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 Um famoso desconhecido

 

 Capa do livro O Menino de Puxinanã, de José Cândido
 

O alagoano José Cândido é autor de Carcará, que projetou Maria Bethânia, mas a fama nunca bateu à sua porta

José Teles
teles@jc.com.br

“Carcará, lá no sertão/é um bicho que avoa que nem avião/é um pássaro malvado/tem o bico volteado/que nem gavião”. Estes são os versos iniciais de Carcará uma das músicas mais fortes da MPB. Incluída no show Opinião, em 1964, foi o marco inicial da carreira de Maria Bethânia, que estourou nacionalmente com este baião em 1965. Carcará é assinada pelo maranhense (de Pedreiras) João do Vale e o alagoano (de Santana de Ipanema) José Cândido. No entanto, quem ficou conhecido por ela foi unicamente João do Vale (1934/1996).

Pouca gente lembra ou sabe quem é José Cândido. Muitos acreditam que ele entrou de carona na parceria, já que João do Vale foi useiro e vezeiro em vender música. Além do mais Carcará não é a única composição assinada pela dupla. Levam o nome dos dois estes clássicos do cancioneiro nordestino: Morena do grotão, O morceguinho (o rei da natureza), Ouricuri (segredo do sertanejo) e Pé do lagêro (Onde a onça mora).

José Cândido garante que nunca pegou carona no talento de João do Vale. Ele tem mais de 80 músicas gravadas, a maioria sem parceiros, e hoje mora em Aracaju. Há 20 anos, voltou para o Nordeste, depois de se aposentar da companhia de transportes urbanos do Rio de Janeiro, para onde se mudou nos anos 50. Todas as músicas que assina com João do Vale, reitera José Cândido, foram feitas apenas por ele: “Em algumas João botou, se muito, uma frase. Nunca compus com outras pessoas. Faço sempre tudo sozinho, letra e música”, revela Cândido, em entrevista concedida durante o VI Fórum de Forró de Aracaju, realizado no final do mês passado na capital sergipana.

“Um dia eu estava visitando Santana do Ipanema, quando vi um carcará fazer um rasante nos restos de uma fogueira no mato e apanhar com o bico uma cobra queimada e comer. Aquela cena me inspirou a compor a música”, conta José Cândido. Isto aconteceu em meados dos anos 50, ele já trabalhava como motorneiro (condutor de bondes), e sua diversão predileta era ir aos programas de auditório das rádios cariocas: “Fui assistir uma vez ao programa Sete Gonzagas, que era Luiz Gonzaga, o pai, Januário, e os irmãos. Aquilo me deixou tão emocionado que saí dali decidido a fazer um baião”, continua Cândido.

Fez não um, mas vários baiões que ficaram na gaveta até conhecer João do Vale, então começando a ter suas composições gravadas, mas ainda ganhando a vida como pedreiro: “Eu bebia com Nelson Cavaquinho, na praça da fome, que era onde se reuniam os compositores no Rio, foi lá que fui apresentado a João do Vale. Ele parou na mesa e falou com Nelson, e eu soube que ele era compositor. João era servente de pedreiro, dormia na obra, convidei ele para dormir naquela noite no meu quarto, onde havia uma cama sobrando”.

João do Vale não ficou apenas uma noite. Durante cinco anos dividiu o quarto com José Cândido. Dividiu também as parcerias: “Ele aprendeu as minhas músicas e levou para os cantores gravarem. Na primeira vez, foram gravadas três delas na Columbia, pelo cantor Aldair Santos. Eu não me importava que ele assinasse também, porque sem João eu não teria minhas composições conhecidas”, explica José Cândido.

Carcará, diz ele, passou dez anos na gaveta até entrar no musical Opinião: “Mostrei a muita gente e ninguém quis. Luiz Gonzaga foi um a quem ofereci a música, mas ele não gostou. E pensar que Carcará tem mais de 40 gravações”, comenta o compositor. Cândido afirma não guardar mágoa por ser ignorado como autor de canções que criou e que, geralmente, são citada apenas como de João do Vale: “Nunca me preocupei com isto. Carcará mesmo me deu muita alegria, ganhei um bom dinheiro com ela. Com João nunca nem discuti. Ele foi inclusive padrinho da minha primeira filha. Além disso esta coisa de dar parceria era muito comum naquele tempo. Muita música que João do Vale fez tem parceria de gente que não fez nada nelas. Eu também dei parcerias a outras pessoas que nem eram da música, dois bancários, Enock Figuereido e Osvaldo Eurico”, revela José Cândido.

PERTO DA FAMA

Mesmo sem ter alcançado a notoriedade de João do Vale, ele se tornou suficientemente conhecido nos meios musicais do Rio para freqüentar a casa de Luiz Gonzaga e ser amigo de Zé Gonzaga, irmão do Rei do Baião: “Muita gente gravou minhas músicas: “Marinês, Nara Leão, Chico Buarque, Zé Gonzaga, Trio Mossoró, Luiz Wanderley”, diz José Cândido. Dinheiro ele ganhou bem, na época em que Carcará foi gravada por Maria Bethânia: “Até hoje Carcará ainda rende um dinheirinho”, diz o compositor, que escreveu uma biografia intitulada O menino de Puxinanã. (Puxinanã é o nome do sítio em que nasceu). Forma que encontrou de deixar sua história à posteridade, já que não existe nenhum verbete dele nas enciclopédias de música brasileira.

No máximo, seu nome é citado como o parceiro desconhecido de João do Vale, que, compositor prolífico, curiosamente nunca cedeu parcerias a José Cândido: “Uma vez eu perguntei: João porque tu não me deixa botar meu nome nas tuas músicas? E ele respondeu: não deixo porque tu sabe fazer música”.

(© JC Online)

 

 

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