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Meio século e ainda muita estrada

10/06/2008

Dominguinhos


Dominguinhos faz 50 anos de carreira com disco novo, no qual mostra o talento que lhe garantia o título de herdeiro de Luiz Gonzaga

JOSÉ TELES

Naquele 13 de dezembro de 1956, a casa de Luiz Gonzaga, no Cachambi, Rio, estava em festa. Era aniversário do Rei do Baião. No meio do fuá, o aniversariante escolta até o meio da sala um adolescente de 15 anos. Intimidado em meio a tantos convidados famosos, ele se protegia por trás de sua primeira sanfona, presente de Gonzagão. O nome do garoto é José Domingos de Moraes, o apelido Neném, apresentado por Luiz Gonzaga como seu herdeiro artístico, que o mandou tocar um pouco para comprovar que sua previsão estava respaldada no talento de Neném. Este pode ser considerado o começo oficial da carreira de Neném, ou melhor, Dominguinhos, que meio século depois cumpriu o prognóstico do padrinho Gonzagão, é o maior forrozeiro vivo, continua na estrada e coroa meio século de carreira com um disco impecável: Conterrâneos (Gravadora Eldorado).

Quando Dominguinhos afirma que esteve ao lado de Luiz Gonzaga a vida toda não é só força de expressão. Os dois se conheceram em 1949, quando ele estava com apenas oito anos e tocava num trio de forró com os irmãos Moraes e Valdomiro, levados para conhecer o Rei do Baião, já uma estrela de primeira grandeza. Gonzaga foi generoso com os meninos, deu-lhes um “cachê” de 300 mil réis e o endereço de sua casa no Rio, para o caso de os garotos precisarem de ajuda se fossem na então capital da República. Com o irmão Valdomiro e o pai, seu Chicão, pequeno agricultor, músico, e consertador de foles, Dominguinhos pegou um pau-de-arara e chegou ao Rio em 1954. Somente alguns meses depois de estar na cidade é que procuraram Luiz Gonzaga, de quem o ainda Neném, na época com 13 anos, tornou-se quase um filho: “Posso dizer que toquei com ele a vida inteira. Eu não largava do pé dele, nem ele nem dona Helena (esposa de Gonzagão) largavam do meu”, conta ele em conversa por telefone, da casa do compositor Fausto Nilo, em Fortaleza.

Conterrâneos, o novo CD de Dominguinhos, recebeu um tratamento luxuoso da Eldorado, com capa assinada por Elifas Andreato. Mas teria saído mesmo na independência. Na indústria fonográfica, não é só talento que importa, nem antiguidade é posto. Ele estava sem gravadora e sentiu vontade de fazer um disco: “Foi concebido em pouquíssimo tempo, numa semana o disquinho estava pronto, ia sair sem gravadora mesmo, mas aí recebi o convite para conversar com a Eldorado”, conta Dominguinhos que, aos 65 anos, ainda tem que cair na estrada para pagar as contas. Na estrada, literalmente. Ele não viaja de avião há anos. Sua renda em direitos autorais gira em torno de 2,5 mil. Só em vinil, ele lançou 32 títulos (sem contar com as coletâneas), acrescente-se mais 38 CDS (aí incluindo projetos especiais e compilações). Além disso, ele tem sido, há décadas, fornecedor de composições para dezenas de artistas: “É uma discrepância muito grande essa história de direitos autorais no Brasil. Tem dia que me dá raiva. E a gente nem sabe como funciona. Já teve vez de eu ganhar cinco mil, mas geralmente é dois mil. E não é só por mim que falo. Quanto ganham os herdeiros de Nelson Cavaquinho? Luiz Gonzaga, pelo tamanho da obra dele, os herdeiros ganham muito pouco”, desabafa Dominguinhos, que tem cerca de 600 gravações, uma contabilidade realizada pelo admirador alagoano Ranilson França de Souza (recentemente falecido), que rastreia a obra do músico no livro De Neném a Dominguinhos trajetória discográfica.

(© JC Online)


Defensor do triângulo, zabumba e sanfona

Com Zito Borborema, de Miudinho (que tocava no conjunto de Luiz Gonzaga), Dominguinhos participou da primeira formação do Trio Nordestino, que fez muitos shows, mas não chegou a gravar: “Eu tinha 17 anos na época, e por causa de mim os outros dois deixaram de trabalhar com Gonzaga. Mas eu casei e o trio se desfez”, conta Dominguinhos, relembrando o carão que levou de Luiz Gonzaga quando anunciou o casamento: “Ele olhou com aquele jeito brabo dele e disse: você acabou. Eu só casei com 34 anos e, mesmo assim, sem muita vontade. Escreva aí, você acabou. Eu não respondi nada, que bom cabrito não berra. Gonzaga acabou sendo padrinho do meu casamento e passei a lua-de-mel no sítio dele em Miguel Pereira”, relembra Dominguinhos, que, para reforçar o leite da criança, trabalhava com Luiz Gonzaga em clubes e boates do Rio, o que ampliou seus horizontes musicais, tanto como instrumentista quanto compositor.

Em 1972, Dominguinhos participou do antológico show Luiz Gonzaga volta pra curtir, no Teatro Tereza Raquel, no Rio. Foi uma retomada na carreira em declínio de Gonzagão e a descoberta do sanfoneiro virtuoso pelos tropicalistas. Acompanhando Gal Costa e Gilberto Gil, ele viajou para a França para participar do Midem (uma badalada feira de música): “Foi lá que Gil conheceu Eu só quero um xodó (de Dominguinhos e Anastácia), que já havia sido gravada por Marinês em ritmo de marchinha. Gil cantou como um xote e foi aquele sucesso. Quando voltei, gravei o disco Índia, com Gal Costa, e aí vai”, conta ele, que foi incluindo em sua obra parcerias com Gil, Fausto Nilo, Chico Buarque: “Chico passou 15 anos com uma música que mandei para ele, o Xote da navegação, que só gravei há uns dois anos”.

Do forró atual Dominguinhos livra poucas caras: “O melhor é Flávio José, que canta baião, todos esses ritmos do forró. Santanna, dele eu gosto muito, porque é purinho, com aquela coisa de sanfona, triângulo, zabumba, depois ele vai usar um baixo, uma guitarra, mas é muito bom. Jorge de Altinho que está cantando muito bem, de Maciel Melo também gosto muito, ele me mandou umas letras para eu botar melodia”, enumera nomes de forrozeiros, enquanto alfineta as bandas que fazem lambadas estilizadas e se abrigam sob o vasto manto do forró: “Aquilo que eles fazem não é forró, mas as bandinhas até que fizeram surgir mais sanfoneiros, mesmo que eles fiquem ali só de enfeite. Mas estão dominando tudo. Um exemplo bom aconteceu com Abacate e Miguel, dois forrozeiros lá de João Pessoa. Eles foram oferecer o show deles a um prefeito e o prefeito nem quis saber da música. Perguntou quantas bailarinas eles iam trazer”.

(© JC Online)


Vídeo:

Dominguinhos: diálogo com Luiz Gonzaga e interpretação de Sete Meninas (2' 56")

 

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