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Moacir Santos deixa um legado musical de valor inestimável

11/06/2008

Moacir Santos


CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Por alguma razão difícil de explicar, o Brasil costuma reverenciar seus grandes artistas só depois que eles morrem. Moacir Santos teve melhor sorte. Morto aos 80 anos, no último domingo, na Califórnia (EUA), onde se radicou em 1967, o maestro e compositor pernambucano desfrutou a emoção de ver sua obra reconhecida em âmbito internacional e no Brasil.

Nada mais justo. Autor de melodias tão singelas quanto sublimes, Santos desenvolveu a capacidade de transmitir imagens, texturas, cores, até mesmo odores, em suas composições e arranjos. Sua música soa universal, trazendo sempre algo de regional, seja nos ritmos, nas melodias ou na harmonia.

Entre tantos exemplos, ao ouvir "Amalgamation" (composição incluída no precioso álbum "Ouro Negro"), qualquer brasileiro é transportado ao universo onírico das bandinhas de coreto, tão típicas das cidades interioranas de nosso país, com suas valsas e dobrados. Mas a música de Santos é capaz também de emocionar europeus, norte-americanos, asiáticos, conduzindo-os por viagens semelhantes.

Não era à toa que, em suas entrevistas, ao filosofar sobre a linguagem musical, Santos gostava de compará-la à natureza. Dizia que a música deveria buscar a simplicidade e a perfeição formal de uma rosa. Aconselhava os aspirantes à carreira de compositor a prestarem atenção nas flores, nas plantas, nos animais, nos ruídos e odores da natureza. Assim poderiam também transformar esses elementos em música.

"Se as folhas das árvores não são iguais, o que dizer dos homens? Tenho certeza de que a minha música tem alguma coisa que só existe em Moacir Santos", disse ele a este repórter, em dezembro de 2000, quando esteve em São Paulo para participar de dois shows em sua homenagem.

Quem teve a chance de conhecer a simplicidade de Santos, sabe que não há nada de pretensioso numa afirmação como essa. Garoto pobre e órfão do interior de Pernambuco, ele sentiu muito cedo que tinha vocação para a música. Só foi estudar harmonia e regência com mestres do quilate de H. J. Koellreutter, Cláudio Santoro e Guerra Peixe por insistência dos colegas, impressionados com sua facilidade para escrever arranjos, sem qualquer instrução formal. Coisa de gênio.

Essa musicalidade inata não o impediu de enfrentar dificuldades econômicas, já como maestro e arranjador profissional, no Rio. Em meados dos anos 60, chegou até a pensar em se tornar motorista. Uma passagem concedida pelo Itamaraty o levou à estréia da trilha sonora que compôs para o filme "Love in the Pacific", nos EUA, onde decidiu viver, escrevendo e ensinando música, sem maiores pretensões de sucesso.

Não fosse o empenho dos músicos Mário Adnet e Zé Nogueira, responsáveis pelo lançamento dos primorosos álbuns "Ouro Negro" (2001) e "Choros & Alegrias" (2005), além da reedição do clássico "Coisas" (1965), a obra de Moacir Santos ainda seria quase desconhecida. E a humanidade teria perdido um tesouro musical de valor inestimável.

(© Folha de S. Paulo)

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