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 Antonio Risério mostra utopia da fraternização na "verdadeira" Salvador

Foto Adenor Gondim

O antropólogo, historiador e poeta baiano Antônio Risério
 

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Não é à toa que a chuva abra esta primeira incursão do poeta e antropólogo Antonio Risério na ficção, uma novela voltada para o público juvenil. O aguaceiro exerce duas funções principais, além da poética, esta última entrevista já no belo primeiro parágrafo.

A primeira conjuga-se com a tentativa do autor de desmistificar a visão turística que a maioria dos leitores pode ter de Salvador, onde transcorre a história. Ao contrário da idéia solar que se possa ter da capital baiana, choveria ali muito mais do que em outras localidades brasileiras, a ponto de o autor chamá-la de "cidade das águas bruscas".

A "verdadeira" Salvador

A "verdadeira" Salvador comportaria, então, a chuva e também os bairros da periferia, onde os morros deslizam com as torrentes repentinas, soçobrando casas e matando gente.

Assim, às zonas elegantes unem-se outras, ocultas aos olhos da burguesia. São mundos que estariam "perigosamente se enganando e se ignorando". Além disso, trata-se de uma cidade feita não apenas de praias e de monumentos, mas do presente e dos movimentos citadinos. Em Itaigara, no Rio Vermelho, na Graça, na Barra -assim como em Curuzu e em Pirajá-, Risério procura focar não no que é típico em termos turísticos, mas no que é comum no cenário urbano.

Apesar de algumas escorregadelas nesse sentido, como o panorama do pôr-do-sol no Porto da Barra, a ação transcorre principalmente nas casas, nos becos, nas ruas, nos ônibus, e, sobretudo, no colégio onde se reúnem os protagonistas.

Microcosmo da cidade

O Colégio Antônio Vieira é um microcosmo dessa Salvador diversa. Convivem ali, dentre outros, a judia Rebeca; o mulato Ravi, filho de um ex-hippie que navegou na contracultura; Julinho, que quer ser cineasta e se descobre gay; o negro Marcos, apelidado de Dendê, beneficiário de uma bolsa de estudos. Eles conjugam as atividades escolares com festas, conversas pelo MSN, debates sobre ídolos pop, o álcool e a maconha, demonstrações de rebeldia, namoros.

Como não podia deixar de ser, nesta ficção sobre uma cidade de contrastes, o mais notável relacionamento amoroso se dá entre Rebeca e Dendê. Apesar do preconceito que cerca ou já cercou a família de cada um dos jovens, a desconfiança ameaça o namoro, de sorte que o casal sente que "uma guerra civil havia se instalado dentro do coração de cada um deles".

Trata-se de uma guerra civil que espelha os descompassos da cidade. Risério vê tudo isso, mas prefere refugiar-se na utopia da fraternização, do final feliz. Desse modo, a chuva funciona (trata-se de sua segunda função) como elemento congraçador, unindo ricos e pobres, alunos e professores, pais e filhos, num mesmo abraço pluvioso, trazendo a todos seu quinhão de mazelas ao lado da promessa final de renovação.

A BANDA DO COMPANHEIRO MÁGICO
Autor:
Antonio Risério
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 19,90 (96 págs.)
Avaliação: bom

(© Folha de S. Paulo)

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