Notícias

Música regional bem turbinada 

Felipe Falcão e Zezão Nóbrega

Felipe Falcão e Zezão Nóbrega, o Digital Groove, lançam CD de estréia, depois de participarem de discos alheios durante quase dez anos

JOSÉ TELES

Entidade abstrata da música pernambucana há quase uma década, o projeto Digital Groove, de Felipe Falcão e Zezão Nóbrega, materializa-se no CD Rebeca sanfona pife, que será lançado hoje, no Boratcho, no Pina, a partir das 22h. “Será uma festa para mostrar o disco ao nosso pequeno público, com participação da DJ Lala K. Mas pretendemos fazer um show da Digital Groove, com participações de artistas que têm afinidade com o nosso trabalho, mas não temos data marcada ainda”, diz Felipe Falcão.

A dupla depende a princípio do talento de um advogado. Explica-se. Foi criada uma espécie de associação dos amigos de Zé Neguinho do Coco, que está tentando tirá-lo do Aníbal Bruno, onde o coquista cumpre pena de seis anos: “A gente queria levar Zé Neguinho ao palco, mostrar o talento dele, mas como não sabemos se irá conseguir a liberdade, não temos uma data definida. Mas mesmo sem ele, o show deverá acontecer, com convidados”, completa Zezão Nóbrega.

O projeto Digital Groove, a bem da verdade, já havia saído da abastração em 1997, quando teve direito a uma faixa nas coletâneas CD Recife rock e Pernambuco in concert. Felipe Falcão tem participado de shows, discos e produções, trilhas (Zezão Nóbrega prende-se mais ao seu trabalho publicitário). A dupla tem convite para uma temporada no Studio SP, casa noturna paulistana, que eles ainda não sabem se vão aceitar.

Os dois tocam juntos desde final dos anos 80, quando formaram a Fator H, banda que fez exatas oito apresentações: “A gente escutava Bauhaus, New Order, a música eletrônica que se fazia na época, não se ligava em música regional”, conta Felipe Falcão.

A junção entre os dois idiomas diferentes começou quando Falcão foi trabalhar na produtora Luni e conheceu Silvério Pessoa, que se preparava para gravar o seu primeiro disco solo, Bate o mancá, que ele incrementou com programações e demais aditivos eletrônicos. O título do CD vem desta influência da música pernambucana: “Rabeca, safona e o pife são os três instrumentos solo da música nordestina”, lembra Felipe Falcão.

AMÁLGAMA – Rabeca Sanfona Pife é uma colcha de retalho, uma amálgama de diversos estilos, nem sempre com as raízes da música pernambucana. Frog, uma das faixas é uma parceria com Danilo Caymmi, Felipe Falcão, Zezão, e João Falcão. Seis, de Zezão e Felipe, com samplers de Naná Vasconcelos, foi feita para a premiadíssima trilha de Entre paredes. Boléia da Toyota, de Silvério Pessoa, é a primeira versão desta música, que recebeu roupagem diferente no CD Cabeça elétrica, coração acústico:

“O disco é uma coletânea do que a gente vem fazendo desde 98”, diz Zezão Nóbrega. “Tem músicas antigas, como Beatmug, que a gente tocou na tenda eletrônica do Festival de Inverno de Garanhuns. Outras, como Maria do Sertão, são inéditas. Assinada por Silvério Pessoa, Jessier Quirino, Zezão Nóbrega e Felipe Falcão, a canção foi feita para o disco de estréia do Refinaria”, comenta Falcão.

E tem mais peculiaridades no repertório do Digital Groove. The beast, por exemplo, é uma das músicas que deverá estar na eternamente adiada estréia de Bráulio Tavares em disco (é Bráulio quem canta na faixa, com programações de Felipe Falcão).

Zé Neguinho entra no disco com Recife d’água e Tubarão, mais dois cocos, cujas letras são crônicas da cidade. Também com Zé Neguinho é a já conhecida Jacira, aqui em uma nova versão. Num projeto do Digital Groove, Lula Queiroga não poderia estar de fora. Ele comparece com o texto inédito Atirador e o galo, que une a voz de Lula, com a sanfona de Silveirinha, sample da Primal Scream, programações, e percussão de Wilson Farias. A letra é um conto surrealista, de narração cinematográfica. Um maluco espera no alto do edifício Pirapama para atirar nos foliões do Galo da Madrugada.

Festa de lançamento do CD Rabeca Sanfona Pife, da Digital Groove, com DJ Lala K, 22h, no Boratcho, na Galeria Joana D’arc, no Pina. Preço do CD: R$ 10

(© JC Online)



O som multifacetado de Apollo Nove

O currículo do produtor paulista Francisco Carvalho, ou melhor, Apollo Nove, é dos mais brilhantes da moderna MPB. Sua assinatura, na produção ou como músico, está em discos que vão da internacional Cibelle ao seminal Chico Science, passando por Otto, Seu Jorge, Planet Hemp. A personalidade musical de Apollo Nove é ao mesmo tempo pop e hermética. Suas influências confessas vêm do pioneiro da eletrônica, Stockhausen, ou Walter Carlos o homem (ou mulher, já que se submeteu a uma operação e virou Wendy Carlos) que colocou o sintetizador nas paradas de sucesso. Com tal ecletismo, tanto no trabalho, quanto na música que curte, é fácil entender a multiplicidade de estilos e de convidados em Res inexplicata volans (ST2), o disco de estréia de Apollo Nove. Um toque na tecla “Pausa” para esclarecer o nome em latim. Em 1997, o Vaticano, para se adequar ao vocabulário usado pelos comuns mortais adaptou para o latim alguns termos. Por exemplo, “strip tease” foi traduzido como “sui ipsius nudatio”. Já “res inexplicata volans” significa “objeto voador não identificado”. O termo é o refrão da canção Inexplicata, cantada no disco por Apollo Nove e Céu, e composta por Rita Lee (uma das melhores coisas que ela fez nos últimos tempos).

Assim como o título do CD, a imprevisibilidade permeia o repertório. A sonoridade acompanha esta concepção, e não poderia ser diferente, afinal Apollo Nove é conhecido pela sua coleção de teclados, sintetizadores e efeitos dos anos 60, 70 e 80. Aqui tanto se pode escutar um reggae quase convencional, Ensaboar você (Soap you), num dueto de Seu Jorge com Céu (bem mais agradável do que o do ubíquo Seu Jorge com Ana Carolina).

A lista de convidados é extensa. No vocais, a citada Céu, Cibelle, Holly, Fred 04, Seu Jorge, Tita Lima (filha do produtor Liminha). Entre os músicos estão desde um dos guitarristas preferidos dos tropicalistas, Lanny Gordin, ao violão de João Parahyba, responsável pelo balanço do Trio Mocotó, mais expoentes da geração manguebeat, Fred 04, Otto e Pupilo.

DISCO – Estão pois no mesmo disco artistas de duas cenas menos chegadas a desperdício de tempo, ou de conversa fiada, a paulistana e a pernambucana. Assim é que Res inexplicata volans é um trabalho sério, mas de uma seriedade que não é carrancuda. Tem bossa nova, tem rock and roll, tem piscodelia, tem até rumba com jeito de trip hop, feito acontece em Inexplicata). Apollo Nove dá continuidade à música que vem sendo desenvolvida na cosmopolita São Paulo desde os anos 80, feita por músicos que correm por fora do fácil, e nunca procuram o caminho das pedras do ritmo de ocasião. Não que o CD não tenha faixas radiofônicas. Uma delas é I’m a rocker, com um solo matador de sax tenor, que lembra a parceria de Stan Getz com João Gilberto. MPB moderna, sem copiar gringo, daí seu sucesso lá fora. O CD foi lançado na Europa em outubro passado. (J.T.)

(© JC Online)

Google
Web Nordesteweb