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 Arte Naïf e o desafio imaginário

 

Divulgação

Carmelita (´Folganças do Rei Lampião´)
 

Representação da espontaneidade criativa, o Naïf é reprojetado pelos artistas plásticos cearenses, como comprova a mostra que abre nas sete unidades Sesc do Estado

HENRIQUE NUNES
Repórter

Se agosto carrega mesmo muita carga negativa, como supõem os imaginários mais supersticiosos, não será bem este o clima que prevalecerá no Sesc Senac Iracema, Sesc Fortaleza e Sesc Centro e nas unidades Sesc de Crato, Juazeiro do Norte, Sobral e Iguatu, até o fim do mês. É a I Mostra Sesc de Arte Naïf, que reúne 108 obras de 14 artistas cearenses, com curadoria de Zé Tarcísio e consultoria de Descartes Gadelha. Em Fortaleza, a abertura do evento (que deverá integrar nosso calendário cultural), no Sesc Senac Iracema, terá apresentação da Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto e marcará ainda o lançamento de um catálogo e de um documentário sobre este requintado universo.

Artistas do grupo Gira Sol, de Fortaleza, e representantes de Crato e Juazeiro participam das exposições, do Catálogo Naïf e do documentário “Cores da Vida”, dirigido por Henrique Dídimo. Em comum, a preocupação em tirar a linguagem de uma associação a uma arte pouco intelectualizada, embora o termo francês signifique mesmo “ingenuidade”. Henrique Dídimo mostra uma produção marcada pela espontaneidade, sim, mas ao mesmo tempo de sofisticadas manipulações em forma de pinturas, gravuras, esculturas...

A ser exibido na abertura da exposição, o documentário revela ainda os diálogos entre eles, Zé Tarcísio e Descartes Gadelha, na preparação das montagens. Em formato de DVD, ele será encartado no catálogo Naïf, que reúne 28 das 108 obras desta primeira edição da Mostra Sesc de Arte Naïf. São duas obras de cada um dos 14 artistas participantes, fotografadas por Júnior Panela e Adelmar Filho, com projeto gráfico dos designers Jocelino Neto, Alderico Leão, Érico Gondim e Emiliano Cavalcante. O catálogo contém ainda textos de Zé Tarcísio e Descartes Gadelha.

Origens e continuidade

A articulação promovida pelo Sesc atinge remanescentes do grupo Imagem das Cores, liderado por Isaías Silva (índio Timbira maranhense radicado e falecido no Ceará, em 1988). Alguns de seus discípulos pertencem ao grupo Gira Sol, coordenado por Firmino Silva. Outro artista a trazer o imaginário indígena para suas obras foi o acreano Chico da Silva, falecido em Fortaleza em 1985. “Eles criaram uma escola, mas o naïf não se filia só a esse lado primitivista, que leva muitas pessoas a associarem a linguagem a algo menor”, enfatiza Firmino. Ele informa que hoje há grandes artistas naïf em todo o mundo, sendo a linguagem reconhecida por vários críticos. Citando nomes como o maranhense Miranda, a carioca Lia Mitarakis e até modernistas como Anita Malfati, além de “grandes artistas naïf” de Juazeiro do Norte, Crato e Sobral, ele ressalta a necessidade de um salão aberto para que o público conheça essa identidade criativa sem fronteiras.

Artistas consagrados como o francês Henri Rousseau disseminaram esta linguagem marcada pela espontaneidade e hoje mantida em bienais ao redor do mundo, tendo como destaque produções do Brasil, França, da ex-Iugoslávia, do Haiti e da Itália. Entre os brasileiros, ficaram conhecidos os trabalhos de Heitor dos Prazeres (ainda que mais conhecido por sua contribuição para o mundo do samba), José Antônio da Silva, Waldomiro de Deus, Iracema Ardite, Maria Auxiliadora, Ivonaldo, Isabel de Jesus, Elza Oliveira de Souza, Crisaldo de Moraes e outros.

Em Fortaleza, ela vem sendo fomentada desde o ano passado pelo grupo Gira Sol, formado por Cantídio, Nonato, Nonato Araújo, Mundinha, Nogueira, Firmino Silva, Carmelita Fontenelle, Lana Guerra, Lira Juraci, Chico Rabelo, Vando Farias e Francisco Sérgio. A eles se unem, nessa exposição, o pintor Francisco Lopes de Sousa (Cocão), de Crato, e o escultor José Eloni da Silva (Eloni), de Juazeiro do Norte.

Embora ainda associada às pinturas rupestres e ao imaginário de pessoas humildes, a linguagem do Naïf evoluiu naturalmente com outras da história da arte, mas se manteve atrelada a alguns aspectos singulares, que valorizam a subjetividade e o cotidiano, em suas diversas manifestações, dos folguedos às impressões mais universais do imaginário e da mistura de raças e culturas.

O termo nasceu no Salão dos Independentes, em Paris, no final do século XIX, referindo-se à liberdade e ao descompromisso com que as cores e os traços tomavam a tela, desafiando escolas e tradições. “Hoje precisamos desafiar principalmente essa visão equivocada sobre a nossa ‘ingenuidade’. Chico e Isaís tinham o imaginário deles, mas não adianta tentar copiar, cada artista tem o seu próprio universo interior. E cada artista manipula isso de uma forma própria, com os mesmos recursos materiais de artistas de outras linguagens, inclusive a literária, como na poesia de um autor como Diogo Fontenele”, assevera Firmino.

Mais informações: I Mostra Sesc de Arte Naïf - Sesc Senac Iracema (Rua Boris, 90c - Praia de Iracema - ao lado do Centro Dragão do Mar). Informações: (85) 3452 9066. A sede do Grupo Gira Sol funciona na galeria da Pizzaria Sabor da Massa (Rua Conrado Cabral, 802, Monte Castelo). Informações: 3233-1252/3254-4847.

(© Diário do Nordeste)

 

 

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