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 Jornalista Joel Silveira morre no Rio aos 88

 
Bel Pedrosa - 4.set.2003/Folha Imagem

Jornalista Joel Silveira em seu apartamento no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 2003
 

Escritor cobriu a Segunda Guerra Mundial na Itália e tornou-se célebre por reportagem que dissecava os "grã-finos" de SP

Chamado de "víbora" por Assis Chateaubriand, dos "Diários Associados", Silveira escreveu mais de 40 livros; ele tinha câncer de próstata

DA SUCURSAL DO RIO

O último dos dinossauros do jornalismo, como ele se definia, morreu na manhã de ontem, aos 88 anos. Joel Silveira, que não quis fazer tratamento contra um câncer na próstata, dormia em seu apartamento, no Rio. Sua mulher e seus dois filhos decidiram não fazer velório do corpo, que será cremado. Ele publicou romances, contos e crônicas entre seus mais de 40 livros, mas foi, sobretudo e acima de quase todos, repórter.

Os problemas de saúde o tiraram do front nas duas últimas décadas, mas, sempre que procurado na trincheira de Copacabana, fazia jus à alcunha de "víbora" dada por Assis Chateaubriand. Falava mal de presidentes e artistas e, embora órfão dos muitos amigos mortos, procurava não se deprimir.

"[Sou] teimoso. Eu não pedi para vir ao mundo. Agora, aos 80 anos, não vou pedir para sair", disse ao repórter Geneton Moraes Neto em 2004.

Política e jornalismo fizeram parte da vida do sergipano Silveira. Em 1932, antes de completar 14 anos, tornou-se oficial de gabinete do governador do Estado. Dois anos depois, criou no colégio em que estudava o jornal "A Voz do Atheneu".

Após ganhar um prêmio pela novela "O Desespero", ganhou coragem para alcançar o destino praticamente inevitável aos jovens nordestinos aspirantes a escritor: o Rio de Janeiro. Disposto a trabalhar quase de graça, arrumou emprego no semanário literário "Dom Casmurro", onde colaboravam Graciliano Ramos, Jorge Amado, Cecília Meireles e Carlos Lacerda.

Escritor

Ainda que nunca tenha desistido da ficção, Silveira não recebeu, ao longo da vida, grandes estímulos dos amigos ilustres. Contava, com humor, que mostrou um conto certa vez a Graciliano Ramos, e o alagoano rasgou minuciosamente as folhas, convidando-o em seguida para tomar uma cachaça.
Já no jornalismo impunha admiração -e medo- a todos. A ponto de Manuel Bandeira definir seu estilo como "uma punhalada que só dói quando a ferida esfria". Na revista "Diretrizes", dirigida por Samuel Wainer, publicou em 1943 sua reportagem mais famosa: "Os grã-finos de São Paulo". Misturando faro de repórter, olhar de escritor, idéias de jovem socialista (fundou o PSB) e veneno, produziu trechos como este:

"Era uma festa somente para milionários, e sobre todos aqueles sobrenomes repousava a força paulista de hoje. Por detrás dos sobrenomes, há um mundo incrível: centenas de fábricas, milhares de chaminés, milhares de motores, milhares de operários. Era um grupo terrível, avassalador. Com um gesto de mão, qualquer um deles poderia me aniquilar, me tanger longe, lá na rua. Mas os milionários apenas sorriam. Sorriam e bailavam com as mulheres, todas muito belas."

O texto é encontrável no livro "A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista". Este título é de outra reportagem, publicada em 1945, sobre o casamento do milionário João Lage com Filomena, filha do conde Francisco Matarazzo Jr. A cobertura venenosa foi encomendada por Assis Chateaubriand, que queria forçar o "conde Chiquinho" a chegar a um acordo sobre uma transação imobiliária.
Foi Chatô quem enviou o repórter à Itália para cobrir a participação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) na Segunda Guerra. Marco no jornalismo brasileiro, a cobertura rendeu vários livros de Silveira.

Presidentes

As suas histórias com presidentes da República, de Antônio Carlos a Tancredo Neves, resultaram em outros tantos títulos. Foi amigo de Juscelino Kubitschek -de quem teria roubado uma namorada-, bebeu com Jânio Quadros sem conseguir acompanhá-lo -apesar de sua experiência no assunto- e produziu um famoso texto ("Conheci Getúlio Vargas") sem ter entrevistado o então ditador do Estado Novo, para ele "um filho da mãe de uma habilidade política terrível".

Silveira trabalhou em vários jornais e revistas, tendo recebido em 1975 o Prêmio Esso de Jornalismo especial pelo conjunto da carreira. Preferia ser repórter, mas foi como diretor de "O Paiz" que o regime militar o prendeu após o AI-5.

Ganhou em 1998 o Prêmio Machado de Assis, o mais importante da Academia Brasileira de Letras. Mas não conseguiu se tornar imortal: perdeu uma eleição em 2000 e, no ano seguinte, lançou sua anticandidatura à vaga de Jorge Amado, revoltado com a tentativa de substituição do escritor por sua mulher, Zélia Gattai. Perdeu por 32 a 4. Como bom repórter, Silveira era sempre do contra.

O ministro Franklin Martins (Comunicação Social) disse ontem que "o Brasil perdeu hoje um de seus maiores jornalistas em todos os tempos. O sergipano Joel Silveira tinha 88 anos e uma vida invejável para contar. Suas histórias extraordinárias e seu texto mordaz marcaram época. Ele deixa à imprensa brasileira um legado de talento, sensibilidade e força crítica".

Colaborou Banco de Dados

Frases

"Tudo começou na verdade com a reportagem sobre os grã-finos paulistas. Assis Chateaubriand viu e disse: "Esse sujeito é uma víbora. Quero ele trabalhando pra mim'

Chateaubriand me chamou e disse: "Seu Silveira, o sr. vai para a guerra. Mas me faça um favor. Não morra. Repórter não vai para a guerra para morrer. Vai para mandar notícia'

Não existe isso de pequeno ou grande repórter. Grande é a notícia
Nunca tomei nota de qualquer entrevista, apenas anoto nomes e números. Prefiro ficar na conversa vadia, a investigar a alma do entrevistado, a ver se me diz tudo e muito mais. No meu bolso nunca esteve o lápis

Oswald de Andrade era um moleque. Era um sujeito ruidoso, cheio de frases feitas, um vagabundo, nunca fez nada na vida

[Mário de Andrade] Era insuportável, um viadão, vivia cercado de garotos. Devo ser a única pessoal do Brasil que nunca recebeu uma carta de Mário

Tenho horror à literatura de Jorge Amado. É de uma precariedade terrível. Tenho impressão de que sabia por alto umas 47 palavras
Acho João Gilberto uma das 7 pragas do Egito -e do Brasil. Nada é tão chato quanto a bossa nova"

FRASES DE JOEL SILVEIRA

Repercussão

LÊDO IVO , poeta: "Ele era uma mistura de poesia e ironia. Tinha uma linguagem enxuta, bonita. Nós demos a ele o prêmio Machado de Assis. Ele quis entrar para a Academia Brasileira de Letras, mas, em decorrência do trabalho dele como jornalista, ele tinha algumas hostilidades lá. É pena que não tenha entrado".

RUY CASTRO , escritor: "Ele foi uma espécie de repórter brasileiro à maneira dos grandes repórteres norte-americanos [unindo jornalismo e literatura]".

EVARISTO DE MORAES FILHO, membro da ABL: "O Joel é um sujeito de um talento extraordinário. Foi o maior repórter brasileiro. O Brasil acaba de perder um grande homem. Eu apoiei a candidatura dele, mas ele só teve quatro votos porque foi contra a Zélia Gattai e a Academia nunca tinha visto isso de uma mulher disputar a cadeira do marido".

(© Folha de S. Paulo)


Morre Joel Silveira, o repórter da língua afiada  

RIO – O último dos dinossauros do jornalismo, como ele próprio se definia, morreu na manhã de ontem, aos 88 anos. O sergipano Joel Silveira, que não quis fazer tratamento contra um câncer na próstata, dormia em seu apartamento, no Rio. Sua mulher e seus dois filhos decidiram não fazer velório do corpo, que será cremado hoje. Ele publicou romances, contos e crônicas entre seus mais de 40 livros, mas foi, sobretudo e acima de quase todos, repórter.

Os problemas de saúde o tiraram do front nas duas últimas décadas, mas, sempre que procurado na trincheira de Copacabana, fazia jus à alcunha de víbora dada por Assis Chateaubriand. Falava mal de presidentes e artistas e, embora órfão dos muitos amigos mortos, procurava não se deprimir. “Eu não pedi para vir ao mundo. Agora, aos 80 anos, não vou pedir para sair”, disse ao repórter Geneton Moraes Neto, em 2004.

Política e jornalismo fizeram parte da vida de Silveira. Em 1932, antes de completar 14 anos, tornou-se oficial de gabinete do governador do Estado. Dois anos depois, criou no colégio em que estudava o jornal A Voz do Atheneu.

Após ganhar um prêmio pela novela O Desespero, ganhou coragem para alcançar o destino praticamente inevitável aos jovens nordestinos aspirantes a escritor: o Rio de Janeiro. Disposto a trabalhar quase de graça, arrumou emprego no semanário literário Dom Casmurro, onde colaboravam Graciliano Ramos, Jorge Amado, Cecília Meireles e Carlos Lacerda.

Ainda que nunca tenha desistido da ficção, Silveira não recebeu, ao longo da vida, grandes estímulos dos amigos ilustres. Contava que mostrou um conto certa vez a Graciliano Ramos. O alagoano rasgou minuciosamente as folhas, convidando-o em seguida para tomar uma cachaça.

Já no jornalismo impunha admiração – e medo – a todos. Na revista Diretrizes publicou em 1943 sua reportagem mais famosa: “Os grã-finos de São Paulo”.

Foi Assis Chateaubriand quem enviou o repórter à Itália para cobrir a participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial. Marco no jornalismo brasileiro, a cobertura rendeu vários livros.

Silveira trabalhou em vários jornais e revistas, tendo recebido em 1975 o Prêmio Esso de Jornalismo especial pelo conjunto da carreira. Ganhou em 1998 o Prêmio Machado de Assis, o mais importante da Academia Brasileira de Letras. Mas não conseguiu se tornar imortal: perdeu uma eleição em 2000 e, no ano seguinte, lançou sua anticandidatura à vaga de Jorge Amado, revoltado com a tentativa de substituição do escritor por sua mulher, Zélia Gattai. Perdeu por 32 a 4. Como bom repórter, Silveira era sempre do contra.

(© JC Online) 

 

 

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