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Gilberto Gil: relançamento em dose dupla

10/06/2008

Tasso Marcelo/AE

As 15 canções são dos anos 70 e 80

Compositor volta ao mercado em DVD com Pierre Verger e em CD lançado antes com o livro "GiLuminoso"

Beatriz Coelho Silva

RIO - Gilberto Gil em dose dupla, pré-ministro da Cultura, chega em CD e DVD. "Pierre Fatumbi Verger: Mensageiro entre dois Mundos" é um documentário de 1998, de Lula Buarque de Holanda, sobre o fotógrafo e antropólogo francês que, vindo para Bahia nos anos 30, revelou para nós um País em ângulos até então inéditos, e destrinchou nossas raízes africanas. Amigo de longa data, o atual ministro o entrevistou em Salvador e viajou à África, para mostrar os lugares de origem do candomblé baiano. "GiLuminoso", o CD, era parte do livro biográfico do mesmo nome, de Bené Fontelles, em que o compositor desfila, só com voz e violão, canções intimistas que já tinham registros com banda ou orquestra.

Não era essa a intenção, mas os dois trabalhos revelam faces complementares de Gil, o político e o espiritualista, o músico e o militante cultural. "Tudo no CD foi sugestão do Bené. Ele listou canções que abordam o tema da espiritualidade e tirei 15 com as quais fiquei durante uma semana, até encontrar a melhor forma de interpretá-las sem a vestimenta dos arranjos", disse o ministro ontem, durante uma entrevista coletiva. "Já fiz muito show de voz e violão, mas gosto do companheirismo da banda e dos acréscimos que os músicos trazem a minhas canções. A maioria delas, composta só no violão, recebeu um arranjo e voltou à forma original. A exceção é ´Tempo Rei´, que já nasceu na guitarra. Também foi a que me deu mais trabalho."

Gil tem composto pouco, já que o Ministério lhe toma o tempo dessa atividade. "Mas o que eu gosto é de tocar e cantar. Compor não é tão importante, até porque a música brasileira tem canções maravilhosas para abastecer meu repertório. João Gilberto é o melhor exemplo de criador que só fez três ou quatro músicas", comentou. "Além disso, não me sinto mais obrigado a fazer parte da engrenagem da indústria da música. Não preciso mais prover o público de músicas novas, de atender a meu público de quatro décadas de carreira, aos novos e aos que ainda devo conquistar. Apesar disso, pretendo ainda fazer um disco de sambas, já compus alguns, mas não tenho prazo para lançá-lo."

As 15 canções são dos anos 70 e 80 e mostram que Gil faz falta sim como compositor. Seja parodiando, em "Preciso Aprender a Só Ser" ou "Super-Homem - A Canção", seja brincando com as palavras, como "Metáfora" e "O Som da Pessoa", seja exercendo sua espiritualidade, em "Retiros Espirituais" ou "Meditação". Duas delas, "Copo Vazio", feita para Chico Buarque, e "O Compositor me Disse", para Elis Regina, têm o primeiro registro com o autor neste disco. "Este foi um critério de escolha das músicas. Há outras sugeridas pelo Bené, mas já têm muitas regravações", explicou.

No DVD, Gil participou da produção porque sua ligação com Verger se deu em vários níveis, a partir dos anos 70. "Tem o reconhecimento pelo aristocrata branco e francês que escolheu viver aqui; a admiração pelo trabalho de inclusão negra no processo civilizatório; a elegância está na elegância do artista e sua maneira clássica de fotografar, que o coloca num patamar de Cartier Bresson; e por fim, o homem com quem aprendemos e ensinamos e de quem ficamos próximos", diz Gil. O documentário o levou a Keto e Blomé, pequenos reinos do interior da África, onde ele participou dos rituais que os então escravos trouxeram para a Bahia. "Algumas coisas aconteceram só para a gravação, porque o nome de Verger abre portas. Mas muita coisa foi espontânea porque, ao contrário da Bahia, onde o candomblé é quase uma maçonaria, para fugir às perseguições, lá todo acontece nas ruas, os ritos e as festas."

O documentário foi exibido no GNT, mas o DVD teve acréscimos fundamentais. A entrevista de Gil com Verger, por exemplo, um dia antes de sua morte (inesperada, apesar de seus mais de 80 anos) veio na íntegra. As conversas com o fotógrafo e antropólogo Milton Guran durante as viagens entre os diversos povoados africanos também entraram. Guran segue a linha Verger e foi consultor do documentário. A música de Nana Vasconcelos foi mantida. É preciosa e, em alguns momentos passa do son direto das cerimônias para a composição do percussionista pernambucano, profundo conhecedor dos ritos e da música africana.

O DVD tem um tom didático, sem cair na monotonia, e a Conspiração Filmes o lança para atender à demanda de escolas secundárias e universidades para exibi-lo. Já o CD é puro deleite para quem gosta de ouvir o compositor Gilberto Gil interpretando suas próprias músicas. Seu disco mais recente, "Eletracústico", é de 2004 e tudo indica que o músico continuará ministro, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reeleja. Ele recusa-se a falar sobre o assunto mas se diz satisfeito com o que já realizou e capaz de fazer muito mais. "Ao contrário da música, onde sinto minha missão cumprida."

(© Agência Estado)


Gil lança CD que reúne seus "retiros espirituais"

Todo voz-e-violão, disco feito para acompanhar livro agora sai comercialmente

Compositor relativiza a abstração de músicas como "Copo Vazio': "É o zen-mundismo. A finalidade é meditar na avenida Paulista"

Sergio Moraes/Reuters
Em entrevista no Rio, o músico e ministro Gilberto Gil disse estar se desobrigando de compor, "deixando de ser profissional"

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Ao recordar, na entrevista coletiva de quinta-feira, como tinha feito as músicas reunidas no disco "Gil Luminoso", Gilberto Gil recitava, a cada explicação, um texto parecido: "Eu estava sozinho na sala, o pessoal já tinha ido dormir, peguei o violão..."

Adjetivadas de "espirituais" e "filosóficas" pela gravadora Biscoito Fino, que está lançando a primeira tiragem comercial deste CD feito em 1999 para acompanhar o livro "GiLuminoso: a Po.ética do Ser", de Bené Fonteles, as 15 canções têm esse clima de madrugada, silêncio, posição de lótus e "retiros espirituais" (título de uma das faixas).

São reflexões à moda de Gil sobre homem, tempo, universo etc. Mas, para ele, a abstração tem um pé na concretude.

"É o zen-mundismo. Bené já disse algumas vezes: a finalidade é poder meditar na avenida Paulista. No mundo de hoje, não é possível meditar no mosteiro. Nosso mosteiro é a rua, a praça, são os ambientes políticos, artísticos", afirmou.

Por ser o único item integralmente voz-e-violão da extensa discografia de Gil, o CD já tem valor histórico. E ele ainda chega às lojas no ocaso do (primeiro?) período do artista à frente do Ministério da Cultura.

"Foram quatro anos muito saudáveis. Gostei muito. Sinto que realizamos algumas coisas. Até gostaria de dizer que estou realizado, mas isso é impossível para um ser social", avaliou.

O fato de só ter composto uma música nesses quatro anos não se deve só às atribuições de ministro. Gil disse que está se desobrigando de compor, "deixando de ser profissional", e quer se afastar das exigências do mercado fonográfico.

"Passei muito tempo envolvido em interesses de gravadora e das pequenas corporações aglutinadas ao meu trabalho. Estou querendo sair dessa cadeia", avisou ele.

"Gil Luminoso" é um caso à parte. Gil rearranjou músicas sem objetivo comercial e registrou duas pela primeira vez: "Você e Você" (1993), lançada por Gal Costa, e "O Som da Pessoa", melodia de Fonteles para um poema seu escrito nos anos 80 para o jornal "Grão de Arroz", de um restaurante macrobiótico de Salvador.

"Copo Vazio", que fez para Chico Buarque cantar no disco "Sinal Fechado" (74), só tinha dele uma versão ao vivo.

"Quando Chico me pediu, pensei: "meu Deus, fazer uma música para Chico!". Achei melhor procurar algo que ficasse entre o fazer e não-fazer. À noite, o pessoal já tinha ido dormir, peguei o violão, acendi um cigarro, pus vinho num copo e fiquei pensando. Quando olhei, o copo estava vazio. Mas estava cheio de ar. Aí bateu: "É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar". "Isso é filosofia popular, o Chico vai gostar", pensei", contou.

"Cérebro Eletrônico" (69) destoa da origem das outras canções do CD, pois foi uma das quatro que Gil fez na prisão, no Rio, depois que o sargento Juarez convenceu o comandante do quartel a liberar um violão para o compositor. Mas, para Gil, talvez não faça tanta diferença. "A arte de viver é igual à arte de compor. É estar pronto para morrer", filosofou.

(© Folha de S. Paulo)


crítica

Intimismo do cantor alcança sua plenitude

DA SUCURSAL DO RIO

Se "Gil Luminoso" tivesse saído comercialmente em 1999, já seria um ponto brilhante na discografia de Gilberto Gil.

Mas o lançamento agora lhe dá uma aura especial. Em recesso como compositor, em fase eloqüente como ministro, Gil ressurge no CD como o músico e letrista brilhante que é e, ainda melhor, em um tom tão intimista que beira o silêncio.

Camaleônico, Gil já foi e fez um pouco de tudo na música brasileira, sem nunca deixou de contemplar os sons e as práticas pop. O reverso amargo dessa sintonia permanente com o presente é a pouca atenção com a atemporalidade de uma interpretação sóbria -mas em nada fria- que dispense onomatopéias, falsetes exagerados e o uso de parafernálias elétricas.

Aqui, resta apenas a precisão da voz e do violão. "Gil Luminoso" evoca, na sonoridade, o Gil pré-tropicalista, mas já é o artista carregado de bagagens históricas, pessoais e intelectuais. Dois bons casos são "Tempo Rei" e "A Raça Humana", músicas de inegável qualidade, mas que estavam cobertas pela poeira que os arranjos pop costumam soltar com o passar dos anos.

A primeira é interpretada com uma batida quase única -e quase metalingüística- do violão, reinaugurando a canção.

A segunda, originalmente um reggae, vira praticamente um fado, pontuado por belos assobios de Gil. As faixas que abrem e fecham o CD ajudam a traduzi-lo. "Preciso Aprender a Só Ser", resposta a "Preciso Aprender a Ser Só" (Marcos e Paulo Sérgio Valle), é de um despojamento que traduz o otimismo sem afetação da letra e remete à maneira simples como Gil a compôs: em meia hora de um sábado à tarde, após a praia, sentado num tapete branco.

"O Compositor me Disse", dada em 74 a Elis Regina como um "exercício de relaxamento da interpretação", segundo Gil, não teve da cantora a versão esperada, e aqui ganha a suavidade que o compositor queria dizer.

Gasta em regravações e rodas de violão, "Super-Homem - A Canção" é outro exemplo de transformação: tornou-se um fox envolvente, amoroso como a letra. "Aqui e Agora", "Copo Vazio", "Retiros Espirituais", "O Seu Amor", "Rebento", "Metáfora", "Meditação" e outras completam o todo que mostra como é pleno o diálogo entre música e silêncio. (LFV)

GIL LUMINOSO     
Artista: Gilberto Gil
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 35, em média

(© Folha de S. Paulo)

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