Notícias
 Lenine volta com 'Acústico' e a trilha do Grupo Corpo

 

Alexandre Schneider / UOL

Lenine
 

SÃO PAULO - Dois aspectos distintos da música de Lenine podem ser apreciados na cidade neste fim de semana. O compositor volta amanhã e domingo com o show Acústico MTV, tocando suas canções mais conhecidas, no Sesc Pinheiros. No Teatro Alfa, até o dia 12, o que está em cena é seu trabalho mais recente e inédito: a impactante trilha sonora de Breu, nova coreografia do Grupo Corpo, que já está à venda em CD (de produção independente) no saguão do teatro, por R$ 35.

Além disso, Lenine está produzindo o novo álbum do cantor e compositor Tcheka, do Cabo Verde. Com dois álbuns ao vivo consecutivos - In Cité (2004), gravado em Paris, e o Acústico MTV (2006) - ele também deve voltar ao estúdio este ano para gravar o próximo CD de canções inéditas. O roteiro dos shows de hoje e amanhã segue o perfil retrospectivo do Acústico, incluindo algumas de suas canções mais marcantes, como A Ponte, Hoje Eu Quero Sair só, Paciência e O Último Pôr-do-Sol e Dois Olhos Negros. "Nada disso foi intencional. O show no In Cité foi um só, num primeiro momento eu disse que não queria gravar; o Acústico foi um convite irrecusável da MTV e só tive um mês e meio para preparar. Não foi nada premeditado", diz. "Agora estou realmente pensando em um disco de estúdio. Cada novo trabalho é sempre uma somatória das experiências que a gente tem. Como o exercício da composição é uma coisa ininterrupta, quando começo a pensar num disco, já tem um chão que foi andado." 

Toda instrumental, a trilha de Breu tem oito temas e uma gama de tonalidades e atmosferas, nuances de experimentalismo e violência, texturas e fusões de ritmos de densidade elevada, que ganha força em cena, mas também é bom de se ouvir fora do contexto da dança. Caboclinho, rock pesado, frevo, elementos do funk clássico, característicos da pegada de violão de Lenine, estão no paredão sonoro de autoria inconfundível. Com participação de Igor Cavalera (bateria), Bocato (trombone), Jr. Tostoi (violão, guitarra, efeitos), co-produtor do CD com Lenine, Siri (percussão) e a sensacional Spok Frevo Orquestra, a trilha tem como ponto alto Secular, um frevo desconstruído mesclado com rock, que homenageia o centenário do ritmo pernambucano, incluindo fragmentos de vários temas famosos do gênero, em citações divertidas. 

"Talvez este seja o trabalho mais autoral meu, o disco mais revelador de como estou agora", diz Lenine, que vem se juntar a Philip Glass, Uakti, Milton Nascimento, João Bosco, Tom Zé, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Zé Miguel Wisnik, entre os parceiros de confiança do Grupo Corpo. "Fiquei muito honrado com o convite e impactado com a coreografia. Pela primeira vez vi minha música tridimensional." Para o compositor, o coreógrafo Rodrigo Pederneiras "teve uma delicadeza em transpor todos os relevos e as nuances dos arranjos e das músicas para os corpos dos bailarinos".

(© Agência Estado)


Seco e violento, Corpo brilha no breu

Nova coreografia de Rodrigo Pederneiras é um marco diferenciador na trajetória de 32 anos desse premiado grupo mineiro

Estamos no reino das ambivalências. É tudo seco, curto, abrupto, violento. Os corpos se empurram, se derrubam, se sacodem. Caem, caem muito. Ao mesmo tempo, também se escoram, se amparam e se procuram, como se não lhes restasse qualquer outra possibilidade. Breu, a nova criação de Rodrigo Pederneiras para o Grupo Corpo, é escura, mas brilha como um marco diferenciador, nos 32 anos de trajetória da companhia.

A excelente trilha composta por Lenine levou Rodrigo a mudar muita coisa no seu modo de compor dança. Reconhecido pelo tipo de musicalidade coreográfica que cunhou, parece agora impregnado por uma ‘estética da multidão’, de certa forma também presente na música de Lenine - uma trilha povoada por leituras autorais de materiais existentes que, então, se contaminam em um processo encantador de remissão e de reinvenção. Foi Antonio Negri quem trouxe o conceito de multidão para explicar a nossa vida no mundo pautado pelo capital. A multidão é a rede formada por uma multiplicidade de poderes e saberes do nosso cotidiano. Na multidão, não somos indivíduos com identidades privadas, mas sim sujeitos compartilhados, uns mestiços dos outros.

São assim os corpos de Breu. Eles se precisam, se procuram, mas formam uma parceria molecular, que não pára de se rearticular. A cena-emblema do que se passa está no espetacular duo-embate de Flavia Couret e João Vicente, ambos, no melhor papel de suas carreiras. Um come da energia do outro, toma do outro o movimento, interrompe, direciona, impede, comanda, resiste, ajuda, insiste. Enquanto se pegam e repegam, cinco duplas expõem o corpo que não se agüenta mais, um corpo que precisa ser empurrado para se deslocar, e precisa ser suspenso para conseguir ficar de pé.

A ambivalência aparece também no jogo com o preto que azuleja o cenário e veste as costas dos bailarinos. Um também engole o outro, mas em alguns momentos, faz nascer o contorno dos corpos, pois devolve a imagem, num efeito de espelho. O cenário de Paulo Pederneiras retira a neutralidade da caixa preta do teatro, que ganha a frieza de um laboratório para os experimentos de Rodrigo. A sabedoria da figurinista Freusa Zechmeister escolheu embaralhar os bailarinos com grafismos, e assim conseguiu tridimensionalizar os compartilhamentos que vão, ambivalentemente, distinguindo e misturando cada um na multidão que se forma e desenforma.

Na nova língua que se insinua em Breu, sobressai a intenção do gesto e não a forma da sua execução. Sai de cena a prática do corpo de baile (todos dançando da maneira mais assemelhada e virtuosística possível) e adentra a companhia-multidão, povoada por singularidades mestiças. Ao ser apresentado no mesmo programa que Sete ou Oito Peças para um Balé (estreada em 1994, e não dançada desde 1999), a transformação de Rodrigo Pederneiras como que se autodemonstra.

Breu se distancia do compromisso de ligar inteiramente música e dança, pois abriga bem-vindos momentos de silêncio e mais economia de passos. Permite mais embolamentos e eles vão montando outra espacialidade, onde figurinos, cenário e iluminação se ajustam com a precisão e o acabamento que já se tornaram a grife do Grupo Corpo.

O elenco explode a sua excelência tanto na desconstrução dos duos que aqui surgiu, como demonstram, com muita competência, Silvia Gaspar/Peter Lavratti, e Ana Paula Cançado/Beto Venceslau, quanto na continuidade evolutiva dos traços que marcam a escrita de Rodrigo, aqui reciclados. Um dentre vários exemplos possíveis é o que sucedeu com aquele passo que Tom Zé trouxe de Irará para agregar a Parabelo (1997) (corpos-aranha andando pelo chão).

Há que destacar ainda o solo de Beka (Everson Botelho). Além de consagrá-lo como um intérprete sem limites, expõe, na clareza de seus impecáveis movimentos, as misturas que agora ganharam o papel principal na escrita de Rodrigo Pederneiras. Elas também estão inteligentemente apresentadas, tanto no ‘quase frevo’ que Lenine compôs, quanto no ‘quase frevo’ que os bailarinos dançam, cuja concepção guarda sintonia com o tipo de pesquisa que a dupla Angelo Madureira-Ana Catarina Vieira também desenvolve.

Neste Breu, Rodrigo propõe outras formas cooperativas para a escuridão de onde ainda não se avista qualquer saída. Os corpos- compassos se voltam sobre si mesmos, em circularidade contínua. Todavia, eles não permanecem no mesmo lugar, pois é com a própria circularidade que conseguem avançar. Ou seja, o mesmo movimento que encapsula, desloca no espaço, porque nesse corpo, ombros, pulsos e cotovelos se tornam ignições para os movimentos. Por mais esta ambivalência, e por muito mais do que ainda pode ser dito, Breu pode ser tomado como uma importante obra política do Grupo Corpo.

(SERVIÇO)Grupo Corpo. Teatro Alfa. R. Bento Branco de A. Filho, 722, Santo Amaro, 5693-9400. 4.ª a sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 30 a R$ 80. Até 12/8

(© Agência Estado)

 

 

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind