O rico acervo
do pesquisador pernambucano Liêdo Maranhão vai permitir a criação da Casa da
Memória Popular
Ernesto Barros
Especial para o JC
Há vários anos cobiçado por universidades européias e americanas, o rico
acervo do pesquisador popular Liêdo Maranhão tem a garantia de que não mais
sairá do Estado. Um projeto aprovado pelo programa Petrobras Cultural e pela
Lei Rouanet, com a participação da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), vai permitir a criação da Casa da Memória Popular, onde o material
coletado em mais de 40 anos pelo folclorista ficará abrigado para consultas
de pesquisadores, estudantes e demais interessados. Esta semana, o grupo que
está à frente do projeto esteve reunido pela primeira vez para estudar os
passos que serão seguidos, da ampliação da equipe até a escolha do ambiente
físico que vai sediar a Casa da Memória Popular.
“O acervo registra a história do povo”, exulta Liêdo, que está para
completar 82 anos. “Estava triste e até com insônia, preocupado com o
destino desse acervo, que retrata o povo e deve ser devolvido para o povo”,
explica. Todo o material coletado pelo pesquisador encontra-se guardado em
sua casa, no Bairro Novo, em Olinda. Durante toda a vida, o
cirurgião-dentista de formação praticamente guardou tudo em que pôs as mãos:
folhetos de cordel, santinhos de políticos, recordatórios de falecidos,
catecismos pornográficos de Carlos Zéfiro, manuais de culinária e de
medicina popular, cartazes e panfletos de toda sorte, além de uma profusão
de objetos que se perderam no tempo, como uma máquina impressora feita de
madeira.
Na sua casa, o também cineasta, escritor e memorialista expõe uma das
suas inúmeras paixões: uma coleção de esculturas realizadas com
ferros-velhos de antigas construções do Recife, batizadas carinhosamente de
pavão misterioso, caboclinho canindé, índio brasileiro, bola de ouro e até
uma que homenageia Dom Hélder Câmara. Além disso, Liêdo acumulou, durante os
anos que freqüentou o Bairro de São José, onde nasceu e foi criado, milhares
de histórias saídas da boca de camelôs, prostitutas, fotógrafos lambe-lambe
e cordelistas. As conversas registradas em vários cadernos, à maneira de um
diário, mantidas a dicção popular, já resultaram em livros como A fala do
povão, Marketing dos camelôs de remédio ou o mundo da camelotagem e Rolando
papo de sexo (Memórias de um sacanólogo), entre outros.
O projeto da criação da Casa da Memória Popular nasceu em 2003, com as
então estudantes de biblioteconomia Sanderly Strieder, Ana Valéria e Gláucia
Pedrosa. “Queremos dar visibilidade ao pesquisador popular que é Liêdo
Maranhão e a preservação do seu acervo”, esclarece Sanderly, que também está
escrevendo a biografia do pesquisador. “Ele tem muitas histórias, não só
sobre o que ouviu do povo, mas também pessoais, como os três anos que passou
na Europa, no final dos anos 50, estudando e viajando de carona”, conta a
bibliotecária. Para Liêdo, a viagem foi fundamental na sua vida: “Com a
saudade, voltei mais brasileiro, com muita vontade de conhecer a cultura do
povo”.
(©
JC Online)