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Heraldo do Monte volta às origens

O guitarrista Heraldo do Monte

Um dos maiores guitarristas brasileiros vivos e que integrou o revolucionário Quarteto Novo, músico toca no FIG, no retorno a Pernambuco

MARCOS TOLEDO

Há exato meio século, o guitarrista Heraldo do Monte deixou o Recife para tentar a vida em São Paulo atendendo a um convite do amigo e organista Walter Wanderley. Nem tinha idéia de que se tornaria, uma década depois, um dos responsáveis por uma das revoluções da música instrumental brasileira ao lado de Airto Moreira, Hermeto Pascoal e Theo de Barros sob o epíteto do Quarteto Novo.

Agora, aos 71 anos de idade, o também arranjador e compositor retorna à terra natal em busca de suas raízes familiares. E, nem ao mesmo desfez as malas, encontrou em um grupo de músicos talentosos e bem mais jovens a companhia para dar um novo direcionamento a sua carreira: o BPM Trio. Com essa banda, ele faz sua reestréia em palcos pernambucanos, hoje, no 16º Festival de Inverno de Garanhuns, a partir das 18h, no Parque Ruber Van der Linden (confira matéria ao lado).

“Não é nada de mais. Naná (Vasconcelos, percussionista, também pernambucano, que viveu 28 anos em Nova Iorque) também está por aqui. Com a internet, agora, a gente mora onde quer. Sivuca também voltou para a Paraíba”, disse Heraldo, esta semana, quando recebeu a reportagem do JC em seu novo apartamento, no bairro do Janga, no município de Paulista, Região Metropolitana do Recife.

O guitarrista conta que estava com saudade de sua cidade natal, do Estado, e que resolveu morar especificamente nesse bairro por que é lá que moram alguns de seus irmãos e sobrinhos. Ele também voltou em busca de uma melhor qualidade de vida. “Mas a decisão foi tomada antes dos ataques em São Paulo”, brincou, referindo-se à violência provocada pelo confronto entre o PCC e as autoridades paulistas. “É um misto de alívio por estar longe e medo de que isso se espalhe pelo País”, contou, tornando a conversa mais séria. Em Sampa, o instrumentista vivia praticamente só com sua esposa, Lurdes, com quem é casada há 48 anos. Todos seus filhos – inclusive o também violonista Luís do Monte – têm suas vidas independentes.

Há dez anos, Heraldo já havia tentado uma experiência de viver no mesmo local, onde morou por dez meses. O Recife, aliás, é o local preferido do compositor, mas a presença da família conta mais pontos. “Fico dividido entre morar no Recife, onde as coisas acontecem, e ficar perto de meus irmãos”, explicou.

Com mais de uma dezena de discos gravados – a maioria em LP, o que ele não acha ruim, pois, modestamente, só considera válida sua carreira a partir do célebre álbum Quarteto Novo (EMI/Odeon, 1967, este disponível em CD), quando teve início sua trajetória de autor –, Heraldo do Monte também ficou famoso como violonista e violeiro, mas diz que prefere a guitarra (na foto ao lado, ele aparece com sua Ibanez semi-acústica).

Heraldo procura estar sempre atualizado ouvindo muita música clássica, jazz e instrumental brasileira. Tecnologicamente, compõe no computador utilizando o software Encore e atende às encomendas de trabalhos enviando partituras pela web. “A internet também serve para os produtores se comunicarem comigo”, afirmou.

O músico, que já mostrou seu talento pelo mundo, em concertos no Canadá, em Cuba e na França, continua se apresentando pelo Brasil. No mês que vem, toca no 28º Festival Folclórico de Montes Claros, em Minas Gerais, e no Festival Dilermando Reis, em Guaratinguetá, no interior de São Paulo.

O disco mais recente de Heraldo é o Guitarra brasileira (independente, 2004), no qual vive mais uma experiência de quarteto, acompanhado por Luís do Monte (violão), Gilberto “Giba” Pinto (contrabaixo) e Nenê (bateria e percussão). A obra, que ressalta seu virtuosismo como compositor, arranjador e solista, encerra com um frevo: Sombrinha colorida. “Acabei de aprontar um CD”, antecipou. “Vai se chamar Cordas livres. Sai perto do fim do ano.” Com este trabalho, Heraldo forma uma trilogia com dois outros anteriores: Cordas vivas (Som da Gente, 1983) e Cordas mágicas (Som da Gente, 1986).

Sobre uma possível reunião do mítico Quarteto Novo, o músico descarta: “Seria difícil reunir o pessoal de novo (Airto Moreira, por exemplo, vive nos EUA desde o fim do grupo). A gente acha que aquela época já passou”.

(© JC Online)


 


União pelo regional e pela improvisação

Formado pelo guitarrista Luciano Magno, o baixista Nando Barreto e o baterista Ebel Perrelli, o BPM Trio é um dos grupos brasileiros herdeiros do pioneirismo do Quarteto Novo, do qual fez parte o também guitarrista Heraldo do Monte. Na formação dos músicos (jazz, erudito) e no interesse pela tradição regional e pela improvisação. O nome, que traz as iniciais dos integrantes (Barreto, Perrelli e Magno), é uma referência ao termo “batida por minuto”, utilizado no meio musical, e, curiosamente, é o contrário de MPB.

O contato do BPM Trio com o veterano compositor ocorreu quando o guitarrista do grupo foi tocar em uma das edições do Guitar Player-IG&T festival, em São Paulo. “Luciano Magno é um cara talentoso. Ele ficou hospedado lá em casa e conversamos muito”, lembrou Heraldo. Antes, os dois já haviam tocado em um mesmo projeto, o álbum Dominguinhos e convidados cantam Luiz Gonzaga (Velas, 1997). “Ele (Luciano) achou bom que eu viesse para cá. E surgiu, de cara, essa oportunidade para o Festival de inverno de Garanhuns. A primeira coisa que você nota num jovem é a energia. É isso o que o BPM Trio, Yamandú (Costa, violonista), têm. É uma energia própria daquela idade. Quando você vai amadurecendo, vai ficando mais romântico, menos rítmico e mais melódico”, atestou o experiente arranjador.

Sobre uma possível comparação de sua união com o BPM e sua experiência com o Quarteto Novo, nos anos 60, Heraldo separa bem. “Cada música tem sua característica, cada qual faz sua leitura. O Quarteto tinha o pioneirismo. Tivemos a sorte de viver uma época em que não havia a linha de improvisação”, contou, citando a influência do bebop (estilo do jazz americano) principalmente em sua formação e na de Hermeto Pascoal. “A gente criou uma linguagem a partir de violeiros nordestinos, pífano e das composições de Luiz Gonzaga”, lembrou.

Quatro décadas depois do pioneiro Quarteto Novo, coube ao público do 16º FIG – precisamente aos freqüentadores do bucólico Parque Ruber Van der Linden – conferir, hoje, a partir das 18h, o fruto dessa união de duas gerações. “Minha sugestão foi que não fizéssemos arranjos muito complexos para não atrapalhar”, explicou Heraldo.

Em Garanhuns, o BPM mostra três músicas do CD de estréia, que será lançado em breve: Santiago, Domingueando e Coisa linda. Depois, chama Heraldo, que faz com o trio Vem morena (Luiz Gonzaga & Zé Dantas), Sunny (Bobby Hebb), Roseira do Norte (Pedro Sertanejo & Zé Gonzaga) e Sombrinha colorida, e, solo, Wave (Tom Jobim). Se a parceria vai ter continuidade, com CD e DVD? “Se eles me quiserem...”, responde Heraldo, em mais um exercício de humildade. (M.T.)

(© JC Online)

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