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 Documentário mostra a obra genial do músico Tom Zé

 

Tom Zé
 

´Fabricando Tom Zé´ trata da redescoberta e revalorização de um grande artista

Luiz Zanin Oricchio, do Estadão

SÃO PAULO - Você olha para Tom Zé e ele não tem muito jeito de um mestre. Para retomar a distinção de Pound, ele fica melhor como um inventor. É, talvez, o mais criativo dos músicos brasileiros, ou pelo menos um dos mais. Acontece que, durante muito tempo, o Brasil não soube disso. Discreto, Tom Zé mergulhou em seu silêncio particular e dele saiu apenas quando um norte-americano, David Byrne, disse algumas coisas muito óbvias a seu respeito, como ser Tom Zé uma exceção entre os criadores contemporâneos e dono de obra universal. Como Byrne disse tudo isso em inglês, foi ouvido com atenção no Brasil. O documentário Fabricando Tom Zé, de Décio Matos Jr., faz parte dessa corrente de redescoberta e revalorização de um grande artista.

O filme acompanha Tom Zé em sua intimidade, mas, sobretudo, durante uma turnê européia. Vai a Irará, no interior baiano, onde o compositor nasceu e se criou. Ouve algumas (poucas) personalidades ligadas à vida do músico, como Caetano e Gil, seus companheiros de tropicalismo, o crítico Tárik de Souza o poeta Arnaldo Antunes, o coreógrafo Rodrigo Pederneiras, do grupo Corpo. Mas o mais interessante é sempre Tom Zé, sua particular relação com as outras pessoas, com os sons, com o Mundo.

Intimidade

Em conversa com o Estado, Tom Zé disse que a filmagem foi muito tranqüila: "Eles (a equipe) são rapazes muito jovens, simpatizei demais com eles, e o Décio tem uma qualidade importante, ele desaparece junto de você. Quer dizer, está lá, te filmando e você acaba nem se dando conta disso", diz. Melhor assim, pois Décio e sua equipe conviveram longamente com o músico e sua banda. A ponto de terem 30 horas de material gravado, que tiveram de reduzir a um longa-metragem de 89 minutos.

A intimidade chegou a tal ponto que o cineasta pôde registrar os bons momentos, a excelente receptividade em alguns shows europeus, mas também alguns percalços e mesmo uma gloriosa saia-justa - a briga de Tom Zé com um técnico de som suíço em Montreux. "O mais importante nem foi tanto ele ter pego aquela cena toda", diz Tom Zé, "mas tê-la montado de um jeito particular, com um crescendo de emoção muito grande e de efeito" diz.

De fato, a cena é forte, ocupa posição central no filme e se torna muito reveladora. Nela, vemos o músico brasileiro insatisfeito durante a passagem de som e um técnico suíço que, de forma arrogante, exige que ele defina "as freqüências que não estão funcionando e pare com o blablablá". Literalmente, Tom Zé peita o rapagão sarado e enfeixa um discurso interessante sobre as relações entre Brasil e Primeiro Mundo. "Eles não podem é agir de uma maneira vil conosco", resume. Para Tom Zé, os europeus têm toda a saúde do mundo, todo o dinheiro, toda a tecnologia e, mesmo assim, "precisam importar a nossa música, a nossa criatividade, sem a qual o festival deles não vive".

Essa relação do nacional versus o internacional foi uma das pedras de toque do movimento Tropicalista. E esse é também um dos subtemas desenvolvidos no documentário. Quando o Tropicalismo Explode, no final dos anos 60, Tom Zé se encontra no olho do furacão do movimento. Com o agravamento da ditadura, Caetano e Gil seguem para o exílio em Londres, voltam anos depois, enquanto Tom Zé vive em seu ostracismo paulistano. Houve quem o chamasse de "enterrado vivo no espólio do tropicalismo".

Reavaliando o episódio, Tom Zé procura ser justo com Caetano e Gil. "Em São Paulo, que é uma cidade oriental, você aprende que quando um amigo está colocando a sua vida em risco, você não vai tentar salvá-lo, senão os dois morrem abraçados", diz, de maneira alegórica. E, sendo mais preciso: "Eu mesmo fui culpado pelo ostracismo, eu precisava dele, como Joyce, o autor de "Ulisses", precisou atravessar o dele." Aliás, o próprio Ulisses da mitologia grega precisa cumprir suas etapas para voltar a Ítaca, sua cidade natal.

Antenado de Irará

O que ninguém poderia esperar é que Tom Zé saísse desse isolamento com uma obra surpreendente. Uma obra que ele ficou cozinhando em sua solidão e que, caindo nos ouvidos de David Byrne, o tornaram um dos músicos experimentais reconhecidos internacionalmente.

Lembrando os anos 60, Tom Zé pede para que as pessoas sejam justas com Caetano e com Gil. "Ninguém pode tirar deles o mérito de, durante a ditadura, ter mantido no País uma certa efervescência de pensamento; e isso é fundamental, porque qualquer regime autoritário teme o pensamento livre." Tom Zé recorda que no momento em que a própria esquerda, de onde se esperava que viesse a renovação, se fechava num nacionalismo obtuso, eram os tropicalistas, Caetano e Gil à frente, que já tentavam antenar o País com a chamada 2.ª Revolução Industrial, esta mesma que vivemos hoje com tanta intensidade.

Continua antenado nessa, Tom Zé? Com certeza, mas como brinca no filme sua mulher, Neusa, por outro lado, ele nunca saiu de Irará. Todo Ulisses que se preza precisa de uma Ítaca, nem que seja virtual.

Fabricando Tom Zé (Br/ 2006, 89 min.) - Documentário. Cinesesc - 17, 19, 21 h (2.ª não haverá 21 h). Espaço Unibanco 4 - 14h20, 16h10, 20h20, 22. HSBC Belas Artes 5 - 16, 17h50, 19h40. Unibanco Arteplex 5 - 13, 14h40, 16h30, 20, 22h (sáb. também à 0 h). Cotação: Bom

(© Agência Estado)


Cinema/Estréias

Filme exibe "turnê" da vida de Tom Zé

Altos e baixos, sucesso e conflitos do cantor com companheiros de geração são tema de documentário que estréia hoje

"Fabricando Tom Zé" segue giro pela Europa e traz depoimentos de Caetano e Gil sobre o período de "esquecimento" do cantor

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O mais paulista e ao mesmo tempo mais nordestino dos tropicalistas baianos, segundo a boa definição de Arnaldo Antunes, chega hoje a 12 salas de cinema no país.

Ele é cheio de arestas, diz Arnaldo no filme. "Um contraponto constante; ele sempre quer fazer um contraponto a tudo", afirma Decio Matos Jr., diretor de "Fabricando Tom Zé". Seu documentário segue o cantor e compositor por uma turnê na Europa em 2005, enquanto entrevistados vão tentando esclarecer o "biografado" para a platéia. Tudo vai bem, formal e ortodoxo até que a banda chega ao festival de Montreux.

Passagem de som, uma tentativa de ensaio, e Tom Zé e os músicos não estão satisfeitos com a equalização. Ele tenta se fazer entender. Os técnicos locais parecem resistir a aceitar qualquer pedido de mudança feito pelo brasileiro. Um deles sobe ao palco e age de forma frontalmente arrogante.

Após um chilique (justíssimo) de fazer inveja a Caetano Veloso, Tom Zé quase sai no braço com o rapaz. Adiante no filme, ele e platéia vão se desentender, receberá vaias, para só no fim, já em Paris, reencontrar as graças do público.

Paralelos

O que é narrado paralelamente a isso não é uma história muito diferente: a da carreira de Tom Zé, seu sucesso inicial com o tropicalismo, o esquecimento pelas gravadoras simultâneo ao sucesso pop de Gilberto Gil e Caetano, seu ressentimento, a redenção final pelas mãos de David Byrne, que o redescobriu para o mundo e para o Brasil.

Matos Jr. diz que o efeito é deliberado. "A linha da turnê corre de forma linear. Fui filmando. Quando voltei e me dei conta, achei perfeito. Aparece em paralelo a linha narrativa do filme e a da vida dele."

O ponto crucial aí é a antiga história das responsabilidades sobre o "esquecimento" de Tom Zé, de seus discos, de sua magra recepção popular quando radicaliza sua pesquisa na música brasileira.

Para Gil, no filme, o afastamento de seus antigos companheiros se deu em grande medida por um retraimento de Tom Zé no momento da volta do hoje ministro e de Caetano de Londres. Esse, por sua vez, se pergunta: "Por que ninguém disse nada? Por quê?". "É evidente que todo mundo tem sua dose de egoísmo. Às vezes podia ser mais fácil não ter esse complicador que era o Tom Zé, entendeu? Há algo de mesquinho, talvez inconscientemente, na atitude nossa."

A participação da dupla baiana foi motivo de briga entre o diretor e seu personagem. Tom Zé diz que não queria que fossem ouvi-los sobre o velho assunto. "Fiquei muito aborrecido quando ele disse que ia entrevistá-los. Tinha pedido para não incomodá-los. Todo mundo que vem me ver me usa como passo para chegar a eles."

Estremeceu-se ali uma relação que começara bem. Esse é o primeiro longa de Matos Jr., 27, que estudou cinema na Universidade de Nova York. Procurou Tom Zé, que disse ter achado interessante aquele grupo de jovens "de classe média provida" dispostos a trabalhar "em vez de ficarem estragando o dinheiro do pai". Ele assistiu depois ao filme pronto e, como público e cantor, os dois fizeram enfim as pazes.

(© Folha de S. Paulo)


Crítica

Documentário mostra paradoxo ambulante

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Fabricando Tom Zé", apesar do gerúndio, é um bom título, pois o documentário de Decio Matos Jr., em vez de nos dar um retrato acabado de seu personagem, busca captar seu processo de construção. Não apenas da construção de sua arte, mas da construção do próprio artista.

O grande trunfo do filme é o de ter acompanhado de perto -talvez fosse melhor dizer "de dentro"- uma turnê de Tom Zé pela Europa em 2005, registrando no calor da hora os bastidores, ensaios, expectativas, reações, além de trechos dos shows propriamente ditos.

As relações entre Tom Zé e os locais em que se apresenta -Paris, Roma, Turim, Montreaux- são uma mescla de fascínio e espanto recíprocos.

Não é um triunfo contínuo e tranqüilo. Há momentos de profunda incompreensão (como a sonora vaia em Vennes), quando não do atrito mais violento (como em Montreux, onde o artista literalmente peita um engenheiro de som suíço aos gritos de "Vá pra porra!").

Intercalados ao registro da excursão européia, depoimentos de músicos, amigos e estudiosos procuram dar conta da complexidade desse criador singular e da sua problemática inserção na chamada linha evolutiva da MPB.

Emerge dessa busca um Tom Zé cheio de arestas e paradoxos: o mais sofisticado e ao mesmo tempo mais rústico dos nossos compositores populares, o mais doce e o mais intratável, o mais universal e o mais preso à sua aldeia ("No fundo ele nunca saiu de Irará", diz Neusa Martins, sua mulher e empresária).

A infância no interior da Bahia, a formação musical com Joachin Kollreuter e Walter Smetak, a adoção de São Paulo, a associação com os tropicalistas, o ostracismo, o renascimento pelas mãos de David Byrne, o reconhecimento tardio, as experiências que nunca terminam, está tudo no filme. (Ou quase: faltou falar da interlocução com Rogério Duprat.)

Documentário admirável, em suma, que não sufoca seu retratado sob o peso da homenagem, mas, ao contrário, colhe-o no contrapé, como uma contradição andante, "com defeito de fabricação" (título de um CD seu), com alguns parafusos a menos ou a mais.

FABRICANDO TOM ZÉ
Direção:
Decio Matos Jr.
Produção: Brasil, 2006
Onde: em cartaz no Cinesesc, Espaço Unibanco e circuito
Avaliação: bom

(© Folha de S. Paulo)


Em outras palavras, Tom Zé

 

Traduzimos este senhor de 70 anos - meio Tom Zé, meio Antônio José Santana Martins - que virou filme por acaso, com legenda e tudo

Caio Quero

Tom Zé é aquele cara com jeitão de cientista maluco, que faz uma música difícil de entender e fala de um modo complicado, cheio de referências esdrúxulas, certo? Foi isso que nós também pensamos quando fomos ao seu encontro no apartamento em Perdizes. Procuramos, mas quase não achamos este cantor que é tema do documentário Fabricando Tom Zé, que estréia hoje (13) nos cinemas. Quem recebeu o Guia foi um senhor de 70 anos que leva uma vida pacata, como se estivesse em Irará, no interior da Bahia, onde nasceu. Encontramos Antônio José Santana Martins, o jardineiro nas horas vagas que adora se meter no comércio dos vizinhos.

Como ninguém é de ferro, Tom Zé bem que ‘reapareceu’ em alguns momentos, e nós aproveitamos para traduzi-lo com exclusividade. Ao longo desta reportagem, espalhamos algumas das melhores frases de Tom e o próprio cantor tenta explicá-las. Sem sucesso, claro. Afinal, como ele mesmo disse: “Estou te explicando para te confundir”.

- “O encontro com os concretistas nos mostrou um Nordeste provençal altamente noigrandizado e intelectualizado”, discorria ele sobre o encontro entre tropicalistas e poetas concretos da década de 60.

Mas Tom Zé, o que você quer dizer com isto?

- “Os concretos tinham feito uma viagem altamente rigorosa para sair do verso e chegar a uma linguagem em que a palavra era lavrada em si mesma para desencadear e explodir poesia neste processo”, respondeu, em mais uma tentativa.

Hum, não estamos entendendo ainda.

- “Os poetas provençais tinham uma coisa chamada sons-sentido, em que a palavra era mais exigida nos seus níveis denotativo e conotativo, para que sua própria sonoridade onomaitopacamente revelasse um significado.”

Tudo bem. Ficou um pouco mais fácil depois que ele recitou um verso popular nordestino e finalizou dizendo que os tais versos e a poesia concreta buscam um sentido que venha com sonoridade.

Depois de toda a cantoria, decidimos pôr fim nos ruídos: nós mesmos fizemos as legendas das legendas de Tom Zé. E, entre um cumprimento e outro na rua, ele foi desaparecendo na pele do homem franzino que puxa papo com taxista e lojista do bairro.

É este ‘o outro’, o Antônio, que conta suas histórias com uma voz aguda e mistura na mesma conversa uma certa dona Denise, o mecânico do bairro, o poeta Décio Pignatari e obscuros autores esotéricos. Cita livros policiais, Goethe, Thomas Mann e Euclides da Cunha ao mesmo tempo. De repente, se esquece de uma palavra. Levanta-se, pega o telefone e liga para a mulher Neusa, com quem é casado desde 1970. “Como é o nome daquele meu amigo?”

A boa forma não é à toa: ele acorda cedo, bem cedo, para malhar. Três vezes por semana, recebe uma professora de Pilates em casa, às 6h15. “Antes, eu fazia academia, mas tinha muita dor nas costas. O Pilates corrigiu tudo”, diz, no mais claro português. Depois, adepto da onda oriental, dirige até a Vila Madalena para aulas de tai chi chuan.

Em seguida, vai para o trabalho: se está gravando, segue para o estúdio da Trama, em Pinheiros. E se tem de ensaiar, a opção é uma escola de música no bairro do Morumbi.

Às vezes, arrisca-se a gravar em casa, no computador - ele ainda não aprendeu a mandar um simples e-mail, mas diz que está “trabalhando nisso”. E, de repente, Tom Zé retorna para definir sua música.

- “Estou sempre no limite entre o que é a ultravanguarda e a ultraconservação. Eu tenho uma espécie de doença que me obriga a estar nesses opostos. Esta doença é a incapacidade de me dar bem com o convencional.”

Como é? Certo, certo, melhor checar a legenda ou ler a frase de novo.

Passeando pelas ruas do bairro, ele puxa o braço do repórter para falar sobre uma planta trepadeira e explicar por que as rosas não desabrocham na sombra. A sombra, aliás, é uma de suas preocupações atuais. É que Tom Zé (ou Antônio?) é o responsável pelo jardim de um prédio que fica em frente ao seu. Uma grande árvore tem atrapalhado a chegada dos raios solares nas plantas, impedindo que brotem flores.

Jardinagem por quê, Tom Zé?

- “Me dava um alheamento completo da cidade. Minha vida sofria uma metamorfose quando eu entrava lá.”

Desde então, passa algumas horas mexendo com as plantas. Mesmo tendo se mudado para outro prédio nas proximidades, continua batendo ponto ali.

“Também administro todo o comércio da região”, diz, dando risada, de volta às palavras de fácil compreensão. Basta abrir uma loja nova para ele aparecer por lá. “Eu chego e digo: tomara que dê certo. E já aproveito para perguntar como funciona, se vende fiado...” conta, e indica uma loja ao lado, de moda feminina. “Tem um nome meio carioca... é Arpoar (R. Dr. Homem de Melo, 760, Perdizes, 3872- 6591). Sempre que eu passo, pergunto como vão os negócios. Às vezes, também compro um presente para a Neusa.”

Ele tem um fascínio pelo comércio em geral. Já teve até uma loja na cidade de Irará, onde nasceu. Mas, na hora de explicar, complica de novo: “Eu sabia como era essa grande conversa que é a troca do trabalho, agora traduzido em dinheiro, pelos objetos de uso. Esse grande escambo público.”

A Nova Charmosa (R.Dr. Homem de Melo, 626, Perdizes, 3673-6571), padaria da esquina, também faz parte de seus domínios. “Ê Tom Zé, vai fazer fotos para o jornal”, comenta o rapaz do balcão, enquanto o artista faz caretas para o fotógrafo. É ali que ele encomenda seus pães especiais, já que segue uma dieta rígida, sem açúcar, café e álcool. “Há uns 20 anos o médico me falou que isso fazia mal para meu estômago. Parei com tudo na hora”, diz, enquanto posa segurando três bolos ao mesmo tempo.

Mesmo sendo torcedor do Corinthians, Tom Zé freqüenta de vez em quando o Estádio do Parque Antártica (R. Turiaçu, 1.840, Água Branca, 3873-2111), ali perto. Pecado mortal para um fanático pelo time do Parque São Jorge, admite até torcer para o Palmeiras, às vezes. “Acontece que todos os porteiros daqui são paraibanos e sócios do Palmeiras. Se me chamam para ir ao estádio, tenho de torcer pelo time deles. Sempre fiz isso. Tinha um amigo meu que até pensava que eu fosse são-paulino de tanto que eu fui a jogos com ele.”

No fim do dia, a partir das 18h, ele e a mulher Neusa organizam o que chamam de “nosso clube”. Tom Zé deita-se na cama e Neusa começa a ler um livro em voz alta. Atualmente, a leitura é sobre hinduísmo. Depois, lá pelas 21h, é hora de dormir ou acompanhar o futebol na TV. Se a opção for por filmes, ele prefere assisti-los no cinema. “Sempre o que queremos ver costuma estar naquela salinha pequena do Espaço Unibanco (R. Augusta, 1.470, 3287-5590).”

Boa praça, Tom Zé virou estrela do filme de Decio Matos Jr. por acaso. “Eu não sou gênio, sou japonês”. Legenda, por favor.


"Fabricando Tom Zé" desvenda genialidade do compositor

Por Luiz Vita, do Cineweb

SÃO PAULO (Reuters) - O mundo fala a língua de Tom Zé. E não é necessário conhecer qualquer palavra em português para entrar em sintonia com o que diz e o que canta o baiano de Irará em suas andanças mundo afora. A música é o idioma que ele emprega para se comunicar com as platéias de seus shows.

Não há como ficar indiferente a esse músico. Sua irreverência, humor e seu jeito muito particular de compor e se relacionar com o mundo foram bem captados pelo diretor Décio Matos Jr. O documentário "Fabricando Tom Zé", que estréia nesta sexta-feira, foi rodado em São Paulo, Irará, na Itália, Suíça e França, durante uma turnê internacional com seu grupo, em 2005.

Em 2006, antes de chegar ao circuito comercial, já havia vencido os prêmios de público da Mostra Internacional de São Paulo e do Festival do Rio.

Aos 70 anos, "o mais paulista dos baianos", segundo Caetano Veloso, esbanja uma energia vigorosa, apesar de seu corpo franzino. E a câmera do diretor de fotografia Lula Carvalho, filho de Walter Carvalho ("A Janela da Alma"), consegue se aproximar do artista com total liberdade, mesmo nos raros momentos em que ele se transforma e parece outra pessoa.

Como no festival de jazz de Montreux, na Suíça, quando se rebelou contra o pouco caso de um técnico que, durante a passagem de som que sempre antecede os shows, tenta humilhá-lo fingindo não compreender as reclamações do artista em seu inglês precário.

O que a câmera registra é um Tom Zé possesso, exigindo respeito ao seu trabalho, que xinga e até avança sobre o técnico, que acaba caindo sobre os equipamentos. Resultado: técnico substituído e problema resolvido, para felicidade da platéia que acompanhou um show memorável.

Mas esse não é o mesmo Tom Zé que assumiu as funções de jardineiro do condomínio onde mora, em São Paulo, e planta rosas diante do prédio. Ou que conversa com o farmacêutico do bairro e sabe o nome dos motoristas de táxi que o transportam e com quem fala sobre seus problemas.

O desabafo em Montreux ajuda a entender também o perfeccionismo de um artista que quer sempre se superar. "Sou muito exigente com meus filhos", diz, referindo-se às suas músicas. "Tenho de inventar algumas coisas que os outros não fazem, porque o que os outros artistas sabem fazer e sabem cantar eu não sei. Tenho de fazer uma pequena invenção cada vez que tenho uma idéia que acho digna de se transformar em música."

Mesmo não sabendo falar outras línguas, antes de cada show internacional, Tom Zé faz questão de chamar um tradutor para escrever algumas mensagens na língua local e brincar com o público em seu próprio idioma. Nem sempre o recurso funciona. Numa apresentação na França, Tom Zé chegou a compor alguns versos em francês, que não foram acompanhados pela platéia, que dava mostras ostensivas de desaprovação. Mas foi uma exceção. Normalmente, suas apresentações são um verdadeiro happening.

Tom Zé sempre foi considerado um dos ícones do tropicalismo na época dos festivais de música popular, no final dos anos 1960. O que acabou gerando desconforto para Caetano Veloso e Gilberto Gil, que estavam à frente do grupo de músicos baianos e eram reconhecidos como seus líderes.

Em depoimento no filme, Caetano faz um mea culpa desse episódio, responsável pelo ostracismo de Tom Zé nas décadas seguintes. "Quase o deixamos ser esquecido, em muito pouca medida pelas carências dele, suas incapacidades ou incompetências, e muito mais pela singularidade de sua genialidade."

Foi preciso que um músico estrangeiro, David Byrne, depois de ouvir o disco "Estudando o Samba" (obra que Tom Zé considera a mais radical em sua produção), o resgatasse e o convidasse para shows nos Estados Unidos e Europa. "É o velho provincianismo brasileiro: se um estrangeiro deu aval, então ele deve ser bom", ironiza o crítico Tárik de Souza.

O final da história é o que o filme mostra: a consagração de Tom Zé no exterior e agora no Brasil, uma fonte de inspiração, compondo músicas que não se enquadram em nenhum rótulo. "Ele está colhendo agora os frutos que plantou há dez anos", reconhece o baixista Daniel Maia, uma espécie de maestro da banda que segue o compositor em suas aventuras.

(© UOL Música)

 

VÍDEO:

Tom Zé fala de plágio

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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