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A redenção de Suassuna

22/08/2005

 

Letícia Lins

   O ano de 2005 está dando ao escritor Ariano Suassuna bons motivos para festejar. Além de celebrar os 50 anos de “Auto da Compadecida”, uma das peças mais populares da dramaturgia brasileira, relançada pela Agir numa edição de luxo revista pelo autor, Suassuna viu aquela que é considerada sua obra-prima, “A Pedra do Reino” (editora José Olympio), voltar às livrarias depois de 20 anos fora de catálogo. Nessa entrevista, o autor — um dos convidados mais esperados da Festa Literária Internacional de Paraty, que acontece em julho — confessa como somente uma década depois de ter escrito “A Pedra do Reino” descobriu os motivos que o levaram a produzi-lo: a vingança pelo assassinato do pai, quando ele tinha apenas 3 anos de idade.

   Escrever o livro foi uma forma de buscar a redenção do seu “rei” e inverter o conceito vigente na década de 30 do século passado, segundo o qual as forças rurais que o pai liderava eram o obscurantismo e o urbano é que representava o progresso. Razões familiares, políticas e íntimas à parte, “A Pedra do Reino” é inspirado em um episódio ocorrido no século XIX, no município sertanejo de São José do Belmonte, a 470 quilômetros do Recife. Ali, em 1836, uma seita tentou fazer ressurgir o rei Dom Sebastião, transformado em lenda em Portugal depois de desaparecer na Batalha de Alcácer-Quibir, quando tentava converter mouros em cristãos no Marrocos. Sob o domínio espanhol, os portugueses sonhavam com o retorno do rei que restauraria a nação usurpada.

   A manifestação de sebastianismo no Brasil está presente não só no livro de Suassuna como é lembrada em Pernambuco durante a Cavalgada da Pedra do Reino, que acontece anualmente no lugar onde inocentes foram sacrificados pela volta do rei. O escritor paraibano, que há muito escolheu Recife como moradia, cita seu novo livro em gestação, no qual espera fundir os três gêneros aos quais se dedica: o romance, o teatro e a poesia, entrelaçados numa espécie de revisão de tudo o que já escreveu. A obra do autor, aliás, já mereceu numerosos estudos em todo o Brasil, o mais recente deles assinado pela antropóloga Maria Aparecida Lopes Nogueira, autora de “Ariano Suassuna, o cabreiro tresmalhado” (editora Palas Athena), no qual ela analisa minuciosamente a tragédia pessoal presente na literatura de Suassuna.

Lançado há quase 30 anos, “A Pedra do Reino” passou duas décadas fora de catálogo. Alguma restrição de sua parte?

ARIANO SUASSUNA: Não, nenhuma. O que houve foi que minha editora, a José Olympio, passou por dificuldades. Então, apesar de o livro estar na época vendendo bem, ficou por mais de 20 anos fora de catálogo. Não houve nenhuma grande revisão do livro, que permanece com a mesma estrutura e algumas pequenas modificações.

O poeta João Cabral de Melo Neto dizia que, na idade madura, jamais escreveria de novo “Morte e vida severina”, afirmando que seu poema mais famoso foi um arroubo de juventude. Hoje o senhor escreveria “A Pedra do Reino” com o mesmo ímpeto?

SUASSUNA: Com certeza. Mantive todo o livro nessa edição. E lhe digo como já disse mais de uma vez: se me dissessem que iam queimar todos os livros e só me dessem o direito de salvar uma obra, salvaria “A Pedra do Reino”.

No sertão de sua infância os descendentes e parentes próximos vingavam com a morte o assassinato de entes queridos. O seu pai foi assassinado por divergências políticas. Escrever “A Pedra do Reino” foi sua melhor vingança?

SUASSUNA: Foi mais do que uma vingança. Foi uma forma de evitar o crime e buscar a redenção.

O senhor teve essa percepção ao escrever o livro ou só depois tomou consciência de que “A Pedra do Reino” foi uma forma de manter viva a imagem, o rosto, a presença do seu pai?

SUASSUNA: Só uma década depois entendi que o que escrevi tinha sido uma busca daquela redenção. E hoje acho que é isso mesmo. Mas não percebi isso quando publiquei o livro em 1971. É a descoberta do rei que nunca morre. O livro é dedicado a meu pai e a mais doze pessoas. É como se ele representasse para mim aquela figura tão importante do tempo em que eu assistia às cavalhadas de menino. Então, meu pai é o imperador a quem o livro é dedicado. E os doze outros são os cavaleiros, os pares dele. Tanto que entre eles encontram-se Euclides da Cunha, Antônio Conselheiro, José Lins do Rego e até Leandro Gomes de Barros, o maior autor de folhetos de cordel do Nordeste. Por esse motivo, concluí minha dedicatória a João Suassuna, santos, mártires, poetas, profetas e guerreiros do meu mundo mítico do sertão.

Depois de ter o pai assassinado o senhor cresceu ouvindo falar mal dele, que representaria o rural, o atrasado. O urbano é que era o progresso. Seu esforço foi para fazer uma inversão desses valores?

SUASSUNA: Eu realmente sentia muito isso. Essa visão de que as forças rurais que ele liderava eram o atraso, o obscurantismo, o mal. E as outras representavam o bem e o progresso. “A Pedra do Reino” foi uma das armas que usei para reagir contra essa visão estreita.

“A Pedra do Reino” foi encarada como um marco da ficção nordestina depois do ciclo regionalista da década de 30. Apesar de abordar o mundo famélico e mágico do sertão, ele teria uma mensagem universal?

SUASSUNA: Eu o fiz com a intenção de ser universal. Se eu o consegui ou não, é difícil determinar porque só o tempo vai dizer. Mas realmente acredito que o ser humano é o mesmo em todos os lugares e em todos os tempos. Então, se em “A Pedra do Reino” consegui tocar na vida, na história do homem nordestino, estou tocando, também, nos problemas dos homens de todos os lugares do mundo.

O Globo)


Encontro decisivo com João Cabral

Gerson Camarotti
Enviado especial RECIFE


   Há 50 anos, o dramaturgo e romancista paraibano Ariano Suassuna colocava um ponto final na obra que seria uma das mais populares do teatro brasileiro: o “Auto da Compadecida”. No mesmo ano, o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto também concluía “Morte e vida severina”, seu poema de maior repercussão. Os dois textos foram escritos no Recife de 1955. E não foi mero acaso, como revela Suassuna cinco décadas depois.

   Segundo ele, as duas obras foram escritas num momento de grande troca de idéias entre os dois escritores. Nessa época, acusado de ser subversivo e afastado do Itamaraty, João Cabral voltou para o Recife, onde viveu por três anos. O dramaturgo e o poeta se aproximaram com o mesmo interesse: conhecer de forma mais profunda o romanceiro popular do Nordeste.

   — Nós estávamos muito preocupados com o mesmo tema. A gente queria uma identificação entre o povo brasileiro do Nordeste e a literatura que esse povo faz. Nem João era e nem eu sou do povo. Tínhamos em comum a vontade de fazer com que a nossa literatura pulsasse em consonância com esse povo do Brasil real. Não se tratou bem de uma influência mútua. Foi um encontro. Isso aconteceu de maneira extraordinária — revela hoje Ariano Suassuna.

Folheto de cordel deixou João Cabral entusiasmado

   Para marcar os 50 anos de pelo menos uma dessas obras, “Auto da Compadecida”, a editora Agir está lançando uma edição especial de luxo. Com ilustrações do artista plástico Dantas Suassuna, o livro comemorativo traz ainda textos do doutor em literatura Carlos Newton Júnior, do escritor Raimundo Carrero e do poeta Bráulio Tavares, além de fotos de montagens históricas da peça no teatro, no cinema e na TV.

   O primeiro encontro entre Suassuna e Cabral ocorreu numa conferência sobre poesia que o irmão do poeta, Evaldo Cabral, promoveu no Recife. Ariano deu uma aula sobre o romanceiro popular.

   — Lembro que João ficou muito entusiasmado, porque na aula eu li um folheto de cordel em que havia um pedaço em que o boi fazia um testamento. Num trecho, dizia: “Os ossos do boi Espácio/ dão mil pares de botão”. João achou isso maravilhoso.

   A partir daí, a convivência foi intensa. João Cabral incorporou-se ao grupo Gráfico Amador, fundado pelo artista plástico Aloísio Magalhães e do qual participava Ariano. O poeta ficou tão animado que lançou pelo Gráfico Amador um pequeno livro, “Aniki-Bobó”, editado por Aloísio. Estimulado pelas experiências em arte gráfica, que tiveram origem com o pintor Vicente do Rego Monteiro, o poeta freqüentava as reuniões do grupo.

   Foi num desses encontros que João ouviu de Ariano que no sertão de sua infância, quando alguém encontrava uma pessoa morta no caminho, tinha a obrigação religiosa de ajudar a carregar o corpo. A pessoa que ajudava dizia a frase-ritual: “Chega irmão das almas, não fui eu que matei não”. A frase que já havia sido transcrita na peça “Uma mulher vestida de sol”, de Ariano, está presente numa das principais passagens de “Morte e vida severina”.

  João Cabral estava no seleto grupo de cinco integrantes do Gráfico Amador que ouviu a primeira leitura da “Compadecida”. Quando Ariano terminou de ler a peça, o poeta perguntou:

   — Me diga uma coisa, você se desconverteu?

   — De maneira nenhuma. Não estou falando mal da Igreja. Estou falando do que está errado nas pessoas da Igreja — explicou Ariano.

Poema perdeu as marcações para teatro

   O curioso é que nenhum dos dois imaginava o sucesso que teriam “Compadecida” e “Morte e vida”. Até aquela data, Ariano já tinha escrito sete peças, sem ter sido publicado, e apenas uma fora encenada, com pouca repercussão. Já “Morte e vida” por pouco não caiu no esquecimento. O texto havia sido encomendado por Maria Clara Machado em 1954. Depois de pronto, ela disse que o Tablado não tinha condições para levá-lo ao palco. O poema perdeu as marcações para teatro e foi parar no livro “Duas águas”.

   Apesar da amizade e troca de experiências sobre o romanceiro popular entre os dois escritores, as obras têm características distintas. Cinco décadas depois, o próprio Suassuna aponta as diferenças e traça um paralelo entre os dois textos:

   — No “Auto da Compadecida”, o meu trabalho é mais de teatralização. Existe a presença forte dessas histórias populares dos folhetos de cordel. Já “Morte e vida severina” é todo baseado na invenção poética de João. Tem ligação com romanceiro, mas é um poema dramático com qualidade poética superior. Talvez, por isso, não tenha a possibilidade de atingir o povo como conseguiu a “Compadecida”. Não por minha causa, mas por causa das histórias populares.

O Globo)


Caleidoscópio da cultura brasileira

   Embora se defina essencialmente como um escritor, Ariano Suassuna não é só isso. É um painel, um caleidoscópio da cultura brasileira e um caminho legítimo para se pensar sobre a cultura e o povo. É o que afirma a antropóloga Maria Aparecida Lopes Nogueira, autora de “Ariano Suassuna, o cabreiro tresmalhado” (editora Palas Athena), um livro que constitui um divertido e indispensável passeio pelo universo de arquétipos, mitos, crendices, costumes e até profecias que norteiam a cultura sertaneja. A obra, originalmente uma tese de doutorado da autora na PUC-SP, conduz o leitor a uma viagem mágica ao mundo do autor de “A Pedra do do Reino”, através da qual o leitor descobre as linhas mestras, raízes e até mesmo os dramas familiares que deram origem à obra de um dos mais populares escritores brasileiros.
 
   — Ariano é um antropólogo implícito, um pensador da cultura através do qual se entende melhor o povo brasileiro — resume ela que tentava, de início, limitar o estudo à obra literária do escritor.

   Mas não foi possível. É que ela descobriu um homem tão múltiplo que ampliou sua proposta inicial de pesquisa e terminou mergulhando na universalidade não só de Suassuna como da própria cultura sertaneja.

   — Era um universo paradoxal, contraditório, conflitual. Além de grande escritor, Ariano é artista plástico, tapeceiro, poeta, letrista. Tive que partir do princípio de que um homem e sua obra refletem toda a densidade da cultura de uma sociedade. Nessa perspectiva, a arte é um caminho para se entender um povo — afirma Aparecida.

   Para ela, Suassuna é, na verdade, “um guerreiro bárbaro e impetuoso que atravessa a vida entre ciladas e repentes”, e que “não se dobra”.

   — Audacioso, solitário e crédulo, ele continua enfrentando as ameaças da morte caetana de modo insano e feroz — argumenta.

   Para os que não sabem: a morte caetana é a forma como o sertanejo encara não só a morte física, mas o desconhecido, o destino incerto, as armadilhas da vida. E elas chegaram cedo para Suassuna, que teve o pai assassinado por questões políticas relacionadas à Revolução de 30. Ele, que tinha apenas 3 anos, cresceu lendo jornais que falavam mal do pai.

Entre o sebastianismo e a morte do pai

   Aparecida estabelece uma ligação entre o sebastianismo presente na obra de Suassuna e o desaparecimento prematuro do pai. Ela mostra que se no sebastianismo os fanáticos achavam que sacrificando inocentes e erguendo um castelo o rei português estaria de volta — como fazia a seita crescida no sertão pernambucano — em “A Pedra do Reino” Suassuna descobriu a possibilidade de ressurreição do próprio pai, ao narrar a história de Dom Sebastião.

   — A tragédia impregnou de tal forma a alma de Ariano que ele começou a construir dentro dele a possibilidade de reencantar a alma do pai — diz ela.

   Aparecida também analisa a presença do profeta, do rei e do palhaço recorrentes na vida e obra do escritor. “O profeta ressalta a religiosidade na trajetória do autor desde a infância até o movimento armorial, assim como a preocupação de criar uma obra aberta que se nutre do amplo leque de fontes classificadas como populares e eruditas. O palhaço é arquétipo no qual Ariano emerge como contador de histórias. Consciente desse papel, reconhece a importância dada ao narrador na transmissão e manutenção do capital cultural. O arquétipo de rei permite a visualização de uma auto-ética que constitui a base de uma ética plural, conflitual e complexa, mostrando que o rei surge como temática recorrente ressoando na figura do pai, de Dom Sebastião e na preferência estética pela monarquia”, esmiúça a antropóloga. (Letícia Lins)

O Globo)


O riso a cavalo e o galope do sonho

Alguns escritores brasileiros ignoram a literatura popular em suas obras. Já na sua o popular e o erudito vivem em simbiose profunda. Por quê?


SUASSUNA: Porque eu considero a literatura popular brasileira como a forma de expressão literária mais verdadeira do Brasil. Acho que é na literatura de cordel que está aquele gênero literário no qual o povo brasileiro se expressou sem nenhuma imposição ou deformação que viesse nem de cima nem de fora.

O que pesa mais na sua formação: o rei, o profeta ou o palhaço?


SUASSUNA: Na minha visão, de um lado estão o rei e o profeta. Do outro, o palhaço e o poeta. E isso não é só comigo não. É com todo ser humano que, de uma forma geral, tenta equilibrar isso. Com os outros não sei se é assim, mas comigo, quando as imagens do rei e do profeta começam a pesar muito, dou uma cambalhota. E para usar muito uma expressão do cordel, presente em “A Pedra do Reino”, faço opção pelo riso a cavalo e pelo galope do sonho.


E em “A Pedra”, qual o seu lado mais forte?


SUASSUNA: Sei não. Acho que saiu mais ou menos equilibrado. O pessoal não presta muita atenção a isso. Mesmo nas minhas peças cômicas tem sempre essa mistura. Por exemplo, “O Auto da Compadecida”, olhada pelo ângulo que não é cômico, é uma história terrível. Morre todo mundo. E todo mundo acha graça. Mas isso é como a vida. A vida é assim, uma história terrível. A vida tem um fundamento trágico e bastaria a morte para dar esse fundamento trágico à vida, mas tudo isso a gente pode enfrentar através do galope do sonho.

Já que o senhor fala em vida e em morte, o que seria para nós a morte caetana? Uma armadilha do destino, o sufocamento de uma cultura pela invasão estrangeira? Qual a pior?


SUASSUNA: Acho que a invasão da cultura alienígena é pior. Porque a outra morte caetana nos atinge com uma violência maior, mas não com a vulgaridade da outra. Essa de cá (a estrangeira) não mata, mas corrompe e vulgariza, afeta a nossa identidade. E isso é pior do que matar. A vulgarização da cultura é desprezível. A morte caetana merece um verso. A outra não.

Sua obra é considerada por estudiosos um painel da cultura brasileira. Escritor, poeta, letrista, tapeceiro, artista plástico. Qual o seu lado mais forte?


SUASSUNA: Sou essencialmente um escritor, o dramaturgo, o poeta, o romancista. As outras coisas eu uso como suporte de minha literatura. Às vezes as pessoas me chamam, generosamente, de artista plástico. Não me considero como tal. Artista é Gilvan Samico, é meu filho Dantas Suassuna. Eu sou um escritor que eventualmente lança mão de um desenho para ilustrar seus textos, mas a criação gráfica vem da imagem literária. Se me dissessem “faça um desenho sobre tal coisa”, eu não saberia. Mas quando digo que a morte caetana é uma mulher que se transformou em onça alada, aí eu saberia fazer esse desenho, que vem da forma literária que inventei.

E o próximo livro, quando sai?

SUASSUNA: Este ano. A temática é rural e urbana e pela primeira vez tem a presença do Recife, uma presença explícita. O Recife é muito forte em mim. Sobre o resto prefiro não falar, mas posso adiantar que é uma tentativa de revisão de tudo que escrevi, fundindo pela primeira vez esses três gêneros aos quais me dedico separadamente: a poesia, o teatro e o romance.

O Globo)


Romance de Ariano já tem data para terminar

Escritor estabeleceu o aniversário de 60 anos de sua estréia na literatura, em outubro, como um marco para finalizar o novo e grandioso romance que vem escrevendo, ainda sem título

DIANA MOURA BARBOSA

   O novo romance do escritor Ariano Suassuna já tem data para ganhar o último ponto final. Ele programou para 7 de outubro deste ano o dia do encerramento do último volume do livro, que ainda não tem título – ou, pelo menos, o nome ele não revela. A data foi programada por coincidir com os 60 anos de sua vida literária. Em 7 de outubro de 1945, o autor publicou seu primeiro texto, o poema Noturno, editado no suplemento literário do Jornal do Commercio. Enquanto as novas publicações não chegam, Suassuna brinda ávidos leitores com reedições de suas obras. E administra a movimentação gerada em torno delas.

   Do ano de 2000 para cá, as editoras José Olympio e Agir já relançaram dois de seus maiores clássicos – A pedra do reino e Auto da Compadecida, respectivamente – além de mais quatro peças, em edições de bolso: O santo e a porca, O casamento suspeitoso, A farsa da boa preguiça e Uma mulher vestida de sol. A pena e a Lei deve sair no início de julho, em Parati. Além disso, o livro de ensaios Iniciação à estética também foi reeditado. Quer melhor que isso? Quase todos já estão esgotados. A pedra do reino, por exemplo, teve três mil exemplares rodados em dezembro de 2004, depois de 30 anos fora de catálogo, e logo em seguida, em março de 2005, ganhou uma outra edição, a sexta.

   Por conta do renovado sucesso dos livros antigos, Ariano Suassuna tem que driblar percalços na agenda – e conseguir tempo para finalizar o novo romance. Sua casa vive cercada de estudantes em busca de cumprir tarefas escolares, fãs com pedidos de autógrafos, visitantes desavisados que desejam “apenas” entrar para conhecer a casa do mestre, além de uma fila de jornalistas, críticos, pesquisadores e coisas do tipo. A residência dos Suassuna, hoje, é tratada como se fosse um ponto turístico em Casa Forte. E é de se imaginar que essa invasão de privacidade incomode pelo menos um pouco.

   Entre uma intromissão e outra, o escritor segue tranqüilo, bem humorado como sempre, com o semblante calmo, mas determinado, de quem sabe o desafio que ainda tem pela frente. Até outubro, garante finalizar seu trabalho, todo escrito e ilustrado por ele, manualmente. Em seguida, é a vez de seu genro, Alexandre Nóbrega, começar a transcrever toda a obra no computador. Só então o material segue para uma editora (ainda indefinida), depois de passar pelas negociações de praxe, é claro.

   Ao contrário dos seus milhares de fãs e admiradores, o escritor não parece ter pressa para concluir seu texto. Recentemente, ele abriu um dos capítulos para acrescentar informações que leu no jornal, sobre um padre, um palhaço e um professor que foram presos por molestar crianças. “Eu fiquei impressionado com essa atitude, vinda de pessoas de quem a gente espera o contrário”, comenta. Desde 1947, Suassuna coleciona notícias de jornal recortadas e coladas em cadernos, como se fossem álbuns. “Eu não gosto de obras excessivamente realistas, mas também não gosto de ficar ausente da realidade, porque o real enriquece o universo literário, legitima o que seria invenção pessoal”, pontua o escritor.

   Um dos entraves para concluir o livro com mais agilidade é a grandiosidade de sua premissa. Ariano Suassuna já havia divulgado que pretende colocar toda a sua obra no novo romance. E essa, claro, não é uma tarefa fácil. O trabalho vai reunir o seu teatro, prosa e poesia, para isso, terá que ser editado em vários volumes. Para realizar o feito, o escritor explica, com exclusividade para o Jornal do Commercio, que o personagem principal do romance é um dramaturgo e ator frustrado, que terá que passar por uma prova de fogo numa espécie de teatro-tribunal, quando será julgado pela qualidade de sua criação.

   Com esse mote, Suassuna revisita Quaderna, o héroi de A pedra do reino, que vivia às voltas com sua produção literária, enquanto o próprio Suassuna aproveitava para discutir – pelo livro, com os leitores – o fazer e a estética da literatura. Homem grato às pessoas, autores, livros e personagens que já trouxeram algo de positivo para sua trajetória, Ariano Suassuna aproveita esse romance também para homenagear um dos escritores que mais o influenciou, batizando o novo protagonista como Antero Savedra, por causa de Cervantes, e dando-lhe o apelido de Dom Pantero, em honra a Dom Quixote. Ele coloca numa só pessoa a ambigüidade de ser criador e criatura, traço que, para os que são familiarizados com seu pensamento estético, é uma de suas grandes e brilhantes marcas.

NAS LIVRARIAS

   Enquanto o novo livro não chega, resta ao público apreciar as obras de Suassuna disponíveis nas livrarias. O Auto da Compadecida, por exemplo, ganhou recentemente a mais bela edição a que já teve direito. Um volume de luxo, capa dura, com ilustrações maravilhosas de Manuel Dantas Suassuna e projeto gráfico igualmente primoroso de Ricardo Gouveia de Mello. O escritor, a princípio, não estava interessado em tal “edição de luxo”. “Eu não sou muito entusiasmado com esse negócio de edição de luxo. Eu gosto de livro e eu gosto de ler, mas eu também gosto de tomar intimidade com o livro. E com o livro de luxo, a gente fica se sentindo como se ele fosse dono da gente, e não o contrário. Eu preferia que fosse uma edição popular.” O autor só mudou de idéia quando viu o protótipo do livro, diagramado e ilustrado: “Aí, eu não só concordei, como fiquei orgulhoso e contente”. De quebra, o Auto também ganhou uma edição popular, dessa vez com projeto de Gouveia de Mello e ilustrado por Romero de Andrade Lima.

   Ricardo Gouveia de Mello, dono das criações gráficas que encantaram Ariano Suassuna, conta que mergulhou no universo estético do escritor, pontuando o projeto do livro com o visual dos poemas ilustrados que o escritor assina, as iluminogravuras, e com as iluminuras medievais. “Ariano achou que o trabalho tinha a ver com a estética dele. E tem. Mas não é por acaso. Eu bebi na fonte dele para chegar a esse resultado”, explica Gouveia de Mello.

   Depois de se acostumar com o “luxo”, os leitores agora esperam que o novo e aguardado romance do escritor receba o mesmo tratamento de alto nível estético e gráfico. “No caso da obra de Ariano, ‘luxo’ não quer dizer pompa. Significa apenas que você tem a liberdade de trabalhar graficamente com elementos coerentes com a criação literária dele”, situa Gouveia de Mello. Depois do sucesso do Auto, ele já assinou mais duas parcerias com Suassuna e a editora Agir.

JC Online)

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