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04/08/2004
Frederico Pernambucano de Mello relança Guerreiros do Sol, um livro que
faz a análise do banditismo no Nordeste sem se valer do marxismo Há anos fora de catálogo (a primeira edição é de 1985), Guerreiros do Sol Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil (A Girafa/Fundaj, 456 págs., R$ 55), de Frederico Pernambucano de Mello, será relançado hoje, com noite de autógrafos, a partir das 19h, na Livraria Arraial (Estrada do Encanamento, 2.350, Tamarineira). Pernambucano de Mello, da equipe de cientistas sociais da Fundaj, levou dez anos entre pesquisas e a feitura do livro: “Meu mestre foi o ex-cangaceiro Medalha, Miguel Feitosa de Lima, colega de infância de Lampião, e integrante do seu bando. Aprendi muito sobre o cangaço convivendo e andando com ele na caatinga”. O livro foi alvo de críticas porque não se guiou pela então obrigatória cartilha do materialismo histórico. “Em 1985, os meios acadêmicos ainda eram dominados pelo marxismo, cujas análises passavam inevitavelmente pela causalidade econômica. Ela até pode ser, em certos casos, determinante, mas nem sempre”, diz o escritor. O que ele chama de “marxismo simplificado” aplicado à maioria das obras relativas ao banditismo no Nordeste, tem um desfecho patético num emblemático episódio acontecido na estréia, em Salvador, de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Gláuber Rocha: “Levaram Dadá, mulher de Corisco, para assistir. No final, quando Corisco morre bradando “Mais fortes são os poderes do povo”. Dadá levantou-se, protestando que Corisco não disse aquilo e sim: “Maiores são os poderes de Deus”. O escritor diz que o método que empregou para contar a história social do banditismo no Nordeste reúne cânones de diversas escolas, o pluralismo metodológico, ensinado-lhe por Gilberto Freyre. Não raro o fato condicionando a teoria. A chama que alimentou o cangaço, segundo ele, vem de um sentimento de viver sem lei nem rei, como se supunha que, no século 16, viviam os índios brasileiros. Tal sentimento atravessou eras, e está presente nas revoluções urbanas, feitas por brancos, nos quilombos dos negros, nas rebeldias de cunho religioso e no cangaço: “Sendo que este era abrangente, incluindo todas as raças”. Neste ponto de vista Lampião (principalmente) seria o protagonista do mito primordial, desta extrema liberdade, que não reconhecia “lei nem rei”. Exercendo um fascínio inconsciente por alguém que pratica a liberdade absoluta, “Lampião foi o grande ícone do épico brasileiro que é o cangaço”, diz Frederico Pernambucano. “O homem moderno está sujeitos a inúmeras leis, normas. Enquanto o cangaceiro em um minuto de vida terá mais liberdade que nós a vida inteira”. O autor subdivide o cangaço em três categorias: de vingança, o de refúgio e o de meio de vida. Sinhô Pereira, por exemplo, seria do cangaço de vingança. Já Antônio Silvino e Lampião classificam-se no segundo tipo. Lampião considerava o cangaço um negócio, o que é explicitado pelas entrevistas que concedeu, e bilhetes que escreveu exigindo pagamentos para não invadir cidades, e libertar pessoas que seqüestrava. O cangaceiro não seria um revoltado contra o coronelismo. Pelo contrário: se complementam. “Pelo poder que possuía, o cangaceiro era uma espécie de coronel sem terras”, diz Pernambucano de Mello. (© JC Online) Guerreiros do Sol entrelaça sociologia com cordel Pode-se até contestar a metodologia, mas é inegável que Guerreiros do Sol é um estudo abrangente sobre as origens e histórias do banditismo no Nordeste. Frederico Pernambucano de Mello mostra, no estilo, que foi aluno aplicado de Gilberto Freyre. Com texto leve, sem se valer (com poucas exceções) de vocabulário rebuscado, ele torna de fácil digestão as 456 páginas do livro. Para isto o pontua com versos de folhetinistas célebres, cronistas do cangaço, como Francisco das Chagas Batista, ou episódios tragicômicos, como o do oficial de justiça, de Paus dos Ferros (RN) que recebeu este despacho de um juiz de direito: “Manda ao oficial de justiça de sua jurisdição a quem este for apresentado, depois de devidamente assinada, que em seu cumprimento procure neste munícipio, onde for encontrado, o bandido Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, prenda-o, recolha-o à cadeia pública desta cidade, por ter este juiz decretado a prisão preventiva contra o mesmo...” O oficial saiu-se magnificamente pela tangente: “Certifico, em cumprimento ao mandado retro, ter procurado neste município o bandido Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, e não o encontrei. Dou fé”. Entre considerações antropológicas e sociológicas, o autor lembra que não apenas Lampião e seu bando rapinavam pela caatinga nordestina, relacionando 44 bandos no cangaço. Mostra a correlação entre períodos de estiagem e o recrudescimento do banditismo). Guerreiros do Sol não é centrado em Lampião, que também se autodenominava “O Terror do Sertão”. Abrange a trajetória e peculiaridades dos principais cangaceiros, chegando até o anos 70, com o alagoano Floro Novaes, ponta-de-rama do cangaço, morto em 1971. O cangaceiro era o Brasil do passado que, no fundo, queria viver no sertão, seguindo suas próprias leis (pelas quais crime maior do que matar gente era roubar animal de criação). No entanto o Brasil moderno, o litorâneo avançava para a caatinga, o que resultava em inevitáveis conflitos. Sobretudo, graças a inteligência invulgar, Lampião teve reinado longevo, de meados dos anos 20 até 1938, quando as forças litorâneas uniram-se para pôr fim ao cangaço. Derrotado pelas tropas de quatro Estados (com uma humilhante retirada, ao tentar invadir Mossoró, em 1928), Lampião recuou para a Bahia. Ao contrário de Antônio Silvino, ou Sinhô Pereira, o primeiro entregando-se à polícia, o segundo refugiando-se no Centro-oeste, Lampião nunca deixou o Nordeste. Chega-se a conclusão de que morreu não apenas por ter sido traído e pego de surpresa. Em 1938, em pleno Estado Novo, não se admitiam mais rebeldes, com ou sem ideologias. O célebre filme do bando feito pelo árabe Benjamin Abraão (inspiração de O Baile Perfumado) foi proibido pela censura de Getúlio Vargas. O ditador teria se irritado com as imagens descontraídas dos cangaceiros, que logo seriam exterminados, graças ao avanço da tecnologia. Seus fuzis e pistolas não eram páreo para as modernas metralhadoras dos “macacos”. (JT) (© JC Online)
As razões por trás do banditismo
Edição revista de Guerreiros do Sol, um dos mais rigorosos estudos sobre o fenômeno, chega amanhã às prateleiras Augusto Pinheiro Um dos maiores estudiosos do cangaço
no Brasil, o historiador Frederico Pernambucano de Mello autografa amanhã a
segunda edição de Guerreiros do Sol - Violência e Banditismo no Nordeste do
Brasil (A Girafa), às 19h, na livraria Arraial. Lançado originalmente em
1985, o livro traça um panorama e analisa as origens, o modus operandi, os
hábitos e costumes dos grupos de bandidos que continuamente assolaram o
interior nordestino e culminaram nos cangaceiros do século 20, cujo
principal representante foi Virgulino Ferreira, o Lampião. (© Pernambuco.com, 03.08.2004) Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)
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