Rebeca Matta critica poder e mídia na Bahia |
11/06/2008
Lucas CunhaEm entrevista exclusiva ao A Tarde On Line Rebeca Matta, por
e-mail, fala de seu novo trabalho “Rosa Sônica”, se demonstra irritada pelo
rótulo da imprensa sulista que a define como “a outra música de Salvador”,
revela que o disco logo estará disponível em seu site para download e
critica a relação promíscua entre poder e mídia na Bahia.
“Muita grana e articulações políticas que não deixavam espaço para
manifestações artísticas, mas a gente encontra outras formas de se expressar
e de fazer as coisas em que acredita, sem depender e sem desejar depender
desse poder.”
A Tarde On Line - O que é Rosa Sônica? “Rosa” é o lado Rebeca e
“Sônica” o lado eletrônico?
Rebeca Matta - A rosa é um signo de beleza, de delicadeza, é perfume,
movimento no sentido circular e infinito e ao mesmo tempo tem os espinhos
que são como espadas guerreiras, prontas para defender a sua existência. Às
vezes ela precisa cortar, arranhar, ferir para continuar viva e conseguir
afirmar sua natureza. Sônica tem a ver com o movimento em si, são as ondas,
os sons que querem invadir os espaços, a música que fazemos. Foi meio ao
acaso que surgiu o nome do disco, combinando esses sentidos, fazendo também
de alguma forma uma ligação entre algo feminino e eletrônico. É também o
nome da primeira faixa do cd.
A Tarde On Line - Os rumores que o disco já estava finalizado
começaram em 2004. Por que a demora no lançamento de Rosa Sônica?
Rebeca - Comecei a trabalhar no disco em 2004, já estava compondo
coisas e comecei a trabalhar na produção de algumas músicas com o Arto
Lindsay, o Melvin Gibbs e o Gilberto Monte, depois veio o Boing, mas ainda
existiam algumas indefinições com a Lua Discos (gravadora dos outros dois
discos), que continuava interessada, mas não podia alocar os recursos
necessários na ocasião. Então, enviei o projeto do cd para o Petrobras
Cultural e em 2005 ele foi contemplado, na categoria de produção musical
contemporânea. Porém, até o momento em que os recursos são disponibilizados
leva um tempo. E só nos últimos seis meses é que pudemos intensificar mais
todo o processo até a sua conclusão.
A Tarde On Line - Produtores como o Arto Lindsay (Caetano Veloso,
Marisa Monte) e Kassim (Los Hermanos) tiveram seus nomes ligados ao disco.
Por que esta parceria, além da revista Outra Coisa (do músico Lobão, fã
confesso de Rebeca) não vingaram?
Rebeca - O Arto se envolveu bastante no processo inicial, com as
letras, harmonias e idéias iniciais. Depois continuou como um ouvido
sensível, questionador e estimulante do nosso processo criativo. O fato de
ele ficar muito tempo no exterior dificultou um envolvimento mais intenso.
Já o Kassim não participou por questões de agenda pessoal. E com relação à
revista Outra Coisa também não foi possível por atrasos da revista em
edições anteriores e por indefinições de patrocínios que atrasariam muito o
lançamento do Rosa Sônica.
A Tarde On Line - Seu último disco, "Garotas Boas...", foi bastante
elogiado pela mistura de rock, mpb e eletrônica. Já em “Rosa Sônica”, a
eletrônica ganhou um maior espaço no resultado final. Temos, pela primeira
vez, um estilo predominante em um dos seus discos?
Rebeca - Os elementos eletrônicos realmente estão mais presentes em
Rosa Sônica, mas não vejo isso como um limite, nem como desejo de encontrar
um estilo ou algo parecido. Desejo fazer exercícios que me estimulem
mudanças, por que não quero parar de mudar, mesmo por que se a gente não
mudar, a gente vira moda, fica prisioneiro do que já fez e do que as pessoas
se acostumam a ver na gente.
A música digital oferece mais possibilidades, fica bem mais rápido
experimentar novos sons, ruídos e ritmos, tudo pode ser transformado,
criado, tudo pode fazer parte da música. A eletrônica é uma ferramenta que
me fascina, não só por abrir possibilidades diferentes, mas também porque
modifica a relação do homem com a música, aproximando-o de sonoridades que
ele não tem tanto costume de ouvir. Não me sinto presa a nada e nem tenho
compromisso com o rock ou com a mpb, ou com o trip hop, ou samba, ou seja lá
o que for.
A Tarde On Line - Qual a influência da escolha dos produtores
Gilberto Monte e Boing em Rosa Sônica?
Rebeca - Fiz o convite e eles toparam. Mergulhamos tanto no processo
que, mais do que produtores, nos tornamos cúmplices. Este disco foi feito a
seis mãos. Ele só existe dessa forma por que essas três pessoas acreditaram
no que ele foi se tornando.
A Tarde On Line -Muitas matérias sobre você nos meios de comunicação,
principalmente do sul/sudeste, colocam sua música como a "outra música de
Salvador". Você ainda acha esse discurso coerente?
Rebeca - Não consigo entender que ainda se faça esse tipo de
discurso. Isso realmente é irritante. Há oito anos, num contexto bem menos
estimulante para produções fora da axé músic, dava até pra entender que
qualquer música fora daquele padrão fosse tratada como um e.t.,
principalmente por que era o momento auge da axé, tudo girava em torno disso
por aqui. Muita grana e articulações políticas que não deixavam espaço para
manifestações artísticas. É claro que ainda há na Bahia uma relação muito
promíscua entre poder econômico, político e midiático, com um forte controle
de toda a política cultural, mas a gente encontra outras formas de se
expressar e de fazer as coisas em que acredita, sem depender e sem desejar
depender desse poder. Sem ter a Bahia como uma referência, sem ter que ser
garota propaganda da Bahia, e estando com o espírito voltado para outras
coisas. Há uma geografia que é física, mas há outra que é espiritual, que
não conhece fronteiras, e há muitas pessoas por aqui com outros olhares e
ouvidos, que não ficaram presas na geografia nem no tempo. São elas que me
estimulam, são com elas que procuro me conectar.
A Tarde On Line - O Gilberto Monte já é bem conhecido como produtor e
por seu grupo, o tara_code. Mas quem é Boing, seu outro produtor?
Rebeca - Ângelo Thomas Suzart (Boing) tem 23 anos, é baiano
soteropolitano, é também myspace.com/dumdumcantapossibilidades, onde muitas
de suas músicas estão disponíveis. O Boing, eu conheci através de amigos em
comum. Fiquei empolgada com seu trabalho, o convidei para fazer uma música
comigo e não paramos mais. Temos desejos em comum e idéias parecidas de como
conduzir a vida, isso nos aproximou bastante.
A Tarde On Line - Você considera seu trabalho mais reconhecido fora
de Salvador tanto por parte do publico e meios de comunicação?
Rebeca - É natural que um pólo cultural como São Paulo tenha mais
abertura para a música que faço, porque há menos possibilidade de controle
cultural e de massificação orientados por interesses políticos e econômicos
concentrados nas mãos de poucos, são menores as possibilidades de produzir
disciplina e obediência, enfim, há mais diversidade e pluralidade. Espero
que o que faço sirva pra gerar mais diversidade e pluralidade por aqui
também.
A Tarde On Line - Por que a escolha em fazer uma versão de “Vapor
Barato” (sucesso de Waly Salomão e Jards Macalé, sucesso nas versões de Gal
Costa e do grupo O Rappa)?
Rebeca - Vapor Barato acabou entrando no cd de última hora, pois
fizemos o arranjo em homenagem a Waly Salomão a convite de José Cerqueira,
Risério e Márcio Meireles durante o processo de produção do disco. O
resultado ficou muito a cara do que estávamos fazendo. Gostamos muito e
incluímos no disco.
A Tarde On Line - Quando foi seu ultimo show em Salvador? Por que tão
poucos shows na cidade?
Rebeca - O último show em Salvador com a banda foi em janeiro de
2005. Depois disso, parei de fazer shows, pois precisava construir outras
coisas, numa necessidade incessante de mudança e criação, na elaboração do
Rosa Sônica. É fato que também não há muitas opções de espaço para shows.
Não gosto de ficar repetindo shows, fico com a sensação de que estou
enganando o público quando faço muitos shows parecidos.
A Tarde On Line - Você recusou o convite para assumir os vocais dos
Mutantes (já que Rita Lee, não topou participar) no retorno da banda. Não
seria uma ótima oportunidade de que um público maior, principalmente no
exterior, conhecesse seu trabalho?
Rebeca - Essa história sobre o convite dos Mutantes é muito simples:
não se trata de uma recusa. Diante das circunstâncias do meu envolvimento
com o cd, o compromisso para entregá-lo, ter que fazer um mergulho no
universo dos Mutantes com o tempo que teria para os ensaios, ficou claro
para nós que não seria possível a minha participação nesse reencontro.
Sinto-me honradíssima com o convite e eles são figuras incríveis, a música
Rizoma (faixa 02 do Rosa Sônica), que é uma das que mais gosto, dedico a
Arnaldo Batista e Sérgio Dias com muito carinho. Minha participação seria
nos vocais femininos, mas não acredito que eles buscassem realmente uma
substituta para Rita Lee, mesmo porque nunca haverá uma.
A Tarde On Line - Nesse disco, praticamente todas as músicas são de
sua autoria. Você sentiu a necessidade de se afirmar totalmente como
compositora em Rosa Sônica?
Rebeca - Estava compondo, o suficiente para fechar o cd, mas isso não
quer dizer que no próximo não possa fazer um cd só com versões. Nada está
amarrado em definitivo no meu trabalho.
A Tarde On Line - Seu material de divulgação fala em uma fusão entre
a IDM (intelligent dance music, de grupos como o inglês Aphex Twin) e MPB. É
esta a busca feita em "Rosa Sônica"?
Rebeca - Não há busca de estilo em Rosa Sônica. Há um desejo de
expressar-se, dispondo de todas as ferramentas possíveis, tendo como base às
letras e músicas que já vinha trabalhando e o nosso tesão de criar sem
amarras, sem restrições. Mas é bem diferente do conceito de música
experimental. Nós passeamos muito pelo universo da música popular e
eletrônica, sem nos prendermos aos seus clichês.
A Tarde On Line - Que artistas você tem escutado?
Rebeca - Aphex Twin, Radiohead, Mum, Mombojó, Tom Zé, Os Mutantes,
Nação Zumbi, Tara Code, Dumdum canta possibilidades, Vincent and mister
Greem, Novos baianos...
A Tarde On Line - Já foi escolhida a musica de trabalho? Haverá
vídeo-clipe do disco?
Rebeca - Vamos fazer um vídeo-clipe para “O que você vê?”, também
como parte do projeto patrocinado pela Petrobras, além de já estar editando
um outro para “Vapor Barato” e mais um que ainda não escolhemos a faixa.
A Tarde On Line - Como e quando serão os shows da turnê "Rosa
Sônica"?
Rebeca - O show vai se aproximar da estética do cd, teremos laptops
no palco, mas também podemos ter músicos convidados que podem trazer novas
contribuições. Ainda não temos datas definidas, mas tudo caminha para
começar em outubro e Salvador, claro, estará incluída no início dessa turnê.
A Tarde On Line - As faixas de “Rosa Sônica” serão disponibilizadas
para download? Há previsão de entrada no ar do seu site
(www.rebecamatta.com.br )? O que existirá nele?
Rebeca - As faixas estarão disponíveis em formato mp3 para download.
Provavelmente em um mês o site entra no ar, com todas as informações sobre o
meu trabalho, com vídeos, imagens de shows, fotos, agenda, blog, tudo que
seja interessante para que as pessoas conheçam mais do universo de tudo o
que estamos fazendo e do que já foi feito. Acho que é o mais direto meio de
comunicação que temos, não há intermediários. Existe uma troca direta com as
pessoas que gostam ou que queiram conhecer melhor.
A Tarde On Line - Como surgiu o patrocínio da Petrobras para o disco?
Ele realmente será vendido por no máximo 15 reais?
Rebeca - O meu projeto foi contemplado por meio de seleção pública,
através do incentivo da lei do mecenato. Com o patrocínio é possível reduzir
bastante o valor final que chega ao comprador. Temos um contrato de
distribuição com a Tratore, que prevê o repasse para lojistas a um preço bem
inferior ao habitual, mas venderemos o disco em shows diretamente também,
trabalhando com o valor máximo de R$ 15.
(©
A Tarde)
Com relação a este tema, saiba mais
(arquivo NordesteWeb)
|
|
|
|