SÃO PAULO - Ele está mais
moderado nas críticas, apesar de não deixá-las de lado. Dono de
clássicos, como Borbulhas de Amor, Mucuripe, Noturno e Deslizes, ele
continua falando de política, com ataques ao atual governo sem
deixar de mencionar os oito anos do governo FHC. "Vamos falar de
música ou de política?", questiona Raimundo Fagner, logo de início
em entrevista concedida à Agência Estado.
"Acho que o tempo está melhor para falarmos de
política", ironiza ele, diante do escândalo que provocou a queda do
ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, antes de aparecer a
outra denúncia que envolveria o presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL). "Agora vai se queimar um bando de gente ligado
ao PMDB", disse ele, parecendo prever o desenrolar da história.
Para o cantor e compositor cearense, pode-se
pensar que, de fato, o "Brasil não dá certo". "É um escândalo atrás
do outro e acho que não tem ninguém pra botar um cadeado", avalia.
Ao ser indagado sobre a manutenção de Gilberto Gil como ministro da
Cultura no segundo mandato de Lula, Fagner se esquiva. "Não queria
dar opinião sobre isso. Deixa (para fazer as críticas) quem colocou
Lula lá, quem foram os artistas que fizeram isso. Eu não quero meter
minha mão sobre esse governo".
Conhecido por manifestar abertamente suas
críticas, ele admite ter pagado um preço por essa postura. "Estou
pagando um preço por isso, de Caetano me chamar de fascista, meu
irmão Chico Buarque me olhar meio de esguelha. Mas não tenho nenhum
problema em manter minha opinião, em um País de
maria-vai-com-as-outras", critica.
Fortaleza
Mas nem só a política dominou o tom da conversa.
Em fase de lançamento de seu mais novo CD Fortaleza (Som Livre), que
será apresentado nesta sexta-feira, 1, em São Paulo, no Credicard
Hall, com repertório do novo disco e de grandes sucessos, Fagner
discorreu também sobre o projeto e as canções escolhidas. O nome do
disco partiu de uma homenagem à capital de seu estado natal, o
Ceará. "Fortaleza está crescendo demais, tomando uma dimensão de
Miami e as ações de quem a comanda parecem as mesmas de anos atrás",
conta ele.
Ainda assim, destaca o cantor, ainda há uma chance
para reverter o rumo que ele chama de "descaracterização".
"Fortaleza ainda tem intelectuais com voz, um passado cultural que
ainda está presente", ressalta. Por esta razão, inclusive, canta a
cidade de forma, assumidamente, romântica. "O meu disco é uma
Fortaleza romântica. Portanto, cantá-la foi uma tentativa de mostrar
como sempre foi Fortaleza, que ainda está lá, mas hoje está no rumo
de ser descaracterizada", diz.
Romances de lado, em No fundo dos Quintais, de
Sivuca com Paulinho Tapajós, há um trecho em que diz "tempo em que o
medo se chamou jamais". Seria uma forma de entoar uma esperança de
um dia em que o medo poderá sair fora do vocabulário, frente as
condições de segurança atuais? "Essa música foi feita há muito
tempo. Nunca cantei essa música num show e vou cantar pela primeira
vez aqui, em São Paulo. Como só tinha essa gravação com o Sivuca e
minha mãe que tinha morrido gostava muito dela, eu gravei pensando
nela. Gravei a música logo no começo do disco, antes da morte do
Sivuca. Portanto, não foi nenhuma homenagem a ele. Mas voltando a
tua pergunta, se o Sivuca já fez isso lá atrás, é bom deixar uma
esperança no ar, porque a gente está muito cético com tudo, mas é
bom deixar uma luz no fim do túnel", afirma.
Desastre familiar
O novo álbum, lembra ele, surgiu após duas perdas
importantes na sua vida, sua mãe e o irmão. "Um desastre familiar
total", relembra. O fio-condutor foi a canção "Preciso de alguém",
de Evaldo Gouveia e Paulo César Pinheiro. "Quando ouvi a primeira
vez essa música, bateu muito forte, no sentido de me levantar, de
dar a volta por cima". E acrescenta: "Representava, para mim, um
momento de muitas perdas".
A partir daí, Fagner começou a emoldurar o que
resultaria numa grande mistura de sentimentos, devoções e parcerias
- Jorge Vercilo, Zeca Baleiro, Fausto Nilo, entre outros. Após Donos
do Brasil, seu trabalho anterior à Fortaleza, onde o rumo era a
descoberta de um poeta cearense, Francisco Carvalho, o cantor
ressalta que este disco transmite o que ele viveu nos últimos
tempos, sem deixar de lado a preocupação com a poesia e a qualidade.
"Um disco muito meu, da minha vida".
Auto-retrato
O que mudou do disco Donos do Brasil para
Fortaleza?. "O anterior não foi trabalhado. Era um disco em cima da
descoberta de um grande poeta, tinha outra conotação. A preocupação
do disco era no fundo a descoberta do poeta, muito mais a razão da
minha paixão pela poesia, um poeta da minha cidade. Estava mais
preocupado em mostrar esse poeta do que no disco em si", analisa.
Agora, diz ele, é muito mais datado, sobre momentos que ele está
vivendo. Um auto-retrato da sua vida? "Pode ser", responde Fagner.