A Pedra do Reino traz maestria de Antunes Filho e dos atores do CPT.
Peça terá nova temporada na cidade
Fabiana Moraes
As cenas criadas por Antunes Filho em seu espetáculo A Pedra do
Reino, que estreou no Recife na quinta-feira, no Teatro de Santa Isabel,
demoram a sair da cabeça. Sensoriais, festivas, felizes, elas
transbordam o deslumbramento que o próprio diretor confessa ter sentido
quando teve seu primeiro contato com o romance do armorialista. É
delicioso ver o imaginário de Quaderna entrando e saindo do palco
enquanto ele narra suas desventuras monárquico-sertanejas: ele vai
falando e, simultaneamente, pulam no palco personagens como o comunista
e o integralista, a menina que um dia Quaderna amou, as festas e
cantadores que povoaram sua infância.
Algumas soluções encontradas por Antunes sublinham a sua extrema
competência no trato cênico: aparentemente simples, as saídas e entradas
de alguns personagens dão um susto. Tem gente que aparece e desaparece
no meio dos ruidosos grupos que entram e saem rapidamente do palco nu.
Não há pirotecnia: uma atriz sobe num banquinho para falar aos
presentes. Entram outros personagens, que a cercam. De repente, ela sai
de cena, ainda uma cabeça acima de todos. Todos saem e a gente vê que o
banquinho não está lá – e não se vê nenhum dos atores se baixando para
pegá-lo. Pode parecer besta, mas é de um tempo e de uma delicadeza
teatral que transmite perfeitamente essa doidice onírica que povoa a
mente de Quaderna.
Lee Tahlor, que interpreta o protagonista do romance, merece a
cobertura de elogios. É sagaz, engraçado, inteligente e com um incrível
jogo de cintura para se safar das encostadas na parede que leva do
corregedor. Ou seja, se apropria bem dos heróis mais relevantes do
universo de Suassuna.
Lee também personifica, com sua cara entortando pra lá e pra cá e as
pilhérias em torno das posições políticas sobre as quais Ariano sempre
foi cobrado (“Detesto esses dois!”, diz, ao apresentar o advogado de
esquerda e o integralista). Ao tirar um lenço azul e outro vermelho do
bolso, anuncia que adotou as duas cores porque sempre adorou ambas –
aparentemente, ele está apenas se referindo-se aos dois grupos que se
encontram na cavalhada da Pedra do Reino. Mas a leitura dessa cena é bem
mais ampla do que se sugere. “Sou um monarquista de esquerda”, como o
próprio Quaderna se intitula, é uma eficaz maneira de adequar o autor e
seu personagem.
Além de Lee, os outros 19 atores do Centro de Pesquisa Teatral do
Sesc São Paulo também demostram um talento fundamental para o sucesso da
encenação. Entre eles, Marcelo Villas Boas (o corregedor que tenta
enquadrar Quaderna mas ao mesmo tempo deixa-se seduzir por suas ervas
medicinais) Angélica Di Paula, Cláudio Sobral, Eric Lenate, Rodrigo
Audi, Chantal Cidonio são alguns deles. Eles dividem-se entre a
interpretação de variadíssimos personagens – são onças castanhas, são
religiosos obesos, são os Dantas, os Vilar e os Pessoa. A música ao vivo
é executada por eles mesmos. Destaque para a bandinha marcial que vai
passeando pelo palco enquanto seus membros tocam tarol e clarinete. De
encher olhos e ouvidos. A peça termina exatamente como o romance de
Suassuna: não há um final para o que aconteceu com Dom Quaderna – cabe
ao leitor e ao espectador traçar suas próprias considerações sobre as
desventuras e aventuras do rapaz. É lindo o encerramento do espetáculo.
No Santa Isabel, estavam presentes Ariano e sua esposa Zélia e o
governador Eduardo Campos e a primeira-dama Renata Campos. No final do
espetáculo, Antunes sobe ao palco para elogiar “o maior escritor vivo do
País” e puxa um Parabéns a você para o secretário de Cultura, que já
havia sido aplaudido quando entrou no teatro. Em tempo: está na hora de
os teatros locais endurecerem mais com os atrasos dos espectadores.
Na estréia, o público chegou às 20h, horário do início do espetáculo.
Mas havia quem chegasse 20 minutos depois, com a peça em andamento no
palco. Uma senhora abusou: chegou às 21h. E foi levada para seu lugar
pela equipe do Santa Isabel. Para quem não conseguiu comprar bons
ingressos, uma boa notícia: a peça volta ao teatro na quinta, onde segue
até domingo.
SERVIÇO:
A Pedra do Reino
- Dir. Antunes Filho, com base na literatura de Ariano Suassuna
De 24 a 27 de maio, às 20h, e 31 de maio a 1º de junho, no Teatro de
Santa Isabel, Praça da República, s/n, Santo Antônio.
Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda na bilheteria do
teatro, das 9h às 18h, e nas lojas Esposende dos shoppings Recife e
Tacaruna
Informações: (81) 3232.2940