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 'Não sou voz solitária no deserto' 

17/06/07

 

Foto: Alexandre Belém/JC Imagem

 Ariano na casa onde vive, no Recife
 

Aos 80 anos, completados ontem, Ariano Suassuna revela como sua persistência agora é valorizada

Roberta Pennafort e Ubiratan Brasil

Ariano Suassuna se diz um obstinado. Não que precisasse se autodenominar nesses termos. Aos 80 anos (finalmente completados ontem), assim como em toda a vida, o escritor paraibano não abre mão de suas convicções pessoais, que o levaram à incansável militância pela preservação da cultura popular do Brasil e contra a mediocridade. Nem mede esforços para traduzir em palavras e imagens a grandeza de seu universo tão particular, de onde saíram personagens e tramas fantásticas - em todas as acepções da palavra.

“Quando estou convencido de que estou no caminho certo, eu não ouço ninguém”, conta Suassuna, com propriedade. Sorridente e com o carisma que já arrebatou platéias de todo o País, o escritor conversou com o Estado na segunda-feira passada, pouco antes da abertura da exposição em sua homenagem no Sesc do Flamengo, no Rio, na qual é apresentado como romancista, dramaturgo, poeta, professor, jornalista e homem público.

Ele disse que as comemorações dos 80 anos são exaustivas, mas dão prazer. Que jamais aceitou enquadrar-se para agradar à opinião pública, da qual prefere não ouvir a voz. Que não aceita a alcunha de inimigo das culturas estrangeiras, nas quais sempre bebeu e ainda bebe. Que tem uma enorme necessidade de mostrar em sua obra tudo aquilo que povoa sua imaginação, e a seu modo. E que sua esperança no Brasil e no futuro ninguém lhe tira.

“Eu sou um homem da esperança. Não sou como a maioria dos velhos, que dizem ‘no meu tempo, era tudo melhor’. Acho que no meu tempo era tudo pior. Melhorou muito”, apontou, para depois citar números do IBGE que mostram a diminuição dos miseráveis no País. Gilberto Gil também mereceu palavras de apoio por seu desempenho no Ministério da Cultura, “apesar das discordâncias artísticas”.

Além de ser um homem da esperança, Suassuna também é um homem de datas. Com graça, contou que, em tudo que escreve, coloca o dia em que concluiu. Às vezes prefere retardar um pouco o momento do ponto final para que coincida com o aniversário de alguém que lhe seja importante. A data do próprio aniversário, 16 de junho, ele deu, antecipadamente, a belas iluminogravuras que ganharam paredes da exposição no Rio. Diz uma delas, emoldurada por seus desenhos: “Não vou nunca envelhecer: com meu cantar, supero o desespero, sou contra a morte e hei de nunca morrer.”

Sua obra sempre foi uma espécie de contramão. Enquanto o parâmetro era a classe e a versatilidade da escrita de Machado de Assis, o senhor optava pelo romantismo; apesar do modernismo de Mário de Andrade, sua preferência era Euclides da Cunha. Como foi esse enfrentamento?

Sou muito teimoso, um obstinado. Quando estou convencido de que estou no caminho certo, eu não ouço ninguém. Hoje é menor, mas muitos reclamaram por eu não escrever como Graciliano Ramos. Não posso porque somos diferentes. Meu universo é completamente diferente. Ele só viu o que havia de pardo, de triste, de feio e de cinzento no mundo. E eu sou um homem animoso, da esperança, então tenho de ir na contramão. Infelizmente, existe uma corrente que quer que todo mundo escreva nessa linha, de Graciliano Ramos, na prosa, e de João Cabral de Melo Neto, que era outro meu amigo querido, a quem admirava muito. Mas sou muito diferente deles. Eu não posso. Para dar expressão ao meu universo interior, tenho que escrever de outra maneira.

Com relação à gestação da sua obra, por exemplo, o Auto da Compadecida: o senhor já tinha idéia de que seria uma peça de teatro ou poderia ser um romance?

Eu conhecia um folheto chamado O Testamento do Cachorro, escrito por um paraibano chamado Leandro Gomes de Barros. Na época, eu não sabia, porque era dado como anônimo. Mas depois um pesquisador chamado Evandro Rabelo descobriu que o folheto era de autoria de Leandro Gomes de Barros. Nessa época, eu fazia parte de um grupo do Recife que se chamava “O Gráfico Amador”. Eles faziam edições de arte, em uma prensa manual. Eles me encomendaram uma peça em um ato para editar. Eu conhecia aquele folheto desde menino e resolvi fazer uma peça em um ato. Acontece que tomei gosto pela parada e resolvi escrever em três atos. Terminou não saindo pelo “Gráfico Amador”, mas surgiu como Auto da Compadecida.

Em 2007, o senhor comemora uma série de datas: 50 anos da primeira encenação do Auto e 60 de Mulher Vestida de Sol. Também seus 50 anos de casado e 80 de idade.

É isso mesmo. Eu já tinha percebido. Sou muito atento a datas. Costumo marcar o dia em que concluo algum trabalho. Às vezes, quando me aproximo do fim e noto que um pouco depois tem uma data importante para mim, deixo para concluir naquela data. Por exemplo, A História do Amor de Fernando e Isaura, um pequeno romance em que fiz uma versão brasileira do mito Tristão e Isolda: eu terminei no dia 19 de julho, que é aniversário de minha mulher. A Pedra do Reino foi concluído em um 9 de outubro, que é o dia da morte de meu pai. Já terminei também uma peça no dia do aniversário de minha irmã Germana, 18 de novembro.

Há alguns anos, o senhor vem escrevendo seu novo livro, que terá diversas partes (uma dedicada aos índios, outra à descendência portuguesa, uma terceira reservada aos negros e uma quarta e última, para espanhóis, judeus e árabes). Mas, com tantas celebrações, o tempo para escrever deve ter encurtado.

É verdade. Outro dia um jornalista me perguntou: “Como vai o livro?” Eu disse: “Parado.” E ele: “E a Secretaria de Cultura de Pernambuco?” Respondi: “Meu amigo, só tenho feito comemorar 80 anos. Não faço mais nada. Faz uns dois meses ou três que só faço comemorar meus 80 anos.” Vou retomar o livro. Está sendo refeito pela milésima vez, mas não espalhe, porque estou com vergonha.

É curioso o assédio que a televisão agora lhe dedica, um meio que o senhor já criticou muito.

Já faz algum tempo, esse assédio. E começou, principalmente, por intermédio de Luiz Fernando de Carvalho. A primeira experiência que fizemos juntos foi em 1994. Ele me procurou e adaptou Uma Mulher Vestida de Sol. Depois, veio A Farsa da Boa Preguiça. Agora, A Pedra do Reino, nossa terceira experiência juntos. Nesse intervalo, fiz o Auto da Compadecida com o Guel Arraes.

Como Luiz Fernando consegue captar o essencial de sua obra?

Tenho uma identificação muito grande com ele. Eu sempre antipatizei um pouco com o realismo verista. Procuro um realismo que permita também o mágico e o fantástico, como em um folheto popular. Eu tenho em mim um poeta também, além do dramaturgo e do romancista. E sou uma pessoa que precisa dar expressão a uma parte do meu mundo interior, uma parte mágica, iluminada por imagens e às vezes também obscurecida por imagens. Ele é do mesmo jeito. Luiz Fernando não procura seguir uma realidade estreita, mas atingir uma realidade mais alta, através do poético. Isso combina muito comigo. Na Farsa da Boa Preguiça, por exemplo, ele fez isso muito bem. E, agora, com A Pedra do Reino, ele está ainda mais solto. Confiei de tal maneira nele e nos adaptadores, Braulio Tavares e Luiz Alberto de Abreu, que passamos uma semana juntos na casa de fazenda que tenho no sertão da Paraíba, conversando, conversando, até que eu disse: “Vocês têm total liberdade.” Eu nunca tinha dito isso a ninguém.

E com o Guel?

O trabalho me agradou muito. Ele começou a freqüentar minha casa ainda menino; somos amigos. Ele me pediu permissão porque pretendia introduzir cenas de outras peças minhas. Assim, colocou cenas de O Santo e a Porca, da Farsa da Boa Preguiça, de A Pena e a Lei. E me pediu licença também para usar cenas de clássicos, o que me deixou honrado. Algo como tirar o couro de Chicó, que é do Mercador de Veneza, de Shakespeare. Ou a história do marido que está sendo enganado e é trancado fora de casa: é de uma peça de Molière, que, aliás, eu encenei. Ao final, autorizei e não me arrependi.

O senhor se diz um esperançoso. É difícil para o povo brasileiro ter esperança hoje?

Eu sou um homem da esperança. Não como a maioria dos velhos, que dizem: “No meu tempo era tudo melhor.” Eu acho que no meu tempo era tudo pior. Melhorou muito. O que me angustia no Brasil, principalmente, é esse abismo entre o país dos privilegiados e dos despossuídos. E olha que está bem melhor, pois baixou a taxa dos que estão abaixo da linha da pobreza para 18,4%, a mais baixa da história brasileira. Ainda assim é um horror, porque significa perto de 40 milhões de pessoas. Mas isso alenta minha esperança. Se houver uma decisão política, essa dilaceração terrível e dolorosa pode melhorar.

Como o senhor analisa a gestão do ministro Gilberto Gil?

Fui favorável à escolha do Gil já na primeira vez e disse a razão: em vez de colocarem lá um burocrata, escolheram um artista, uma decisão muito importante. Em segundo lugar, ele é negro, em um país de maioria negra. Tenho discordâncias artísticas com relação ao Gil - inclusive, dei uma declaração da qual não me arrependi: durante a transição, eu disse que, se dependesse de mim, ele ficaria por prestigiar a cultura popular brasileira. Ele está sendo um bom ministro, muito melhor do que eu seria. Eu não saberia exercer essa função. Secretário estadual ainda vá lá, principalmente pela maneira com que foi criada a de Pernambuco: o trabalho que eu não sabia fazer foi executado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico, e eu fiquei somente com aquilo que eu sei fazer.

O senhor acredita que hoje é mais ouvida sua crítica em relação à invasão de outras línguas no Brasil?

De outras línguas, de outras culturas e da cultura de massa, sobretudo. Às vezes as pessoas me apresentam como um inimigo das outras culturas. Eu não sou! Seria até um ingrato! Eu devo muito a Molière, que é francês, a Goldoni, que é italiano, a Cervantes e a Calderón, que eram espanhóis, a Tolstoi e Dostoievski, que eram russos. Não é isso. O que não suporto é essa cultura nivelada pelo gosto médio, que procura o que, para mim, é o contrário da verdadeira universalidade, ou seja, a uniformização das culturas baseada no mau gosto. É contra isso que eu me debato. Felizmente, a situação está melhorando. Não sou mais uma voz solitária no deserto.

(© Agência Estado)


Iluminugravuras, de Ariano Suassuna, em mostra no Rio

Público passeia por sua vida e literatura no Art Sesc do Flamengo

Roberta Pennafort
 

Divulgação
Obra que integra a exposição Iluminugravuras, no Rio
RIO - Em seu 80.º aniversário, Ariano Suassuna ganha uma exposição que leva um pouco de seu universo ao Art Sesc do Flamengo, no Rio. A partir da terça-feira, 12, o público pode passear por sua vida e sua literatura, além de conhecer suas iluminogravuras (que integram imagem e texto) e obras de artistas plásticos influenciados por ele. Tudo foi disposto de modo a fazer brotar o interesse pela leitura de suas obras.

Está lá, logo no início da mostra, uma reprodução da Pedra do Ingá, bloco de pedras com inscrições de milhares de anos, localizado em sua Paraíba, que o marcou para sempre. Também está exposto um pouco do Movimento Armorial. Tocada por Suassuna, a iniciativa fundiu elementos de arte erudita e as raízes da cultura popular nordestina. Nas salas, serão ouvidos depoimentos sobre o homenageado, dados por gente que ele próprio escolheu: Fernanda Montenegro, Nélida Piñon e um amigo não-famoso.

“A intenção é aproximar o público desse universo do Suassuna, que não é conhecido, e estimular as pessoas sensorialmente. Não dá para encher a parede de textos, porque ninguém sai de casa para ler em pé”, explica Ana Luiza Lima, da Sarau Agência de Cultura Brasileira, uma das organizadoras. “Tem muita gente que viu os filmes, mas nunca sentou para ler os livros”.

Uma linha do tempo mostra a vida do mestre desde o nascimento, em João Pessoa, ao reconhecimento como um dos mais importantes escritores da língua portuguesa - passando pela juventude em Pernambuco, a publicação de suas peças (Auto da Compadecida, O Santo e a Porca, O Casamento Suspeitoso e outras), o lançamento do Movimento Armorial, a posse na Academia Brasileira de Letras e a adaptação de seus textos para a televisão e o cinema.

A exposição foi aberta na segunda, 11, para convidados.

(© Agência Estado)


Conheça traços biográficos do escritor Ariano Suassuna

Auto da Compadecida, é um dos mais importantes dramaturgos brasileiros
 
SÃO PAULO - Ariano Suassuna, autor do célebre Auto da Compadecida, é um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, além de romancista, poeta e ensaísta. Esta peça, escrita em 1955, projetou seu nome no cenário nacional e mais recentemente alcançou enorme repercussão, a partir das adaptações feitas para a televisão, com a minissérie exibida pela Rede Globo, em 1998, e para o cinema, pela Globo Filmes, em 2000. Ambas as produções foram dirigidas por Guel Arraes.

Tanto na literatura como na militância cultural, Suassuna tem um papel marcante como defensor da cultura popular, especialmente a nordestina. Idealizou o Movimento Armorial, lançado oficialmente, no Recife, em 18 de outubro de 1970, com o objetivo de realizar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da cultura do Nordeste brasileiro. O evento que marcou o lançamento do projeto foi o concerto Três Séculos de Música Nordestina - do Barroco ao Armorial e uma exposição de gravura, pintura e escultura, no Pátio de São Pedro, no centro da capital pernambucana.

Ele nasceu em João Pessoa, na Paraíba, em 16 de junho de 1927, filho do ex-governador João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna (1924-1928) e de Rita de Cássia Dantas Villar. Seu pai foi assassinado por motivos políticos no Rio de Janeiro, durante a revolução de 30, e a família mudou-se para Taperoá, onde morou de 1933 a 1937, quando realizou o curso primário. Em 1942, mudou-se novamente com a família para o Recife e estudou no Ginásio Pernambucano, no Colégio Oswaldo Cruz e na Faculdade de Direito. Lá fundou com Hermílio Borba Filho o Teatro do Estudante de Pernambuco.

Em 1947, escreveu sua primeira peça de teatro, Uma Mulher Vestida de Sol, baseada no romanceiro popular do Nordeste brasileiro e com ela ganhou o prêmio Nicolau Carlos Magno, em 1948. Depois, viriam O Desertor de Princesa (1948); Os Homens de Barro(1949, inédita); Auto de João da Cruz (1949); O Arco Desabado (1952); Auto da Compadecida (1955); O Santo e a Porca (1957); O Casamento Suspeitoso (1957); A Pena e a Lei (1959); Farsa da Boa Preguiça (1960); A Caseira e a Catarina (1962).

Nos anos 70 lançou o Romance D´a Pedra do Reino e o Príncipe de Sangue do Vai-E-Volta (1971, traduzida para o inglês, alemão, francês, espanhol, polonês e holandês) e História D´o Rei Degolado nas Caatingas do Sertão / Ao Sol da Onça Caetana (1976), classificados por ele de “romance armorial-popular brasileiro”, segundo o site da Academia Brasileira de Letras. Ariano Suassuna é imortal da Academia, para a qual foi eleito em agosto de 1989, passando a ocupar a cadeira n.º 32, de Genolino Amado, em 9 de agosto de 1990.

Ariano Suassuna casou-se com Zélia de Andrade Lima, em 19 de janeiro de 1957, com quem teve seis filhos: Joaquim, Maria, Manoel, Isabel, Mariana e Ana.

Entre suas atividades em Pernambuco, conforme registra o site da Fundação Joaquim Nabuco, Suassuna foi membro fundador do Conselho Federal de Cultura, de 1967 a 1973 e do Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco, de 1968 a 1972. Foi nomeado, em 1969, Diretor do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, ficando no cargo até 1974. De 1975 a 1978 foi Secretário de Educação e Cultura do Recife.

Interrompeu sua carreira de dramaturgo dar aulas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutorou-se em História pela mesma universidade, em 1976, defendendo a tese A Onça Castanha e a Ilha Brasil: Uma Reflexão Sobre a Cultura Brasileira. Foi professor por 32 anos, onde ensinou Estética e Teoria do Teatro, Literatura Brasileira e História da Cultura Brasileira. Aposentou-se como professor em 1994.

Depois disso, foi secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, no Governo Miguel Arraes (1994-1998).

(© Agência Estado)

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