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O amor comanda o cangaço

22/05/2009

 

 

Foto: Divulgação

O cineasta cearense Wolney Oliveira

Câmeras acompanham o casal de seguidores de Lampião que passou 66 anos em fuga

Daniel Schenker
ESPECIAL PARA O JORNAL DO BRASIL

Com o projeto do documentário O altar do cangaço, Wolney Oliveira faz um duplo resgate. O primeiro é referente ao cinema centrado no universo do cangaço, lembrado nos últimos anos apenas através de produções esparsas. O segundo diz respeito a dois personagens do filme – o casal formado por Moreno e Durvinha, remanescentes do bando de Lampião, que passaram 66 anos escondidos com medo de serem mortos.

Wolney Oliveira começou a registrar toda essa história em 2006. Contou com a ajuda do pesquisador João de Souza Lima (autor do livro Moreno & Durvinha – Sangue, amor e fuga no cangaço), que localizou cangaceiros, volantes (os patrulheiros que caçavam os fora-da-lei) e coiteiros (que davam abrigo aos cangaceiros). O levantamento das informações trouxe constatações interessantes.

– O homem humilde do campo tinha poucas opções: enveredar pelo cangaço, tornar-se volante ou viver na dependência de algum coronel. Vários viraram cangaceiros motivados por uma necessidade de vingança pessoal, já que a justiça não resolvia – explica Wolney, citando como exemplo o caso de Moreno. – Ele foi injustamente acusado de ter roubado um carneiro na época em que morava em Brejo Santo e levou uma surra.

Durvinha entrou para o cangaço aos 14 anos, depois de se apaixonar pelo cangaceiro Virgínio. Ele morreu e ela passou a viver com Moreno (foto), com quem teve um filho, Inácio, no final da década de 30. Perseguidos, entregaram o bebê (com apenas 29 dias de vida) para ser criado pelo padre Frederico, em Tacaratu, sertão de Pernambuco. Seguiram viagem e se estabeleceram em Augusto de Lima, interior de Minas Gerais, e depois partiram para Belo Horizonte. Tiveram mais cinco filhos e adotaram nomes falsos. E só reviram Inácio muitos anos depois, em 2005. Não foi um reencontro fácil. Inácio e uma de suas irmãs, Neli, não mediram esforços para viabilizá-lo.

– Mandei cartas para o programa Porta da esperança, do Silvio Santos, mas nunca consegui que colocassem minha história no ar. Neli ligou para Tacaratu, mas eu morava no Rio de Janeiro desde 1956 – lembra Inácio.

Depois de alguns desencontros, Inácio foi localizado. Apresentou-se à própria família por telefone. E marcou de ir até Belo Horizonte encontrar pais e irmãos em 10 dias. Mas não aguentou a ansiedade e antecipou a viagem. Levou receios na bagagem.

– Eu pensava: "Será que vão me aceitar como irmão? Como meu pai, cangaceiro, reagirá ao fato de eu ser policial?" – enumera Inácio, que embarcou rumo à capital mineira com o filho, Eudse, também policial.

Felizmente, os temores logo se dissolveram.

– Fui muito bem recebido. Quiseram, inclusive, que fosse morar com eles. Até tenho vontade de ter um espaço por lá. Mas fiz minha vida aqui no Rio – diz Inácio, que, além de Eudse, é pai de Marilane.

Moreno está com 99 anos. Durvinha morreu ano passado, aos 93. Inácio não se envergonha de ser filho de cangaceiros.

– Não tenho culpa do que os meus pais foram. O passado deles não me importa – sublinha, explicando que não foi registrado com o nome de Durval Gomes de Sá, escolha de seus pais, mas como Inácio Carvalho de Oliveira, em homenagem a Santo Inácio de Loyola. Os sobrenomes são do padre Frederico e de dona Senhora, a governanta que ajudou a criá-lo.

Com planos de lançar o filme em 2010, Wolney Oliveira pretende viajar para Paris. Afinal, O cangaceiro (1953), de Lima Barreto, saiu vitorioso do Festival de Cannes, onde foi representado pela atriz Vanja Orico. A partir daí, o cangaço se tornou um gênero à parte.

– A febre começou no fim dos anos 50. A década de 60 foi marcada pelo chamado nordestern, espécie de faroeste nordestino cuja matriz é o western americano – destaca a jornalista Maria do Rosário Caetano, responsável pela organização do livro Cangaço – O nordestern no cinema brasileiro. – Glauber Rocha despontou como uma exceção neste contexto. Em seus filmes, a figura do cangaceiro é quase metafísica – complementa.

Maria do Rosário chama a atenção, porém, para a diluição dos filmes de cangaço nas décadas seguintes.

– Nos anos 70, surgiram as pornochanchadas baseadas no cangaço. No entanto, houve algo digno de nota: a experiência de diretores no Globo repórter. É o caso de Hermano Penna, que assinou A mulher no cangaço, mostrando como jovens encontravam no cangaço a sensação de libertação de contextos familiares opressores.

Nos anos 80, a produção nacional quase abandona a vertente. E, de acordo com Rosário, há poucos destaques no cinema da retomada.

– Baile perfumado revitaliza a tradição, ao mostrar o cangaceiro aburguesado – elogia, referindo-se ao filme de Paulo Caldas e Lírio Ferreira.

(© JB Online)


 

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