Notícias
A ciranda que Lia não deu

14/09/2003

 


Teca Calazans, tida como co-autora da famosa “Essa ciranda quem me deu foi Lia”, desmente ter recebido a canção das mãos da cirandeira de Itamaracá

por JOSÉ TELES

   Teca Calazans foi atraída pela ciranda nos primeiros anos da década de 60, quando participava ativamente da cena cultural recifense (nasceu em Vitória do Espírito Santo, mas veio criança para Pernambuco). Era atriz e cantora requisitada na efervescente Recife do primeiro Governo de Miguel Arraes (iniciado em fevereiro de 1963), fez parte, inclusive, do Movimento de Cultura Popular (MCP). Movida pela curiosidade musical, ela conta que passou a freqüentar as rodas de cirandas que aconteciam em Abreu e Lima, comandadas pelo lendário Mestre Baracho: “Quase ninguém sabia nada de ciranda em 1962. Dessas várias cirandas que recolhi, juntei, fiz uma seleção, harmonizei, e gravei em ritmo de marcha-rancho”, relembra a cantora, que visitou o Recife, no mês passado (há vários anos, mora na França)

   As cirandas estão no lado B, do primeiro disco (um compacto) gravado por Teca Calazans na extinta Rozenblit, em 1967. No lado A está a marcha-rancho Aquela Rosa, uma das vencedoras da II Feira de Música do Nordeste (composição que também marca a estréia de Geraldo Azevedo e Carlos Fernando como compositores). Terezinha, como então era conhecida, viajaria no ano seguinte para o Rio e, em 1969, para a Europa, encontrar o namorado, o músico Ricardo Villas, um dos presos políticos trocados pelo embaixador americano Burke Elbrick, seqüestrado por guerrilheiros naquele ano. Com Villas ela continuou a carreira de cantora na França. Com a anistia, regressou ao Brasil, mas acabou voltando para a Europa novamente, fixando-se de vez em Paris, onde continua cantando, e lançando discos da cultura popular brasileira, sobretudo pernambucana.

   A cantora veio ao Brasil para divulgar seu mais recente CD, gravado com o recifense Heraldo do Monte. Em entrevista ao Caderno C, aproveitou para tentar pôr fim a uma quase lenda urbana, a de que seria co-autora do clássico Quem me deu foi Lia (dos famosos versos “Esta ciranda, quem me deu foi Lia/Que mora na ilha de Itamaracá”). “Não sei bem como esta história começou. Sei que não é verdade, não estive naquela época com Lia em Itamaracá. Se alguém tem direito sobre a música é Baracho”, revela. Teca Calazans acha que é possível que a “lenda” tenha surgido por causa do compacto gravado na Rozemblit: “O solo de flauta de Aquela rosa (tocado por Generino, já falecido) acabou sendo incorporado à ciranda. Como quem gravou a música fui eu, acho que pensaram que fosse autora a música e também da ciranda de Lia”.

   No entanto, Lia continua confirmando a parceria. Quinta-feira, em Itamaracá, ela reafirmou que Teca Calazans, em 1962, passou alguns dias na ilha aprendendo temas de ciranda, e compuseram em parceria Quem me deu foi Lia: “A música é minha e a letra dela. Mas depois Baracho gravou e virou o dono”. Lia conta que está tentando, com as herdeiras de Baracho, recuperar os direitos da música. A cirandeira só gravou Quem me deu foi Lia, uma vez, em 1977, em um LP lançado pela Rozenblit. Pretende regravá-la no próximo CD, cujo repertório está sendo selecionado.

   Mas, afinal, se uma das supostas compositoras nega-lhe a autoria, quem teria dado esta ciranda à grande Lia de Itamaracá? Ressaltando que não tem interesse em polemizar com Lia, de Paris, por e-mail, Teca Calazans fechou o assunto com bom humor: “Não quero ficar de chata, fazendo polêmica sobre o assunto, desmentindo uma coisa que Lia jura de pé junto! Mas de qualquer maneira, é aquilo mesmo que lhe contei. Eu não teria nenhum interesse em negar este fato, muito pelo contrário. Isso me faz lembrar o eterno Capiba: “Esta ciranda Não é minha só/É de todos nós, é de todos nós”.

(© Jornal do Commercio-PE)


Novos cirandeiros na ‘roda’

Grupos estreantes, antigos mestres com trabalhos recém-lançados e jovens compositores dedicados ao ritmo anunciam um novo momento para a ciranda pernambucana

por GEISA AGRICIO

   O movimento Mangue Beat, com sua referência às manifestações populares, alavancou carreiras e retirou do ostracismo artistas mantenedores das raízes culturais do Estado. O sucesso conquistado por Selma do Coco, Banda de Pífanos, Mestre Salustiano, ou maracatus Estrela Brilhante e Leão Coroado, depois de consagradas turnês no exterior, serviu de catalisador para a formação de novos grupos, que utilizam elementos dos ritmos originais para introduzir outros, inovadores, ou mesmo estilizá-los.

   Depois dos maracatus e da febre da Rolinha de Selma do Coco, a redescoberta de Lia de Itamaracá revela mais um impulso de resgate popular pós-mangue beat. Novos e antigos compositores (ainda desconhecidos) despontam num momento propício para mais um ritmo pernambucano: a ciranda. De jovens de classe média a cirandeiros da velha guarda, há uma nova articulação na “roda viva” da música.

   Um dos primeiros trabalhos de revisitação à ciranda, na década de 90, foi o CD Recirandar, que reuniu numa coletânea canções conhecidas em versões de ciranda na voz de nomes como Elba Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Quinteto Violado, num projeto subsidiado pela Prefeitura do Recife, em 1997, e produzido por Carlos Fernandes (Asas da América).

   Rubem Valença Filho, idealizador do CD, quis permitir à ciranda a mesma valorização conqusitada pelo frevo com o sucesso do projeto Recifrevoé, também produzido por ele. “Colocar músicas de domínio público ou de grandes compositores em arranjos de ciranda na voz de artistas renomados foi uma maneira que encontramos de valorizar o ritmo. Mesmo que não haja mercado é preciso idéias arrojadas para gerar um movimento de resistência para que a ciranda não pereça”, comenta.

   Depois do Recirandar, outro projeto que abriu as portas para ritmos populares, incluindo a ciranda, foi  o Pernambuco em Concerto, em três versões anuais, de 1999 a 2001. De lá pra cá surgiram novos grupos e compositores dedicados à ciranda, como a Ciranda da Saúde, do Galinho do Nordeste, a Ciranda de Maria Farinha e a Ciranda Acalanto.

   Galinho do Nordeste introduziu algumas cirandas no seu novo álbum e há mais de um ano comanda uma roda na orla de Olinda dedicada à terceira idade. Na ciranda estilizada do cantor, que vai do brega ao frevo, há espaço para um coral e ainda um órgão. Os músicos Lêda Dias e Ceará reuniram-se para formar a Ciranda Marinha Farinha, trabalho elaborado com composições próprias e apurado refinamento musical, que introduz à ciranda cordas e clarinete, dando um tom aveludado à marcação cadenciada. No CD demo ousam uma nova proposta harmônica para o tradicional estilo.

   Depois de trabalhar por cinco anos com Lia de Itamará em turnês pelo país e no exterior, a percussionista Beth de Oxum destinou o legado da ciranda a trabalhos sociais. À frente do projeto Coco de Umbigada, em Olinda, viu na ciranda um caminho para chamar a atenção de crianças e adolescentes de baixa renda para a arte. Com mais seis amigas, formou a Ciranda Acalanto, que surgiu como um trabalho lúdico para atingir jovens mães atendidas pela ONG Cais do Parto.

   “Mesmo que ninguém viva da ciranda como uma carreira profissional, aqueles que aprendem têm o papel de levar de geração a geração as tradições e folguedos”, frisa Beth. O grupo ensaia todas as quintas-feiras no Espaço Coco de Umbigada (Rua João de Lima,42, Guadalupe, Olinda. Fone: 3439.6475) composições próprias e músicas de domínio público.

   NOVO COMPOSITORES – Com novos grupos surgem os jovens compositores de ciranda como a jovem Cristiane Quintas, de 26 anos, que no início do ano, a pedido do poeta Alberto Oliveira, criou suas primeiras melodias de ciranda, já que tradicionalmente compõe frevos, maracatu e xote. Duas de suas músicas em parceria com Oliveira e com Paulo Carvalho fazem parte do repertório da Ciranda Maria Farinha. Públius, músico da banda Azambuba, também já começa a se dedicar à ciranda. “Maracatu, frevo de bloco e ciranda são ritmos muitos próximo que diferenciam-se na velocidade. Por isso é natural que músicos que compunham em outros estilos migrem para a ciranda” argumenta a violonista Cristiane Quintas.

(© Jornal do Commercio-PE)


Artistas esquecidos retomam a trilha

   Na Década de 70, a ciranda popularizou-se entre a classe média, nas saudosas rodas do Pátio de São Pedro, tornando conhecidos os trabalhos de Mestre Baracho, Dona Duda do Janga. Com o fim do modismo, Lia de Itamaracá foi praticamente o único nome a permanecer na mídia, a ponto de gravar, em 1977, um LP na extinta Rozenblit, embora tenha aparecido pouco na década seguinte.

   O ressurgimento do seu trabalho, após a participação no Abril pro Rock, gerou uma época produtiva para o desenvolver de outras cirandas, menos famosas e que só agora, 30 anos depois, divulgam, mesmo que artesanalmente, seu trabalho.

   João da Guabiraba é nome de referência entre praticantes e estudiosos da ciranda, mas pouco conhecido do público. À frente da Ciranda Mimosa há 31 anos, passou a ter repercussão entre o público depois da participação no segundo álbum da coletânea Pernambuco em Concerto e, na semana passada, finalmente lançou o primeiro CD, gravado ao vivo durante a Fenneart, em julho.

   “A Ciranda ainda existe por força da vontade de quem faz, esses espaços que às vezes surgem são bem-vindos, para que mais gente descubra o ritmo. Acho que qualquer expressão da ciranda, estilizada ou não, é válida. O importante é que ela sobreviva.”

   Além do mesmo nome, João Limoeiro, teve trajetória de resistência semelhante à do mestre da Ciranda Mimosa. Fundou a Ciranda Imperial da Bomba do Hemetério, em 1972, depois tornada a Ciranda Brasileira, que de Água Fria passou a ser sediada em Carpina, até hoje. O único CD que gravou, depois de 2 LPs, (um em 1981 e outro em 1992), foi lançado em tiragem independente no ano passado. Depois de ser descoberto por Siba, vocalista do Mestre Ambrósio, fez sua primeira apresentação para o grande público ná última edição do Festival de Inverno de Garanhuns.

   Assim como a Ciranda Brasileira de João Limoeiro, outros artistas populares são responsáveis pela perpetuação da tradicional ciranda no interior do Estado como Santino de Nazaré da Mata, e Zé Galdino, da cidade sertaneja de Buenos Aires, e Dulce e Biu, as filhas de Baracho que dão seguimento ao trabalho do pai em Carpina.

(© Jornal do Commercio-PE)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind


Google
Web Nordesteweb