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 Maria Bethânia em família e bem à vontade

A cantora baiana Maria Bethânia
 

Atendendo a um convite, Andrucha Waddington fez um documentário sobre a comemoração dos 60 anos da cantora baiana

LUIZ CARLOS MERTEN
Agência Estado

No Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, que chegando ao fim, já houve um filme fundado sobre lembranças de uma casa vazia. A casa era do banqueiro Walter Moreira Salles, na Gávea, filmada por seu filho João e filtrada pelo olhar do mordomo. Santiago pode não concorrer a prêmios, mas é um dos filmes mais importantes da edição deste ano (o mais?), Aquele que poderá marcar a história do documentário brasileiro. Há agora uma outra casa, de um outro clã. A de dona Canô, em Santo Amaro da Purificação, onde Maria Bethânia comemora seus 60 anos (e 40 de carreira).

Maria Bethânia é o título do documentário e a artista é certamente sua atração principal, mas a verdade é que divide a cena com o irmão, Caetano Veloso, e a mãe, dona Canô. Andrucha Waddington fez um filme sobre uma família brasileira, uma família especial, certo, mas o tom é de intimidade e, mais que isso, casualidade. Dona Canô e os filhos sentam-se naquela varanda e cantam. Não se diz muita coisa. Tudo o que importa vem dos olhares, dos gestos, das manifestações de carinho e das músicas. "Música boa é música antiga", dona Canô diz e está falado. O filho, a seu lado, ri.

Andrucha já havia conversado com Bethânia, que lhe disse que gostaria que ele fizesse um registro de sua festa de aniversário. Só que foi tudo decidido muito em cima da hora. Andrucha mal teve tempo de reunir uma equipe e embarcar. Chegou ao camarim de um show da cantora em Salvador, na véspera do aniversário e combinou – não queria fazer um documentário com perguntas. Queria que Bethânia o levasse, para onde quisesse.

Ela o levou para dentro de sua casa, de sua família, mas o filme não tomou esse formato em seguida. Andrucha montou o material colhido e seis meses depois, com o material quase editado, Bethânia o chamou para o sarau na varanda, uma coisa bem íntima, bem familiar, que ocupa a maior parte do documentário. A festa, propriamente dita, foi para os créditos finais. Andrucha quis interferir o mínimo possível. Para quem já foi acusado de cosmetizar o sertão – em Eu tu eles e Viva São João! –, ele assumiu a imperfeição, filmando, em digital, sem nenhum cuidado de iluminação. No interior da casa, quando Caetano canta, o rosto de Bethânia fica meio escuro. O que importa? O que vale é a emoção. Maria Bethânia custou R$ 400 mil bancados pela Quitanda. O documentário será lançado em cinema e DVD.

(© JC Online)


MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

"Ó Paí, Ó"

Fui ao lançamento da comédia baiana. De certa forma, SP tem um déficit de Brasil. E a Bahia, um superávit

O PALCO para o "pocket show" de Caetano Veloso foi montado ao ar livre, no meio daquele conjunto moderninho de prédios no Itaim, onde fica o Kinoplex, na segunda-feira da semana passada. Estamos no lançamento, para convidados, de "Ó Paí, Ó", a comédia musical de Monique Gardenberg, que estréia amanhã.
As pessoas vão chegando e se espremendo em torno do palco e na entrada das salas. Fotógrafos perseguem celebridades. Recepcionistas pedem para ver a pulseirinha VIP. Acenos, apertos de mão, perfumes, pipoca. Vai ter festa depois. Já tem convite? A gente se vê.

Meu avô paulista costumava dizer que São Paulo era o maior país do mundo e o mais amigo do Brasil. A frase é cheia de significados. De certa forma, São Paulo tem um déficit de Brasil. E a Bahia, um superávit. São pólos de uma dialética da qual o tropicalismo é um dos frutos.

Se a bossa nova é um encontro da Bahia com o Rio, o tropicalismo é um choque com São Paulo. A analogia, creio, da artista Lygia Clark -"A Bahia é o Velho Testamento e o Rio, o Novo"-, diz muito sobre a trajetória do samba, que chegou aos cariocas no tabuleiro das baianas, prosperou gloriosamente, fez-se cultura nacional, rebolou em Hollywood e atingiu seu formato mais cosmopolita e sofisticado com o gênio de Tom Jobim e o violão e o canto de João Gilberto, que encerrou o assunto.

O tropicalismo foi, em parte, uma reação ao que veio a seguir, na esteira do golpe militar: o festival grandiloqüente da canção de protesto, o samba de "raízes" (ou jazzificado, mas "social" e cafona, como no repertório de Elis Regina) e o nacionalismo varonil de setores da crítica e das platéias estudantis de esquerda.

O tropicalismo pretendia retomar a "linha evolutiva" de João Gilberto, na célebre expressão de Caetano Veloso na "Revista de Civilização Brasileira". Mas, na verdade, não tinha uma fórmula pronta. Paródicos e alegóricos criaram um curto-circuito ao colocar em contato formas aparentemente inconciliáveis.

Isso não seria possível sem a energia paulista, que forneceu a eletricidade da jovem guarda, a alta voltagem dos Mutantes, o espírito inovador de Rogério Duprat e, não menos relevante, a entusiástica e civilizatória acolhida dos poetas e críticos concretistas. O livro "Balanço da Bossa e Outras Bossas", de Augusto de Campos, deveria cair no "provão" da jovem crítica e ser reavaliado por chato-boys que acusaram os concretos de "pegar carona" na onda tropicalista, quando eles já militavam pela retomada do que consideravam a linha evolutiva do modernismo, representada pela então diminuída obra de Oswald de Andrade.

"Ó Paí, Ó" pouco ou nada tem de tropicalista. Ecoa, na realidade, um pouco da dramaturgia do mundo CPC -o Centro Popular de Cultura, que reuniu artistas de esquerda nos anos 60. É uma divertida comédia afro-baiana pós-CPC com música popular pós-tropicalista. Mas isso já está começando a ficar complicado. Como diria o filósofo, deixemos o sentimento sair do armário: dei boas risadas, fiquei triste e saí com mais "mixed feelings" em relação às utopias civilizatórias brasileiras.

(© Folha de S. Paulo, 29.03.2007)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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