Notícias
Uma celebração a Osman Lins

06/08/2003

Osman Lins
 

Famíliares, amigos e estudiosos da obra do escritor pernambucano participam de um encontro para lembrar hoje a passagem dos 25 anos de sua morte

SCHNEIDER CARPEGGIANI

   O SOL (Sodalício Osman Lins) realiza hoje uma manhã inteira voltada para discussões em torno do autor, por conta da data redonda dos seus 25 anos de morte, na Fundaj do Derby. De acordo com o professor do Departamento de Letras da UFPE e um dos organizadores do grupo, Lourival Holanda, o SOL estuda os fatores dinâmicos e vivos da obra de Osman. “Não ficamos atrelados ao passado, estudando Osman como algo estático. O SOL resultou de um ajuntamento de leitores, vindos de horizontes variados (estudantes de dentro e de fora da Universidade, pesquisadores, amigos da literatura). O ‘sodalício’ já diz muito de seu caráter: um agrupamento de colegas, de amigos, com espírito do grupo.”

   Para Lourival, a própria literatura de Osman tem o caráter dinâmico que o SOL quer imprimir nos seus trabalhos. “Ele é um escritor que marca a direção de certa concepção de literatura: entre o rigor e a celebração de um sentido da vida. Talvez mais reconhecido que propriamente ‘conhecido’. Uma razão: a literatura dita regional criou em torno de si alguns estereótipos ... e quando Osman veio, não correspondia a essa expectativa. Não havia como enquadrá-lo.”

   O professor ressalta que chega a ser um incômodo procurar classificar Osman em alguma escola literária fixa, pelo arrojo da sua arquitetura textual. “Ele passa por Graciliano Ramos - mas faz outra coisa. Está mais perto de Michel Butor do que de Rachel de Queiroz. Sua literatura é extraterritorial. Ele absorve proteicamente o que se faz na literatura lá fora, e incorpora à sua os novos tempos, os novos experimentos,” define.

   “Fincada nesse chão, a literatura de Osman transborda-o. Mas sem conceber o regional como limite. Sem tampouco se deixar levar por uma globalização diluidora. Vale ressaltar que um guia-mestre e amigo do SOL é Lauro Oliveira - que foi colega de Osman, e a quem Osman dedica um dos seus contos. Lauro é um grande incentivador. Experiente e generoso para o grupo.”

   Além dos debates promovidos pelo SOL, o evento irá contar com a exibição do curta-metragem A Partida, da cineasta Sandra Ribeiro, baseado no conto homônimo de Osman. Nesse texto, o autor misturou realidade e ficção para lembrar o dia em que resolveu deixar Vitória de Santo Antão, sua cidade natal. Em seguida, Geninha da Rosa Borges, que atua no filme ao lado de Paulo Autran, relembra sua amizade com Osman, durante uma temporada de ambos na Europa no começo dos anos 60.

(© Jornal do Commercio-Pe)


Lauro Oliveira é o grande guia para conhecer o autor e sua obra

   Amigo de Osman Lins, a figura de Lauro Oliveira acaba sendo centralizadora tanto para o SOL quanto para estudantes, que pesquisam dados sobre a obra do autor. “É importante divulgar o que Osman escreveu, a força da sua literatura continua muito viva”, lembrou Lauro.

   Os dois começaram a ser amigos em meados dos anos 50, quando trabalhavam como funcionários do Banco do Brasil. “Nessa época, a gente trabalhava seis horas por dia. Osman não gostava desse emprego, mas cumpria suas funções de forma bastante correta. Era impecável com os horários.”

   “Havia no banco a possibilidade dele trabalhar oito horas por dia, para ter uma remuneração maior, mas ele não aceitava. Para Osman, era importante ter um tempo para se dedicar à literatura”, completou.

   Lauro lembra que a segunda mulher de Osman, Julieta Godoy (já falecida), teve um papel fundamental na conservação da sua memória. “Quando o Osman faleceu, ela se preocupou muito em divulgá-lo. Foi ela quem firmou contrato com as editoras e quem cedeu vários dos seus escritos e objetos pessoais para instituições como a Ruy Barbosa. Como a Julieta também era escritora, entendia bem o universo do marido.”

   “A Julieta era a primeira interlocutora do que Osman escrevia. Ele lia para ela, em primeira mão, os textos que produzia. Eles foram um casal feliz”, ressaltou.

(© Jornal do Commercio-Pe)


Personagens de Osmam queriam ganhar o mundo, como o autor

Coletânea inclui contos publicados originalmente em duas obras: Os Gestos e Nove, Novenas, que atestam direção de Osman para longe do regionalismo

   No conto Os confundidos, de Osman Lins, um casal soterrado pelo cotidiano, pelo ciúme, mistura identidades e tempos verbais. Cada um é si próprio e também o outro em um caminho que parece sem volta – “Quero sair disto, não foi de modo algum para este sofrimento que meu corpo reagiu à morte. Mas como, se perdi a identidade e não sei mais quem sou? Somos como dois corpos enterrados juntos, corroídos pela terra, os ossos misturados. Não sei mais quem eu sou.”

   Esse é apenas um relance do desconforto existencial que traz a literatura de Osman Lins, que recebe agora um bom cartão de visitas para os iniciantes com sua inclusão na coleção melhores contos, da Editora Global. A seleção de textos ficou por conta de Sandra Nitrini, professora titular de literatura comparada da USP.

   Os contos escolhidos para a seleção reúnem dois momentos diferentes da carreira de Osman. Uns são extraídos de Os Gestos, seu segundo livro, de 1957, no qual ele já fugia de temas que podiam o acorrentar ao rótulo regionalista (em Osman, a ação costuma ocorrer de dentro para fora). Outros foram tirados de Nove, Novenas, de 1966, quando o autor dava pistas do caminho de experimentações radicais que iria gerar Avalovara.

   “Osman Lins passou por uma solitária formação lendo os grandes clássicos. Natural, pois, que seus primeiros livros seguissem o figurino da narrativa tradicional e se embrenhassem na atmosfera soturna, triste e melancólica, reinante no mundo pós-Segunda Guerra. Original do Nordeste, não incorpora, no entanto, a tradição da narrativa regionalista dos anos 30, situando-se na linhagem machadiana”, apontou Sandrini.

   Por linhagem machadiana, a organizadora aponta o fato de Osman sempre investigar o universo interior das suas personagens. Muitas delas, dentro daquela elástica classificação de excluídos, flagrados em situações cotidianas, banais à primeira vista.

   “Confinados no espaço doméstico, vivenciando relacionamentos familiares tensos e opressores, as personagens, flagradas em instantâneos do cotidiano, em alguns casos, com maior, em outros com menor densidade dramática, impõem-se pela consistência e complexidade de sua fisionomia interna, sempre traçada com firmeza”, completou.

   Em Osman, todos os detalhes e objetos servem como complemento da narrativa, nada está ali em vão. Tudo é calculado. Em A partida, por exemplo, o arrastar dos chinelos da avó, o tique-taque do relógio, o ranger das janelas servem como trilha sonora do amor opressor em que vive a personagem, que deseja largar a família para conhecer e demarcar o mundo. Assim como fez o autor na sua própria vida.

Serviço:
Melhores Contos (Osman Lins): Editora Global, R$ 25 (preço médio)

(© Jornal do Commercio-Pe)

Para lembrar Osman
03/Ago/2003

por SCHNEIDER CARPEGGIANI

   Com o romance O Fiel e a Pedra, publicado em 1961, Osman Lins começou a afiar os instrumentos com os quais se tornaria um dos maiores artesões da literatura brasileira contemporânea. Ele rivalizou e atualizou os melhores autores da geração anterior, os regionalistas de 30 e 40. Em seguida, com Nove, Novena encontrou seu caminho todo próprio de reorganizar a narrativa, de forma matemática e cerebral, desenvolvido mais tarde em A Rainha dos Cárceres da Gréciae Avalovara. Esses livros eram poesia pulverizada em prosa, romance ou narrativa metalinguística? Perguntas que continuam rendendo um sem-fim de trabalhos acadêmicos.

   “Até hoje acho que meu pai escrevia com uma fita métrica”, joga mais algumas peças no complicado quebra cabeça com o qual Osman montou sua obra Ângela Lins, filha do autor.

   Osman Lins faleceu há 25 anos, no dia 8 de julho de 1978. No entanto, a data redonda só começa a ser lembrada este mês. Na próxima quarta-feira, os membros do SOL (Sodalício Osman Lins) realizam uma programação especial em torno do autor, com palestras e exibição do curta A Partida, de Sandra Ribeiro. Ainda em meados de agosto chega às telas Lisbela & o Prisioneiro, longa de Guel Arraes baseado em um dos textos do pernambucano.

   Para lembrar Osman, o JC inicia hoje uma série de matérias que irão evocá-lo em suas várias facetas. Para começar, iremos focar como o fascínio kitsch e matuto de Lisbela & o Prisioneiro – um trabalho que pode ser caracterizado como único na obra do autor – tornou-se seu título mais popular.

(© Jornal do Commercio-Pe)


Lisbela é singular em Osman
03/Ago/2003

O folclore, a cor local e a festa de Lisbela e o Prisioneiro não fazem usualmente parte do universo geral da obra de Osman Lins, é uma exceção

   “É até irônico que meu pai seja lembrado por Lisbela & O Prisioneiro. Ele foi um esteta da palavra e esse livro é muito diferente de todo o resto que ele escreveu na vida. Pode ser lido em separado. Eu gosto de Lisbela porque ele me faz rir e evoca todo um universo matuto, kitsch, do pingüim sobre a geladeira que não aparece nos seus outros livros. Eu estou muito curiosa para ver como o Guel Arraes passou esse texto para o cinema”, comentou Ângela Lins, filha de Osman.

   Foi exatamente esse caráter único de Lisbela que chamou a atenção do diretor Guel Arraes, que teve seu primeiro contato com o texto quando procurava comédias para uma série de programas baseadas em obras de autores brasileiros, em 1992. “Essa peça de Osman é atípica em sua obra justamente por ser uma tentativa de teatro popular”, ressaltou Guel.

   O folclore, a cor local e a festa de Lisbela não fazem mesmo parte do universo geral da obra de Osman. O que pode causar até espanto para os leitores estrangeiros que venham a conhecer o legado do pernambucano, bem mais acostumados com o arquétipo festeiro e colorido de um Jorge Amado. No começo dos anos 90, Osman foi bastante elogiado na França pela tradução do seu tenso romance O Fiel e a Pedra. E a França, como todos sabem, é um dos territórios onde Amado mais fincou sua versão de brasilidade.

   Só que, cerebral, Osman sabia que mesmo estando na mesma região que a Bahia, Pernambuco é um outro mundo.

   O filme de Guel Arraes chega na esteira do sucesso da peça Lisbela & O Prisioneiro, dirigida por João Falcão – agora responsável pela trilha sonora do filme. “Quantitativamente uns 30 % da peça original foram aproveitados no roteiro: uma das cenas principais, onde o matador tendo jurado Leleu de morte termina tendo a vida salva por ele e, portanto também devendo-lhe a vida, tem vários diálogos engraçados”, apontou Guel.

   Lisbela & O Prisioneiro é a extensão de um trabalho que Osman fez para Ariano Suassuna no começo dos anos 60. Ele fez um curso de dramaturgia na Escola de Belas Artes, na UFPE. A estréia dessa peça foi em 1961.

   Além de Lisbela, muito do sucesso popular de Osman se deve ao seu trabalho à frente do projeto Casos Especiais, que a TV Globo exibiu no final da década de 70. “Osman foi um dos autores que se propuseram a embarcar nessa aventura de escrever para a TV. Quem era Shirley Temple já foi pensado para esse veículo. Claro que há mudança, ‘infidelidades’ (palavra purista, que aqui nem caberia: livro e cinema são dois registros diferentes). Reduzir, ainda que na expectativa, um ao outro é ser injusto. É mutilar a especificidade de cada um. Dina Sfat fez o papel principal. É um texto ainda muito atual”, ressaltou Lourival Holanda, professor do Departamento de Letras da UFPE.

   “No caso de A Ilha no Espaço - taí um texto que se mantém, independentemente da tela. Há, dele, uma tradução com sucesso, feita na Itália. O interessante do outro, Marcha Fúnebre, é um texto curioso: Osman o pensou inteiro: da documentação até a distribuição das falas, do enquadramento, dos discursos. Ali, o palco põe o palco em cena: naquele espaço, uma atriz revê seu tempo, seus valores e o que, nela, ainda vinga de vida. Enfim, Osman considerava ‘um poema à glória do corpo’ naquele momento tão vilipendiado pela tortura e pela indústria do erotismo”, completou Lourival. (S.C.)

(© Jornal do Commercio-Pe)


A trilha perfeita para pontuar o lado kitsch do esteta da palavra
03/Ago/2003

por JOSÉ TELES

   As trilhas de filmes brasileiros recentes ou são peças musicais herméticas ou coletâneas pop. Uma das poucas exceções é a música de Lisbela e o Prisioneiro (Natasha), produzida por João Falcão e André Moraes, que chega às lojas antes de o filme debutar nas telas.

   O diretor Guel Arraes entregou a tarefa à pessoa mais apropriada. Afinal, a primeira investida teatral de João Falcão, há 20 anos, foi com um musical, Muito Pelo Contrário: “Fiz vários outros, sempre tive essa ligação forte com música”, explica-se. No entanto, ao selecionar as canções que pontuam a trama de Lisbela e o Prisioneiro, além de exercitar a veia de compositor, Falcão recorreu também à sua memória afetiva: “Algumas das músicas me levam ao tempo de faculdade, quando a gente, freqüentava o Bar da Tripa, na Cidade Universitária, e escutava brega na radiola de fichas”. Uma das músicas é até mais antiga, A deusa da minha rua (Jorge Faraj/Newton Teixeira), sucesso dos anos 30, numa versão singela, feita pelo pernambucano Geraldo Maia e o violonista gaúcho Yamandú Costa.

   Das bregas do Bar da Tripa, uma foi fisgada por João Falcão: Você não me ensinou a te esquecer, de Fernando Mendes (com José Wilson e Lucas), o tema romântico do filme: “Quando mostramos a música a Caetano Veloso, que não a conhecia, ele topou na hora gravá-la. Caetano tem essa coisa de ser ao mesmo tempo uma grande estrela, e estar sempre disponível”, elogia.

Trilha sonora
Música Intérprete
Você não me ensinou a te esquecer
(Fernando Mendes / José Wilson / Lucas)
Caetano Veloso
A dama de ouro
(Maciel Melo)
Zéu Brito
Espumas ao vento
(Accioly Neto)
Elza Soares
Deusa da minha rua
(Jorge Faraj / Newton Teixeira)
Geraldo Maia e Yamandu Costa
Oh Carol
(Neil Sedaka / Howard Greenfield)
Caetano e Jorge Mautner
O amor é filme
(joão Falcão / André Moraes)
Lirinha
Lisbela
(Caetano Veloso / José Almino)
Los Hermanos

   Caetano reaparece na trilha com Lisbela (dele e João Falcão, com a Los Hermanos) e em um dueto com Jorge Mautner, na interpretação intencionalmente simplória de Oh Carol (Neil Sedaka/Howard Grenfield).

   Caetano Veloso cantando Fernando Mendes é fácil de entender, é notória sua capacidade de transformar em brilhantes os diamantes brutos do repertório do povão. Difícil é imaginar como Zé Ramalho foi parar ao lado do Sepultura, em A dança das borboletas: “Esta música pontua a passagem do tempo, numa das cenas do filme. O Sepultura conheci por causa de meu parceiro na trilha, André Moraes, que já havia tocado com eles, daí veio a idéia de juntá-los”, esclarece Falcão, que se utiliza do Sepultura em mais outra faixa, O matador (dele e de Moraes). “A narrativa é meio cômica, então a trilha tem essa coisa bem-humorada”, sintetiza.

   A trilha equilibra-se entre uma faixa de um baticum violento, O amor é filme, cantada por Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado, e outra das antigas, Para o diabo os conselhos de vocês (Carlos Imperial/Nenéo), de Paulo Sérgio, na época da Jovem Guarda. Quem a interpreta é Os Condenados, um conjunto de adolescentes formado especialmente para a trilha (a vocalista Alice, de 13 anos, é filha de João Falcão): “É ouvida quando Lisbela vai casar-se e, de repente, rebela-se. Quisemos um roquinho bem básico e ao mesmo tempo pesado, exatamente o que pedia o clima da cena”.

   Embora tenha vida própria fora das telas, a trilha de Lisbela foi criada com a intenção específica de pontuar a trama. Quando, por exemplo, Elza Soares é passional no xote Espumas ao vento (Accioly Neto) é porque a cena assim exigiu: “ É o tema de Inaura, que é a mulher fatal, o oposto de Lisbela, a mocinha. A gente queria assim, bem dramática”.

   Outra canção que recebeu uma roupagem inusitada foi A dama de ouro, de Maciel Melo, na trilha gravada pelo desconhecido Zéu Britto, que começa meio roqueira para desaguar num balançado ska: “Gosto muito de Maciel, então pedi ao meu irmão que me mandasse todos os discos dele, para escolher uma canção, Zéu é um grande músico aqui do Rio. Ele me mostrou uma demo com coisas fantásticas, produzida por André Moraes. Aliás, foi assim que conheci André”, revela João Falcão.

(© Jornal do Commercio-Pe)


Vitória não cuida do seu filho ilustre
04/Ago/2003

A Casa de Cultura Osman Lins, em Vitória de Santo Antão, onde nasceu o autor, deveria ser um templo à sua memória, mas enfrenta situação precária

SCHNEIDER CARPEGGIANI

   Parece que Vitória de Santo Antão, a 51 quilômetros do Recife, não tem lá muita idéia de quem foi um dos seus filhos mais ilustres, Osman Lins, que, nesta série que prossegue até quarta-feira, é lembrado pelos seus 25 anos de morte. Apesar de a cidade contar com um centro construído em homenagem ao escritor em uma das suas principais vias.

   “Para vocês terem uma idéia, uma professora entrou aqui na minha sala e perguntou, olhando para a foto de Osman, quem é esse velho com o cachimbo na boca? Aí eu tive de dizer ‘minha filha, em primeiro lugar ele não é velho, morreu com 54 anos, em segundo lugar ele não está com um cachimbo na boca. Isso é a ponta dos óculos dele. E completei perguntando se ela sabia onde estava?’.” Por esse discurso de Florianita Oleron Oliveira, responsável há 12 anos pela Casa de Cultura Osman Lins, ficou fácil perceber que a tal professora não só não sabia quem era o escritor como deve continuar sem saber. “Se a Casa continuar como está, a memória dele será esquecida em Vitória de Santo Antão.”

   Inaugurada há 15 anos pelo irmão de Osman, Humberto Lins, já falecido, então presidente da Câmara Municipal de Vitória, a instituição, mantida com verbas da prefeitura, deveria servir como biblioteca e um centro histórico em torno da memória do autor. “Não temos nada, não recebemos nenhuma verba da prefeitura”, atesta a responsável.

   De acordo com Florianita, a Casa de Cultura não tem máquina de escrever, papel higiênico, ventilador, nem Lisbela & O Prisioneiro, título mais famoso de Osman. “Às vezes, a própria servente traz da sua casa o detergente para ser usado na limpeza. Digo a ela que não faça mais isso. É obrigação da prefeitura, que não nos repassa os recursos.”

   De acordo com Florianita, todos os livros da Casa de Cultura são frutos de doações particulares. “A prefeitura nunca nos repassou nada. A nossa Barsa é dos anos 70. Não temos a coleção completa de Osman e, para complicar, alguns dos títulos dele, que nos foram doados, são em outros idiomas, o que impossibilita sua leitura.”

   Diariamente, a Casa de Cultura Osman Lins recebe entre 100 e 150 estudantes. A maioria de escolas públicas da cidade. “É um descaso muito grande o que estão fazendo com a cultura aqui em Vitória.”

   Osman Lins nasceu em Vitória de Santo Antão em 5 de julho de 1924. Nessa cidade, cursou o ginasial e começou a escrever. Osman morou em Vitória até os 17 anos, quando se mudou para o Recife.

(© Jornal do Commercio-Pe)


Autor contemporâneo de Osman fala da perenidade de sua obra
04/Ago/2003

GILVAN LEMOS
Especial para o JC

   Conheci Osman Lins pessoalmente por volta de 1952. Ainda sem livro publicado, colaborava de vez em quando no Diário de Pernambuco e no Jornal do Commercio, assinando artigos e contos já então muito bem elaborados. Lembro-me de um que admirei e que depois ele incluiu em Os Gestos, segundo me disse, “por sua causa”.

   Osman conservava uma idéia fixa: ser escritor. Em nossas conversas na Rua Evaristo da Veiga, em Casa Amarela, onde morava, o assunto era um só: literatura. Às vezes demorávamos no terraço, luz apagada, seus familiares recolhidos, cada um de nós dois com o copo de uísque na mão. Eu detestava a bebida estrangeira, ainda mais pura, com gelo, tampouco percebia se ele a apreciava, mas não passávamos de uma dose. Aquilo, hoje recordo com saudade, era como um virtual pacto de amizade. Certa vez, ao me despedir, dizendo-lhe que me ausentaria por um mês, pois ia de férias para São Bento do Una, ele, de pronto: Mas vai levar a máquina de escrever? Diante da minha negativa, Osman se escandalizou. Um mês inteiro em São Bento do Una, longe da literatura! Para ele isso era inconcebível. (Em seu livro, escrito em companhia de Julieta de Godoy Ladeira – La Paz Existe –, conta que improvisou uma espécie de lâmpada, imitada dos trabalhadores das minas, que ele colocava na testa para iluminar a página do livro que lia durante o transcurso das viagens de ônibus: para não perder tempo.)

   Ainda no Recife, publicou O Visitante, Os Gestos e O Fiel e a Pedra, fatura literária que ele abandonou, ao mudar-se em 1962 para São Paulo, onde criou uma espécie de novo gênero, com os inimitáveis Nove Novena, Avalovara, A Rainha dos Cárceres da Grécia, deixando inconcluso Uma Cabeça Levada em Triunfo.

   Osman foi/é um escritor completo. Realizou-se extraordinariamente em todos os gêneros da literatura. Fez-se notável no romance, conto, ensaios, críticas literárias, jornalismo, teatro. Pena que tenha nos deixado tão cedo. Não vou relembrá-lo apenas nos 25 anos de sua morte. Osman Lins estará comigo terna/eternamente.

(© Jornal do Commercio-Pe)


Em nome do pai
05/Ago/2003

Osman Lins manteve um relacionamento intenso com as três filhas, mesmo quando foi morar distante

SCHNEIDER CARPEGGIANI

   Com a morte de Julieta Godoy Ladeira, segunda mulher de Osman Lins, a administração dos direitos autorais da obra do autor ficou com suas três filhas, Letícia, Ângela e Litânia. Atualmente, os livros de Osman ou estão pulverizados por várias editoras (como a Melhoramentos e a Companhia das Letras) ou fora de catálogo. Com o lançamento do filme Lisbela & o Prisioneiro, a Editora Planeta irá lançar o livro homônimo e há planos que ela centralize os seus outros títulos.

   “A nossa idéia é que uma só editora fique com os livros de papai, porque dessa forma será mais fácil administrar o seu legado”, situou Litânia Lins, que dentre as três é a responsável por entrar em contato com as editoras e conferir os extratos bancários referentes aos livros ainda em catálogo. “Muitos dos contratos estão vencendo e, por isso, é hora de buscar um plano maior para os livros”, completou.

   Na hora de falar da figura paterna de Osman, Litânia a define como a de um homem rigoroso com horários. “Ele foi um pai amoroso. Quando a gente morava no Recife, ele nos levava para passear aos domingos, para olhar as vitrines do Centro, mas ele tinha esse lado forte de cobrar um rigor com os horários, com as obrigações.”

   Muito da relação que Osman tinha com suas filhas foi resultado de uma intensa correspondência, já que com o fim do seu primeiro casamento com Maria do Carmo Lins, ele foi morar em São Paulo com Julieta, e as filhas ficaram no Recife, com sua primeira mulher. “Minhas irmãs costumavam ir passar férias com papai em São Paulo, eu não ia porque não me relacionava muito bem com Julieta”, lembrou Litânia.

   Já Ângela mantinha uma relação boa com a madrasta. “Ela trouxe muita paz para o meu pai. Ela não teve influência direta na sua literatura, porque nunca foi uma grande escritora como ele.”

   Ângela concorda com Litânia ao situar Osman como um homem rigoroso, mas lembra que ele era um pai à frente do seu tempo. “Ele, como era um escritor, era um homem sensível, que tinha uma visão ampla das coisas. Ele nos dava força para que usássemos biquíni, que naquela época, no final dos anos 60, pouca gente usava. Era um pai muito carinhoso. Já mamãe era o oposto. Muito mais rígida nesses termos. Eu não consigo me imaginar sendo filha de um outro pai e de uma outra mãe.”

   CORRESPONDÊNCIA INTENSA – Letícia Lins lembra que até um certo tempo, após a morte do seu pai, em 8 de julho de 1978, ainda chegava em casa e procurava uma carta nova dele. “Isso é para você ter uma idéia de como a nossa correspondência era forte. As cartas funcionavam como telefonemas entre nós”, ressaltou.

   Letícia ainda guarda uma caixa repleta de cartas que recebia do pai, todas elas inéditas. Material que hesita em mexer. “Eu mexi nessas cartas poucas vezes. Na primeira vez, foi para a biografia que Regina Igel fez do meu pai. Eu não gosto de ficar relendo esses textos, porque caio no choro. É um peso emocional muito forte. Eu penso em algum dia publicá-las, porque, tirando trechos mais pessoais, ele fala do seu processo de criação”, ressaltou Letícia, que cedeu para a reportagem do JC duas cartas, uma que ela enviou para ele e sua respectiva resposta.

   “Eu tinha 19 anos e, de certa forma, para você ter uma noção de como éramos ligados, eu sugiro que ele escreva um tipo de livro que ele já estava esboçando na época, que viria a ser o Avalovara”

   Letícia lembra que Osman morreu nos seus braços. “Eu nunca irei me perdoar por, na hora da sua morte, não ter colocado uma música barroca para ele ouvir. Para ele achar que estava indo para o céu. Mas na hora da morte, a gente não consegue pensar nesses detalhes.”

(© Jornal do Commercio-Pe)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind


 

Google
Web Nordesteweb