Aos 80
anos, completados ontem, Ariano Suassuna
revela como sua persistência agora é
valorizada
Roberta Pennafort e Ubiratan Brasil
Ariano Suassuna se diz um obstinado. Não que
precisasse se autodenominar nesses termos.
Aos 80 anos (finalmente completados ontem),
assim como em toda a vida, o escritor
paraibano não abre mão de suas convicções
pessoais, que o levaram à incansável
militância pela preservação da cultura
popular do Brasil e contra a mediocridade.
Nem mede esforços para traduzir em palavras
e imagens a grandeza de seu universo tão
particular, de onde saíram personagens e
tramas fantásticas - em todas as acepções da
palavra.
“Quando estou convencido de que estou no
caminho certo, eu não ouço ninguém”, conta
Suassuna, com propriedade. Sorridente e com
o carisma que já arrebatou platéias de todo
o País, o escritor conversou com o Estado na
segunda-feira passada, pouco antes da
abertura da exposição em sua homenagem no
Sesc do Flamengo, no Rio, na qual é
apresentado como romancista, dramaturgo,
poeta, professor, jornalista e homem
público.
Ele disse que as comemorações dos 80 anos
são exaustivas, mas dão prazer. Que jamais
aceitou enquadrar-se para agradar à opinião
pública, da qual prefere não ouvir a voz.
Que não aceita a alcunha de inimigo das
culturas estrangeiras, nas quais sempre
bebeu e ainda bebe. Que tem uma enorme
necessidade de mostrar em sua obra tudo
aquilo que povoa sua imaginação, e a seu
modo. E que sua esperança no Brasil e no
futuro ninguém lhe tira.
“Eu sou um homem da esperança. Não sou como
a maioria dos velhos, que dizem ‘no meu
tempo, era tudo melhor’. Acho que no meu
tempo era tudo pior. Melhorou muito”,
apontou, para depois citar números do IBGE
que mostram a diminuição dos miseráveis no
País. Gilberto Gil também mereceu palavras
de apoio por seu desempenho no Ministério da
Cultura, “apesar das discordâncias
artísticas”.
Além de ser um homem da esperança, Suassuna
também é um homem de datas. Com graça,
contou que, em tudo que escreve, coloca o
dia em que concluiu. Às vezes prefere
retardar um pouco o momento do ponto final
para que coincida com o aniversário de
alguém que lhe seja importante. A data do
próprio aniversário, 16 de junho, ele deu,
antecipadamente, a belas iluminogravuras que
ganharam paredes da exposição no Rio. Diz
uma delas, emoldurada por seus desenhos:
“Não vou nunca envelhecer: com meu cantar,
supero o desespero, sou contra a morte e hei
de nunca morrer.”
Sua obra sempre foi uma espécie de
contramão. Enquanto o parâmetro era a classe
e a versatilidade da escrita de Machado de
Assis, o senhor optava pelo romantismo;
apesar do modernismo de Mário de Andrade,
sua preferência era Euclides da Cunha. Como
foi esse enfrentamento?
Sou muito teimoso, um obstinado. Quando
estou convencido de que estou no caminho
certo, eu não ouço ninguém. Hoje é menor,
mas muitos reclamaram por eu não escrever
como Graciliano Ramos. Não posso porque
somos diferentes. Meu universo é
completamente diferente. Ele só viu o que
havia de pardo, de triste, de feio e de
cinzento no mundo. E eu sou um homem
animoso, da esperança, então tenho de ir na
contramão. Infelizmente, existe uma corrente
que quer que todo mundo escreva nessa linha,
de Graciliano Ramos, na prosa, e de João
Cabral de Melo Neto, que era outro meu amigo
querido, a quem admirava muito. Mas sou
muito diferente deles. Eu não posso. Para
dar expressão ao meu universo interior,
tenho que escrever de outra maneira.
Com relação à gestação da sua obra, por
exemplo, o Auto da Compadecida: o senhor já
tinha idéia de que seria uma peça de teatro
ou poderia ser um romance?
Eu conhecia um folheto chamado O Testamento
do Cachorro, escrito por um paraibano
chamado Leandro Gomes de Barros. Na época,
eu não sabia, porque era dado como anônimo.
Mas depois um pesquisador chamado Evandro
Rabelo descobriu que o folheto era de
autoria de Leandro Gomes de Barros. Nessa
época, eu fazia parte de um grupo do Recife
que se chamava “O Gráfico Amador”. Eles
faziam edições de arte, em uma prensa
manual. Eles me encomendaram uma peça em um
ato para editar. Eu conhecia aquele folheto
desde menino e resolvi fazer uma peça em um
ato. Acontece que tomei gosto pela parada e
resolvi escrever em três atos. Terminou não
saindo pelo “Gráfico Amador”, mas surgiu
como Auto da Compadecida.
Em 2007, o senhor comemora uma série de
datas: 50 anos da primeira encenação do Auto
e 60 de Mulher Vestida de Sol. Também seus
50 anos de casado e 80 de idade.
É isso mesmo. Eu já tinha percebido. Sou
muito atento a datas. Costumo marcar o dia
em que concluo algum trabalho. Às vezes,
quando me aproximo do fim e noto que um
pouco depois tem uma data importante para
mim, deixo para concluir naquela data. Por
exemplo, A História do Amor de Fernando e
Isaura, um pequeno romance em que fiz uma
versão brasileira do mito Tristão e Isolda:
eu terminei no dia 19 de julho, que é
aniversário de minha mulher. A Pedra do
Reino foi concluído em um 9 de outubro, que
é o dia da morte de meu pai. Já terminei
também uma peça no dia do aniversário de
minha irmã Germana, 18 de novembro.
Há alguns anos, o senhor vem escrevendo
seu novo livro, que terá diversas partes
(uma dedicada aos índios, outra à
descendência portuguesa, uma terceira
reservada aos negros e uma quarta e última,
para espanhóis, judeus e árabes). Mas, com
tantas celebrações, o tempo para escrever
deve ter encurtado.
É verdade. Outro dia um jornalista me
perguntou: “Como vai o livro?” Eu disse:
“Parado.” E ele: “E a Secretaria de Cultura
de Pernambuco?” Respondi: “Meu amigo, só
tenho feito comemorar 80 anos. Não faço mais
nada. Faz uns dois meses ou três que só faço
comemorar meus 80 anos.” Vou retomar o
livro. Está sendo refeito pela milésima vez,
mas não espalhe, porque estou com vergonha.
É curioso o assédio que a televisão agora
lhe dedica, um meio que o senhor já criticou
muito.
Já faz algum tempo, esse assédio. E começou,
principalmente, por intermédio de Luiz
Fernando de Carvalho. A primeira experiência
que fizemos juntos foi em 1994. Ele me
procurou e adaptou Uma Mulher Vestida de
Sol. Depois, veio A Farsa da Boa Preguiça.
Agora, A Pedra do Reino, nossa terceira
experiência juntos. Nesse intervalo, fiz o
Auto da Compadecida com o Guel Arraes.
Como Luiz Fernando consegue captar o
essencial de sua obra?
Tenho uma identificação muito grande com
ele. Eu sempre antipatizei um pouco com o
realismo verista. Procuro um realismo que
permita também o mágico e o fantástico, como
em um folheto popular. Eu tenho em mim um
poeta também, além do dramaturgo e do
romancista. E sou uma pessoa que precisa dar
expressão a uma parte do meu mundo interior,
uma parte mágica, iluminada por imagens e às
vezes também obscurecida por imagens. Ele é
do mesmo jeito. Luiz Fernando não procura
seguir uma realidade estreita, mas atingir
uma realidade mais alta, através do poético.
Isso combina muito comigo. Na Farsa da Boa
Preguiça, por exemplo, ele fez isso muito
bem. E, agora, com A Pedra do Reino, ele
está ainda mais solto. Confiei de tal
maneira nele e nos adaptadores, Braulio
Tavares e Luiz Alberto de Abreu, que
passamos uma semana juntos na casa de
fazenda que tenho no sertão da Paraíba,
conversando, conversando, até que eu disse:
“Vocês têm total liberdade.” Eu nunca tinha
dito isso a ninguém.
E com o Guel?
O trabalho me agradou muito. Ele começou a
freqüentar minha casa ainda menino; somos
amigos. Ele me pediu permissão porque
pretendia introduzir cenas de outras peças
minhas. Assim, colocou cenas de O Santo e a
Porca, da Farsa da Boa Preguiça, de A Pena e
a Lei. E me pediu licença também para usar
cenas de clássicos, o que me deixou honrado.
Algo como tirar o couro de Chicó, que é do
Mercador de Veneza, de Shakespeare. Ou a
história do marido que está sendo enganado e
é trancado fora de casa: é de uma peça de
Molière, que, aliás, eu encenei. Ao final,
autorizei e não me arrependi.
O senhor se diz um esperançoso. É difícil
para o povo brasileiro ter esperança hoje?
Eu sou um homem da esperança. Não como a
maioria dos velhos, que dizem: “No meu tempo
era tudo melhor.” Eu acho que no meu tempo
era tudo pior. Melhorou muito. O que me
angustia no Brasil, principalmente, é esse
abismo entre o país dos privilegiados e dos
despossuídos. E olha que está bem melhor,
pois baixou a taxa dos que estão abaixo da
linha da pobreza para 18,4%, a mais baixa da
história brasileira. Ainda assim é um
horror, porque significa perto de 40 milhões
de pessoas. Mas isso alenta minha esperança.
Se houver uma decisão política, essa
dilaceração terrível e dolorosa pode
melhorar.
Como o senhor analisa a gestão do
ministro Gilberto Gil?
Fui favorável à escolha do Gil já na
primeira vez e disse a razão: em vez de
colocarem lá um burocrata, escolheram um
artista, uma decisão muito importante. Em
segundo lugar, ele é negro, em um país de
maioria negra. Tenho discordâncias
artísticas com relação ao Gil - inclusive,
dei uma declaração da qual não me arrependi:
durante a transição, eu disse que, se
dependesse de mim, ele ficaria por
prestigiar a cultura popular brasileira. Ele
está sendo um bom ministro, muito melhor do
que eu seria. Eu não saberia exercer essa
função. Secretário estadual ainda vá lá,
principalmente pela maneira com que foi
criada a de Pernambuco: o trabalho que eu
não sabia fazer foi executado pela Fundação
do Patrimônio Histórico e Artístico, e eu
fiquei somente com aquilo que eu sei fazer.
O senhor acredita que hoje é mais ouvida
sua crítica em relação à invasão de outras
línguas no Brasil?
De outras línguas, de outras culturas e da
cultura de massa, sobretudo. Às vezes as
pessoas me apresentam como um inimigo das
outras culturas. Eu não sou! Seria até um
ingrato! Eu devo muito a Molière, que é
francês, a Goldoni, que é italiano, a
Cervantes e a Calderón, que eram espanhóis,
a Tolstoi e Dostoievski, que eram russos.
Não é isso. O que não suporto é essa cultura
nivelada pelo gosto médio, que procura o
que, para mim, é o contrário da verdadeira
universalidade, ou seja, a uniformização das
culturas baseada no mau gosto. É contra isso
que eu me debato. Felizmente, a situação
está melhorando. Não sou mais uma voz
solitária no deserto.
(©
Agência Estado)
Iluminugravuras,
de Ariano Suassuna, em mostra no Rio
Público
passeia por sua vida e literatura no Art
Sesc do Flamengo
Roberta Pennafort
RIO
- Em seu 80.º aniversário, Ariano
Suassuna ganha uma exposição que leva um
pouco de seu universo ao Art Sesc do
Flamengo, no Rio. A partir da
terça-feira, 12, o público pode passear
por sua vida e sua literatura, além de
conhecer suas iluminogravuras (que
integram imagem e texto) e obras de
artistas plásticos influenciados por
ele. Tudo foi disposto de modo a fazer
brotar o interesse pela leitura de suas
obras.
Está lá, logo no
início da mostra, uma reprodução da
Pedra do Ingá, bloco de pedras com
inscrições de milhares de anos,
localizado em sua Paraíba, que o marcou
para sempre. Também está exposto um
pouco do Movimento Armorial. Tocada por
Suassuna, a iniciativa fundiu elementos
de arte erudita e as raízes da cultura
popular nordestina. Nas salas, serão
ouvidos depoimentos sobre o homenageado,
dados por gente que ele próprio
escolheu: Fernanda Montenegro, Nélida
Piñon e um amigo não-famoso.
“A intenção é
aproximar o público desse universo do
Suassuna, que não é conhecido, e
estimular as pessoas sensorialmente. Não
dá para encher a parede de textos,
porque ninguém sai de casa para ler em
pé”, explica Ana Luiza Lima, da Sarau
Agência de Cultura Brasileira, uma das
organizadoras. “Tem muita gente que viu
os filmes, mas nunca sentou para ler os
livros”.
Uma linha do tempo
mostra a vida do mestre desde o
nascimento, em João Pessoa, ao
reconhecimento como um dos mais
importantes escritores da língua
portuguesa - passando pela juventude em
Pernambuco, a publicação de suas peças (Auto
da Compadecida, O Santo e a Porca,
O Casamento Suspeitoso e outras),
o lançamento do Movimento Armorial, a
posse na Academia Brasileira de Letras e
a adaptação de seus textos para a
televisão e o cinema.
A exposição foi aberta
na segunda, 11, para convidados.
(©
Agência Estado)
Conheça traços biográficos do escritor
Ariano Suassuna
Auto da Compadecida,
é um dos mais importantes dramaturgos
brasileiros
SÃO
PAULO - Ariano Suassuna, autor do
célebre Auto da Compadecida, é um
dos mais importantes dramaturgos
brasileiros, além de romancista, poeta e
ensaísta. Esta peça, escrita em 1955,
projetou seu nome no cenário nacional e
mais recentemente alcançou enorme
repercussão, a partir das adaptações
feitas para a televisão, com a
minissérie exibida pela Rede Globo, em
1998, e para o cinema, pela Globo
Filmes, em 2000. Ambas as produções
foram dirigidas por Guel Arraes.
Tanto na literatura
como na militância cultural, Suassuna
tem um papel marcante como defensor da
cultura popular, especialmente a
nordestina. Idealizou o Movimento
Armorial, lançado oficialmente, no
Recife, em 18 de outubro de 1970, com o
objetivo de realizar uma arte brasileira
erudita a partir das raízes populares da
cultura do Nordeste brasileiro. O evento
que marcou o lançamento do projeto foi o
concerto Três Séculos de Música
Nordestina - do Barroco ao Armorial
e uma exposição de gravura, pintura e
escultura, no Pátio de São Pedro, no
centro da capital pernambucana.
Ele nasceu em João
Pessoa, na Paraíba, em 16 de junho de
1927, filho do ex-governador João Urbano
Pessoa de Vasconcelos Suassuna
(1924-1928) e de Rita de Cássia Dantas
Villar. Seu pai foi assassinado por
motivos políticos no Rio de Janeiro,
durante a revolução de 30, e a família
mudou-se para Taperoá, onde morou de
1933 a 1937, quando realizou o curso
primário. Em 1942, mudou-se novamente
com a família para o Recife e estudou no
Ginásio Pernambucano, no Colégio Oswaldo
Cruz e na Faculdade de Direito. Lá
fundou com Hermílio Borba Filho o Teatro
do Estudante de Pernambuco.
Em 1947, escreveu sua
primeira peça de teatro, Uma Mulher
Vestida de Sol, baseada no
romanceiro popular do Nordeste
brasileiro e com ela ganhou o prêmio
Nicolau Carlos Magno, em 1948. Depois,
viriam O Desertor de Princesa
(1948); Os Homens de Barro(1949,
inédita); Auto de João da Cruz
(1949); O Arco Desabado (1952);
Auto da Compadecida (1955); O
Santo e a Porca (1957); O
Casamento Suspeitoso (1957); A
Pena e a Lei (1959); Farsa da Boa
Preguiça (1960); A Caseira e a
Catarina (1962).
Nos anos 70 lançou o
Romance D´a Pedra do Reino e o
Príncipe de Sangue do Vai-E-Volta
(1971, traduzida para o inglês, alemão,
francês, espanhol, polonês e holandês) e
História D´o Rei Degolado nas
Caatingas do Sertão / Ao Sol da Onça
Caetana (1976), classificados por
ele de “romance armorial-popular
brasileiro”, segundo o site da Academia
Brasileira de Letras. Ariano Suassuna é
imortal da Academia, para a qual foi
eleito em agosto de 1989, passando a
ocupar a cadeira n.º 32, de Genolino
Amado, em 9 de agosto de 1990.
Ariano Suassuna
casou-se com Zélia de Andrade Lima, em
19 de janeiro de 1957, com quem teve
seis filhos: Joaquim, Maria, Manoel,
Isabel, Mariana e Ana.
Entre suas atividades
em Pernambuco, conforme registra o site
da Fundação Joaquim Nabuco, Suassuna foi
membro fundador do Conselho Federal de
Cultura, de 1967 a 1973 e do Conselho
Estadual de Cultura de Pernambuco, de
1968 a 1972. Foi nomeado, em 1969,
Diretor do Departamento de Extensão
Cultural da Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE, ficando no cargo até
1974. De 1975 a 1978 foi Secretário de
Educação e Cultura do Recife.
Interrompeu sua
carreira de dramaturgo dar aulas na
Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Doutorou-se em História pela
mesma universidade, em 1976, defendendo
a tese A Onça Castanha e a Ilha
Brasil: Uma Reflexão Sobre a Cultura
Brasileira. Foi professor por 32
anos, onde ensinou Estética e Teoria do
Teatro, Literatura Brasileira e História
da Cultura Brasileira. Aposentou-se como
professor em 1994.
Depois disso, foi
secretário de Cultura do Estado de
Pernambuco, no Governo Miguel Arraes
(1994-1998).
(©
Agência Estado)
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