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Suingue tropical

O DJ Dolores, que concentra sua carreira na Europa

Artistas brasileiros, como o trio +2 e o DJ Dolores, mudam o estereótipo do som para gringo ouvir e emplacam lá fora estilos como rock e eletrônica

ADRIANA FERREIRA SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Está ocorrendo uma pequena revolução no estereótipo da música brasileira para gringo ver. Saem de cena o samba e a bossa nova e entram um samba e uma bossa nova revisitados e diluídos em outras vertentes. Mas não é só isso: além de interessados na "modernização" desses clássicos, o público, a crítica e os selos internacionais estão ligados nos artistas brasucas que fazem eletrônica, funk carioca, rap e rock.

O resultado é que figuras como o sergipano DJ Dolores ou o trio carioca +2, formado por Kassin, Moreno Veloso e Domenico Lancelotti, fazem mais shows fora do país do que aqui -não só em festivais de world music ou música "exótica"- e priorizam o lançamento de seus discos no exterior.

É o caso de Kassin, cujo primeiro CD com o +2, "Futurismo", foi lançado em maio no Japão e só chega em setembro às lojas brasileiras. O mesmo ocorreu com os álbuns de Moreno +2 e Domenico +2.

"Nem é tanta grana, mas viabiliza as turnês", explica Kassin, 32. "Se fosse só pela vendagem brasileira, não pagaríamos o disco. O que paga mesmo são as licenças no exterior."

Essa distribuição ajuda a repercutir na imprensa internacional. A mistura de samba, rock e bossa do +2 recebeu elogios da americana "XLR8R" e da inglesa "Wire", duas conceituadas revistas que acompanham a nova safra brasileira.

Entre outras vantagens, diz Kassin, a principal é que o trio se apresenta duas vezes por ano nos Estados Unidos e na Europa, além do Japão. "Aqui, tocamos em uma ou duas capitais e não voltamos nunca mais. Se dependesse dos shows no Brasil, a banda não existiria", fala.

O circuito do +2 inclui festivais, nos quais eles já dividiram a noite com "ídolos", como as bandas Tortoise e Sonic Youth, e clubes de jazz e rock alternativo, como o badalado Tonic, em Nova York, conhecido por reunir a nata do "avant-garde". "Parece que, de repente, a gente está fazendo parte do mundo", descreve Kassin.

De passagem

Um dos nomes mais conhecidos da cena mangue beat pernambucana, Helder Aragão, ou DJ Dolores, 40, vive de passagem por Pernambuco -e pelo país. "Minha carreira é mais sólida no exterior. Aqui, está começando a acontecer agora."

Dolores conta que investiu na carreira européia porque, lá, o mercado é mais "estável". Como retorno, além de uma extensa agenda de shows, seu disco "Contraditório?" recebeu o BBC Award na categoria Club Global, em 2004.

Dolores lembra que, no início, participava principalmente de eventos de world music. Hoje, seu nome está no line-up de megafestivais como o holandês Roskilde e o inglês Glastonbury. "A idéia de world music mudou muito", diz. "Ainda há uma especificidade cultural, só que com uma pegada eletrônica que dialoga com o pop."
Os gringos também ouvem Dolores primeiro: seus discos são distribuídos na Europa pelo selo inglês Sterne e pelo belga Crammed Records, que detém também os brasileiros Bebel Gilberto, Cibelle e Apollo 9.

Primeiro lá fora

Foi graças ao Crammed, aliás, que o produtor Apollo 9 deu um giro por cerca de dez países, em 2005, quando seu sofisticado álbum de estréia, "Res Inexplicata Volans", saiu na Europa e no Japão -o CD chegou aqui no mês passado.

"O legal é que, ao mesmo tempo em que não faço uma parada para turista, não tenho a necessidade de fazer o que tem que tocar no Brasil", diz Apollo, 36. "Aqui, quando a gravadora faz um contrato, tem uma missão: agradar com certeza."

A cantora Cibelle decidiu investir na carreira no exterior porque, no Brasil, seu estilo foi classificado como "som de gringo" pelo representante de um selo. Radicada em Londres desde 2001, Cibelle, que já foi comparada a Björk, Madeleine Peyroux e, é claro, Bebel Gilberto, participa de festivais europeus e recebe elogios da crítica por sua moderna bossa nova.

De seus dois CDs, apenas o novo, "The Shine of Dried Electric Leaves", saiu no país. "No Brasil, as gravadoras não querem investir", acredita Cibelle, 28. "Pouca gente topa fazer uma coisa nova. Eles têm medo de lançar porque não sabem qual vai ser a reação do público. E, na verdade, as pessoas aceitam, curtem e ouvem."

(© Folha de S. Paulo)


 


"Não tem mais essa coisa do Brasil exótico", afirma dono de gravadora

DA REPORTAGEM LOCAL

O grupo discopunk paulistano Cansei de Ser Sexy é, atualmente, a face mais conhecida dessa nova geração de brasileiros. Recém-contratada pela gravadora americana Sub Pop, a banda está em turnê pelos Estados Unidos com o trio curitibano de funk carioca Bonde do Rolê e, além de lotar os clubinhos onde se apresenta, tem repercutido em jornais e revistas internacionais e também no Brasil -incluindo nesta Folha.

"A música nacional no exterior sempre foi direcionada aos brasileiros que vivem fora do país ou ao circuito de world music", afirma Eduardo Ramos, dono do selo Slag Records e responsável pelos shows do CSS nos EUA. "Essa geração rompeu uma relação de anos, pela qual os brasileiros tocavam só em festivais de jazz e world music."

Para Ramos, o que determinou a entrada dos artistas nesse novo roteiro é o fato de serem uma "geração globalizada". "Quando saiu o CD do CSS, as pessoas diziam que poderia ser de Nova York ou Londres. Assim como o Kassin pode ser de qualquer lugar", descreve. "Não tem mais essa coisa do Brasil exótico, como era com os artistas ligados às "majors".

Ramos aponta a internet como fundamental nesse processo, facilitando a distribuição. "Isso permite um trabalho mais eficaz. O circuito indie é sólido e gera muito dinheiro."

O produtor cultural Marcos Boffa, diretor artístico do festival Motomix e curador do Sónar São Paulo (2004), aposta em um boom no exterior. "A música brasileira está sendo ouvida por um outro viés", avalia Boffa. "Estamos mais próximos da idéia de "global beats" do que da world music. É onde entra o funk carioca."

Entre as características da música brasileira contemporânea, Boffa aponta a retomada de ritmos do passado por artistas como o coletivo Instituto, a cantora Cibelle, o produtor Apollo 9 e o DJ Zé Gonzales. "Eles recuperam uma musicalidade do fim dos anos 60, início de 70, numa roupagem nova, atualizando aquela tradição melódica."

Porém, mais do aproveitar a moda, para Boffa, apostar numa carreira no exterior é uma "necessidade". "Não vejo um mercado muito grande para esses artistas aqui. Se há uma demanda por música brasileira no exterior, por que não, né?" (AFS)

(© Folha de S. Paulo)

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