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Tudo é percussão

10/06/2008

Naná Vasconcelos

Aos 50 anos de carreira, Naná Vasconcelos lança o CD Trilhas, grava com Maria Bethânia, faz concertos com músicos internacionais e atua em documentário

Lauro Lisboa Garcia

Aos 62 anos, e já com 50 de carreira, Naná Vasconcelos, como de hábito, toca diversos projetos ao mesmo tempo. "Gosto disso porque de certa forma me incomoda ficar numa coisa só", diz. Hoje ele desembarca em Varsóvia para preparar dois concertos que vai apresentar sexta e sábado ao lado do pianista Leszek Mozder, para registro em DVD. É a segunda parte do projeto Polônia-Carioca, que trouxe o virtuoso pianista no ano passado para dois recitais na escola de samba Mangueira e na Central do Brasil, no Rio. "Ele é jovem, erudito, inovador e esse tipo de encontro é muito interessante, porque ele veio aqui e eu o fiz aprender "vista assim do alto/ mais parece um céu no chão" (cantarola Sei lá, Mangueira, de Paulinho da Viola) para tocar no piano. Foi um sucesso na Mangueira", lembra.

No dia 25, Naná lança no Brasil pela Azul Music o CD Trilhas, reunindo temas que compôs para cinema e espetáculos de dança, como o filme Quase Dois Irmãos, de Lúcia Murat, e o balé Corpos de Luz, produção do programa social Dança Vida, que estimula a profissionalização de jovens da periferia de Ribeirão Preto. Recentemente ele esteve em Istambul gravando outro DVD, com um músico turco (o flautista Kudsi Erguner) e outro norueguês (o baixista Arild Andersen); e acaba de registrar seus arranjos de percussão para cinco faixas do novo álbum de Maria Bethânia.

Em outubro, vai a Amsterdã realizar um workshop por ocasião da exibição de Diário de Naná, num festival de documentários. "Gosto muito de fazer workshops. É uma maneira de falar um pouco do Brasil que eles não conhecem. Bato sempre nessa tecla. Quando termino de tocar o berimbau, digo assim: de certa forma é o Brasil que o Brasil não conhece, como o Amazonas, que é uma reserva de sabedoria." Parte dessa essência, ele transmite nos encontros, como se pode ver no filme com um grupo de meninos, e no trabalho que faz com crianças em Uberlândia, que estão se estão se preparando para fazer uma turnê pela Europa.

Como já se disse outras vezes, Naná, ao lado de Hermeto Pascoal e Airto Moreira, é um dos responsáveis por tirar a percussão do mero acompanhamento e levá-la para a linha de frente. Provavelmente por isso a revista Down Beat, a mais conceituada publicação de jazz há décadas, tenha criado essa categoria para sua premiação anual, da qual ele já foi oito vezes o titular. Para chegar lá, Naná teve de morar fora por anos, durante os quais aglutinou músicos de uma infinidade de gêneros e nacionalidades para o seu universo. "Se tivesse ficado no Brasil, estaria acompanhando canários, quer dizer, os cantores - coitados dos cantores (risos) -, que eu adoro", brinca. "Mas para um trabalho solista, sendo percussionista, ia ser complicado. Na época que eu saí, de certa forma, percussionista era ritmista, segunda pessoa do baterista", lembra. "Hoje, tudo virou percussão."

Naná tem há 36 anos o mesmo berimbau, instrumento de restritíssimos recursos, mas que nas mãos dele sempre surpreende por transitar em regiões não exploradas por outros músicos. Ele diz que ainda não esgotou suas possibilidades. "Tem muita coisa ainda a ver, que está lá, sempre esteve lá. O berimbau comigo tem uma missão. Não sei por que fui escolhido para tirar o berimbau da capoeira e fazê-lo virar um instrumento solista."

Tanto na execução ao vivo quanto nos discos, Naná explora muito o aspecto visual da música. Quem já o viu no palco sabe que é uma experiência impressionante quando, por exemplo, convida o público a ir para a floresta, ou divide a platéia em sons de correnteza de rio e a chuva batendo na água. Para o novo álbum de Bethânia, aliás, ele foi incumbido de criar cinco arranjos diferentes para canções que falam de água, tema central do disco da cantora. "Ela me botou num desafio, de certa forma, porque em cada canção tive de fazer um som diferente, relacionado à água, de mar, de rio, de lagoa. Sempre acreditei na idéia visual da música; quando vou tocar para a gravação de algum cantor sempre pergunto qual é a história, qual é o cenário", explica. "Villa-Lobos me mostrou isso. No Trenzinho Caipira ele constrói o trem e põe você na janela vendo as paisagens do Brasil. Então isso é incrível, me inspira muito para eu criar composições pensando na imagem, no cenário."

No caso de música incidental para cinema, não faz muito sentido ouvir um CD sem ter a referência visual. E como é, então, compor para filmes e depois extrair canções deles para um disco sem essas imagens? "É como nos shows. Por exemplo, o som da chuva que faço no palco nunca vou pôr no CD, porque é uma experiência para ser vivida por quem estiver lá. Então, tive de selecionar: essa coisa estava bonita porque tinha a imagem, a do filme, mas para o CD não vai dar certo. Tive esse trabalho a ser feito."

Quanto a somar 50 anos de carreira, causa espanto, é um peso. "Psicologicamente é horrível (risos) falar de 50 anos carreira. Parece que a gente está prestes a se aposentar. Mas se você disser assim: 62 anos! Aí eu me sinto um garotão (risos). Me sinto como se tivesse feito 26."

(© Agência Estado)

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