Cantor oferece em E nosso mínimo é prazer! um trabalho refinado em
todos os aspectos – da seleção do repertório e arranjos ao encarte
MARCOS TOLEDO
Depois de dois discos temáticos (um dedicado à obra de Nelson
Ferreira e o outro à de Capiba), o cantor Gonzaga Leal retorna a um
repertório mais diversificado em seu novo álbum, E nosso mínimo é
prazer! (independente). A obra mantém o padrão de requinte das três
anteriores lançadas pelo intérprete, tanto na apresentação visual quanto
na escolha de composições, arranjos, execução e convidados. O destaque
fica por conta da comunicação de Gonzaga com artistas das mais diversas
gerações.
Apreciador de um estilo popular clássico, o cantor estreou em 2000
com O olhar brasileiro de Gonzaga Leal, CD no qual interpreta
temas que vão de Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos, passando por Moacir
Santos e Capiba, até Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Paulinho da
Viola e Paulo César Pinheiro, entre outros. Com intervalos de dois anos
entre um trabalho e outro, lançou ainda Minha adoração: um tributo a
Nelson Ferreira e Gonzaga Leal cantando Capiba... e sentirás meu
cuidado.
A exemplo dos antecessores, E nosso mínimo é prazer! chama à
atenção primeiramente pela qualidade do material gráfico, book com 34
páginas em capa dura com miolo em papéis cuchê, madeira e manteiga. As
ilustrações valorizam os bordados da artesã mineira Dulce Magalhães e
objetos de uso pessoal do artista, como a xícara que o acompanha em suas
apresentações. As informações técnicas também são bem detalhadas. “Isso
expressa o cuidado que tenho com meu trabalho, um respeito do artista
com a própria imagem, mas também com o público”, afirma.
Uma preocupação com a imagem que, por vezes, chega a parecer
excessiva. Mais uma vez, o encarte do CD traz diversas fotos de Gonzaga.
“Não é só narcisismo”, tenta explicar o cantor. Com a ajuda do amigo
Romildo Moreira, diretor de seu show, conta que essa auto-adoração tem a
ver com sua personalidade plural, inquieta, de querer atuar em vários
segmentos ao mesmo tempo, com muitas pessoas diferentes – muitas delas
igualmente registradas nas páginas centrais do álbum.
O encarte é também uma homenagem a um formato do qual sente saudade,
o dos antigos LPs. “O vinil era muito bom. Gostava de colecionar as
capas, algo que hoje o CD simplificou. Fazendo um projeto gráfico dessa
ordem, é também uma forma de o ouvinte saboreá-lo por meio de um
trabalho cuidadoso.”
Voltando ao objeto principal, a bolachinha encartada dentro de
aparato gráfico tão sofisticado, o intérprete fala que a fez movido a
muita paixão e sensibilidade. “Mas também estava muito antenado”,
ressalva. “Não tenho compromisso com esse ou aquele gênero. Canto aquilo
que me toca, de acordo com a textura da minha voz.”
Assim, Gonzaga passa a reunir agora em seu repertório desde temas
antigos, como Você tem açúcar (Roberto Martins & Osvaldo
Santiago) a moderníssimos, a exemplo de Se vê que vai cair deita de
vez (Junio Barreto). Algumas canções são praticamente inéditas, como
é o caso de Terra estrangeira, que o amigo Zé Miguel Wisnik fez
para o filme homônimo de Walter Salles, porém, que ficou de fora da
trilha sonora original, e Mortal loucura, também de Wisnik,
composta para o espetáculo Onqotô, do Grupo Corpo, de Belo
Horizonte. Lula Queiroga, Siba, Tom Zé, Fábio Tagliaferri, Luiz Tatit,
Itamar Assumpção, Marlui Miranda, Edu Lobo, Chico Buarque e Marco Polo
figuram entre os demais autores.
O rol de convidados também reflete a diversificação e a qualidade do
trabalho. Participam os cantores Lula Queiroga, Ná Ozzetti, Alaíde
Costa, Mônica Feijó, Isaar e Edjalma Freitas, o rabequeiro Siba, os
grupos Choro Brasil e SaGrama, e o maestro, violonista e arranjador
Nenéu Liberalquino. Isso, sem contar a lista de instrumentistas, todos
renomados na cena musical local, alguns até nacionalmente. “Todos os que
estão no CD estão fazendo aquilo que eu jamais poderia fazer”, justifica
Gonzaga. Para harmonizar todo esse time, Gonzaga contratou Cláudio
Moura, que assina a regência e direção musical. “Ele é de uma
competência e possui um método de trabalho incrível”, fala o cantor.
Mesmo com a preocupação de excelência com todos os fundamentos de uma
gravação, a obra poderia ficar comprometida se o intérprete descuidasse
de um fator importante: a própria voz. O esforço do cantor para
aperfeiçoar seu instrumento inclui aulas com a professora Geni Katz.
“Ela trabalhou bastante os graves. Estudei muito para atingi-los”,
lembra.
E o nosso mínimo é prazer! encerra com uma faixa curiosa, um
bônus intitulado A verdadeira história de Seu Waldir, referência
ao tema anterior, composto por Marco Polo. Polêmica nos anos 70, quando
interpretada pelo autor em sua banda Ave Sangria, Seu Waldir tem
sua história passada a limpo pelo próprio Marco Polo.
Apesar de já estar nas lojas, o álbum só terá um lançamento oficial
no dia 8 de agosto, no Teatro Santa Isabel. Até lá, Gonzaga Leal espera
conseguir viabilizar a participação de todos os músicos do disco e uma
preparação de palco (som, cenografia, figurino) compatível com a
excelência técnica do CD.
(©
JC Online)