entre os humorísticos Viva o Gordo ou Chico Anysio Show era uma pendenga quase séria. Minha mãe, mineira, preferia o Jô para implicar com meu pai, cearense de Canindé, que até para virmos de lá a Fortaleza preferia a estrada do Maranguape (que demora bem mais) a do Tabapuá.

   Rinha doméstica à parte, ''sou mais o Chico'' - e não só para meu pai - era a resposta natural, uma espécie de dever cívico cearense, um índice do papel de Chico Anysio na chamada cearensidade. Era, junto com Renato Aragão, não por acaso dois humoristas, os nossos representantes, em horário nobre, na mídia do Sul.

   Se o humor tem hoje esse espaço na (auto) imagem cearense - está na programação turística, nas conversas das calçadas, nesse orgulho de frescar com tudo e de se achar o povo mais gaiato do Brasil -, parte disso se cola no sucesso televisivo de Chico e ao empurrão que ele acabou dando à segunda onda dos humoristas cearenses, ''os novos''.

   Apesar do esforço de Chico em se afastar de qualquer pecha de ''artista regional'' e se firmar como humorista versátil, capaz de encarnar personagens de todos os tipos e origens (a Bahia de ''Painho'', o Rio de Janeiro do ''Jovem''), foi a empatia de um personagem ''cearense de Maranguape'' que ele levou por mais tempo na carreira: o professor Raymundo Nonato.

   ''Vai comendo Raymundo, quem mandou vir do Norte?', era o bordão do professor, nos primeiros tempos do rádio - embora Chico já morasse no Rio desde criança, era chamado de ''Ceará'' pelos amigos. Fazia todo sentido perguntar, no auge do movimento migratório brasileiro na década de 50 e 60, quem estava mandando toda aquela leva de ''paraíbas'' para o eixo Rio-São Paulo. Nos anos 90, com menos migração, mais integração e ditames do politicamente correto, o bordão perderia a segunda parte.

   Quando o personagem ganhou um programa inteiro, A Escolinha do Professor Raymundo, nos anos 90, a história do ''nortista'' letrado e mal pago, a sofrer no sul, uma espécie de alterego de Chico, era recontada a cada vez que Ademar Vigário (Lúcio Mauro) atribuía a ele as maiores façanhas do mundo.

   O Brasil ouvia e reouvia a saga da seca e da fuga dela, toda a valentia e sofrimento dos cearenses: tudo obviamente e devidamente desautorizado pelo deboche.

   Foi quando começaram a aportar no programa ''os novos humoristas cearenses'', que já faziam shows em Fortaleza.

   A Escolinha... serviu de trampolim nacional e reforçador do circuito humorístico local (como diz o professor Gilmar de Carvalho, num outro fenômeno típico cearense: precisa fazer sucesso no eixo para ser levado a sério no Estado).

   Tom Cavalcante e Meirinha, para citar os que passaram mais tempo no programa da Globo, mas de certa forma, Tiririca, Falcão, Skolástica, Adamastor Pitaco e Rossicléa pegaram carona - às vezes com a chancela, às vezes a contragosto de Chico - nessa ''via Maranguape''.

Flávia Marreiro é jornalista, nasceu em BH mas cresceu em Canindé. Escreveu ''Irreverência cearense: atualização e permanência'', publicado em Bonito pra chover - ensaios sobre a cultura cearense (Edições Demócrito Rocha, 2003). Hoje em SP, morre de saudade do iiiih-hiiii!

(© NoOlhar.com.br)


Filhos na gaveta

Pai de oito, Chico Anysio é família demais, apesar da própria natureza do trabalho, geradora de um tipo de presença mais qualitativa do que quantitativa

   Projetos de gente na gaveta da mesa de trabalho, aninhados entre coeiros e chupetas. O olho do dono ali, dividido entre a cria e o ganha-pão. Para estar perto dos filhos enquanto trabalhava, compulsivo, ao longo de dias e noites, o ator-redator Chico Anysio improvisou, a seu modo, o melhor berço que podia. ''Todos nós, à exceção de Rodrigo e Vitória, os caçulas, filhos da Zélia Cardoso de Melo, dormiram 'engavetados'. Lembro de ter visto o Cícero, seis anos mais novo do que eu, ali, do lado do papai, quietinho. Isso me vem como um gesto de carinho e o som da máquina de datilografia ressurge feito música para os ouvidos, está colado na memória'', agradece Bruno Mazzeo, 27, hoje, coincidência ou não, escriba moderno, roteirista de programas televisivos.

   No rol das brincadeiras domésticas, uma unanimidade: 'Cabecinha'. ''Era um jogo com bola dentro da piscina. Papai mandou fazer uma trave e a gente jogava de cabeça um para o outro. Quando lembro disso acho que uma das frases que ele mais disse na vida foi 'não corre em volta da piscina'', ri-se o filho único da atriz Alcione Mazzeo. Nizo Neto, 40, guardou recôndita a capacidade de reinvenção e raciocínio do pai. ''Ele gostava de uns jogos de tabuleiro, mas sempre mudava regras, o que me parece sintomático. Nunca consegue jogar como a diz regra, inova... Então, já mandava fazer outro tabuleiro, adaptava. Um prazer também era ir ao jóquei, até hoje temos cavalos lá e os primeiros foram batizados com nossos nomes: Lord Nizo, Lord Rico, Lord Bruno'', adianta a cria do segundo casamento de Chico com a vedete Rose Rondelli.

   A ausência acumulada meses por conta de shows cômicos Brasil afora merecia compensação pelo menos uma vez por ano. ''Sua presença era mais qualitativa do que quantitativa, então sempre programava turnês pelo Nordeste em julho, quando os filhos estavam de férias. Aquilo virava uma excursão, até os primos iam. Eu adorava. Ficava brincando no camarim, ia pra mesa de som, assim como sempre gostei muito de acompanhá-lo nas gravações, embora sempre preferisse os bastidores da tevê'', revela Bruno. Nada de gracinhas e mungangos na intimidade. Os números testados em casa, junto à cria, soavam menos como piadas, mais como trabalho. ''Papai sempre foi uma pessoa séria, na dele, mas com muito senso de humor ao mesmo tempo. Não é um cara engraçado, como era meu avô, mas tem suas tiradas...', atesta Nizo. E presepadas. Como o dia em que, para mexer com a filharada, chegou da Rede Globo vestido de Véio Zuza, a cara preta. ''Mas a empregada impediu que entrasse, por não reconhecê-lo'', recordam, aos risos.

   Sucesso à parte, os filhos garantem que Chico nunca os incentivou a seguir carreira artística, sabedor das artimanhas do mercado. Assim mesmo, a maioria provou da fruta - ou ainda prova, mesmo que sem tanto apetite. Nizo, que viveu seu Pitolomeu, o sabichão da Escolinha do Professor Raimundo, é o único que ainda segue carreira como ator de teatro e televisão. ''Já tinha feito a novela Sinhá Moça, Casos Verdades, mas o boom de popularidade veio ao contracenar com meu pai'', admite. Primogênito, Lug de Paula, 47, filho único de Chico com a atriz Nancy Wanderley, chegou a emplacar dois personagens junto ao 'amado mestre', mas optou por morar em Tocantins e montar uma produtora. ''Calunga, o assistente de Bento Carneiro era o meu predileto, mas o público se apaixonou mesmo foi pelo seu Boneco, que, aliás, era um personagem que criei para brincar com meus filhos. Quando papai viu, achou que funcionaria na tevê'', relata.

   Há ainda quem tenha ouvido tanto que se confundiu. ''Ele me dizia: estude, estude. E acho que ouvi: estúdio, estúdio, estúdio'', pilheria, Rico Rondelli, 35, também filho do segundo casamento de Chico, hoje diretor de imagem da Rede Globo. ''Lembro que criança fiz o Negritinho, neto do Véio Zuza, assim como quase todos os filhos. Mas interpretar nunca foi a minha. Vibrei muito mais quando ele me levou à cabine do Maracanã e o vi comentar o jogo ao lado de Galvão Bueno e Pelé. Ganhei até uma bola de presente e, em meio à torcida que assediava, fui confundido com Bebeto, o que me levou inclusive a dar autógrafos de brincadeira. Escrevia: 'Rico'. Papai viu aquilo e perguntou: 'O Zico está aqui?. 'Não é Zico, pai, é Rico'', diverte-se.

   Exceção à regra, Cícero Chaves, 21, cria da ex-Frenética Regina Chaves, quarta esposa de Chico, preferiu a Faculdade de Desenho Industrial à carreira artística. ''Sou avesso à mídia e acho que a única coisa que herdei do meu pai foi o gosto pela pintura. Ele pinta desde a década de 1980 e me estimulou a ter aulas dos 3 aos 15 anos. Chegamos a expor juntos, mas me afastei, requer tempo'', resume. André Lucas, 34, é o filho cármico de Chico, ''não por laço de sangue, mas por escolha nossa''. Único autorizado a decidir sobre sua carreira e obra, imita com perfeição as 209 vozes dos personagens do pai e é o diretor de seu mais recente show: Eu Conto, vocês Cantam. ''Na intimidade, entre irmãos, chegamos a fazer dez programas escritos e interpretados por nós, com o Chico de cara limpa. Chama-se O Show é Nosso. Mas profissionalmente comecei fazendo o filho do Tim Tones - podem correr a sacolinha... Depois, na Escolinha..., fiz o bicheiro Aranha, que virou motorista de táxi e, por fim, o Puliça, sucesso até hoje'', observa o também comediante.

   Do quinto casamento de Chico Anysio com a ex-ministra Zélia Cardoso de Melo ainda vieram Rodrigo, 12 e Victória, 10. Os xodós da família moram nos Estados Unidos, mas sempre passam férias no Brasil com o pai. ''Os dois são muito engraçados e queridos. Mesmo morando distante, ainda podem ser contagiados pela família de artistas, sim. É só dar tempo ao tempo'', sugere Bruno. (Ethel de Paula)

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OPINIÃO

Marcos Palmeira:
Sobrinho tiete
''Comecei minha carreira fazendo teatro amador, mas na televisão foi com tio Chico o meu primeiro trabalho, em 1983. Fazia o Clisares, uma bichinha, ajudante do Painho. Ele, da minha família, foi sempre quem acreditou em mim como ator. Meu pai demorou um pouco a acreditar. E meu tio era então a pessoa que eu ligava para levantar algumas questões, saber quem é fulano, como me relaciono com sicrano. Sempre fui um admirador. Lembro que ia em sua casa e pedia para imitar pessoas. Fui o sobrinho tiete, porque meu tio é como se fosse um segundo pai pra mim. Adorava o Linguinha, gostava de imitar o Roberval Taylor. Pra mim, ele é o maior comediante brasileiro, merecia ter um espaço maior da tevê, onde coordenasse, dirigisse, escrevesse os textos. Ele foi o cara que contornou meus exageros. Sempre pedia para que eu fizesse menos, mostrando como a televisão registra tudo. E em todo lugar que chegava as portas se abriam por conta do carisma dele. Acho que ninguém conseguiu chegar tanto no povão, só ele e Silvio Santos, talvez''. Marcos Palmeira de Paula, ator, sobrinho de Chico Anysio, filho de Zelito Viana.

Cininha de Paula:
a filha do Pandolé
''Foi meu tio Chico Anysio quem me levou para a televisão. E ele também é quem me convida para dirigi-lo. Soube que eu imitava o Pantaleão e o Severino Pandolé. Eu tinha feito Tablado aos 13 anos mas já fazia Faculdade de Medicina quando Augusto César Vanucci me ligou convidando para eu fazer a filha do Pandolé. Tinha então 18 anos. Saí quando me casei. E quando estava grávida ele voltou a me chamar para fazer um teste com o Carlos Manga para a hippie que estavam precisando, papel que o Daniel Filho tinha pensado para Sônia Braga. Passei e fiz um sucesso danado. Até crônica do Artur da Távola ganhei. Parei para fazer residência e quando voltei fui estudar direção. Quem dirigia o programa do tio Chico era Francisco Millani, fui assistente dele e depois de oito anos é que assumi a Escolinha do Professor Raimundo. Na verdade, por ser médica, dirigia e cuidava deles todos. Fazia diagnósticos quando passavam mal... A primeira vez que Rogério Cardoso sofreu problemas cardíacos fui eu quem identifiquei, ele reclamava de dor de estômago. Quando o próprio tio Chico infartou, fiquei ao lado dele na CTI. Nossa vida profissional e pessoal se confunde. Foi ele quem pôs meu ex-marido Wolf Maia na televisão, é padrinho de minha filha Maria Maia e autor do meu apelido''. Cininha de Paula, atriz e diretora, sobrinha de Chico Anysio, filha de Lupe Gigliotti.

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