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 Mestres do Mundo, Saberes Populares

 

 

 

Foto: NEYSLA ROCHA

III ENCONTRO DE MESTRES do Mundo, edição 2006: este ano o evento terá vários debates e espetáculos sobre a cultura popular
 

O III Encontro Mestres do Mundo acontece até 2 de setembro, em Limoeiro do Norte

MELQUÍADES JÚNIOR

As artes do Sagrado, corpo, oralidade, mãos e sons terão ressonância a partir de hoje, quando diferentes culturas e saberes se reunirão mais uma vez para entender, discutir, e - porque não? -revisar conceitos como sobre o que seja “cultura popular”. É quando pede passagem o III Encontro Internacional Mestres do Mundo, de hoje a 2 de setembro, com debates e espetáculos culturais em diversos espaços públicos de Limoeiro do Norte. Mestres da Cultura Popular, intelectuais acadêmicos e populares num mesmo liquidificador. O coquetel de saberes tempera-se, a cada ano, como um dos maiores eventos culturais do Estado.

Polêmicas sobre mestres da cultura à parte, o fato é que em toda edição do Encontro todo candidato a mestre da cultura quer estar. Primeiro porque, se for, é sinal de que foi já escolhido mestre, ou, no mínimo, estará em evidência, não só midiática como aos olheiros despretensiosos da comissão que elege os mestres todos os anos. Mas a importância do evento vai além, segue à risca o significado etimológico/antropológico da palavra “encontro”. A exceção fica para o ano passado, quando o “racha” do evento entre Limoeiro do Norte e Russas, dada por membros da produção como “interferência política”, amornou o caldeirão de cultura popular e resultou num verdadeiro “desencontro” dos mestres.

Um ano depois, tudo volta a acontecer somente em Limoeiro do Norte. A cidade está pronta, estandes estilizados de taipa receberão as louças de barro da Mestre Lúcia Pequeno, as sandálias de couro de Expedito Seleiro (finalmente com a patente de Mestre), e até os remédios naturais de dona Odete, de Canindé. Os palcos, tablados e mesas redondas estão armados, prontos para quem quer beber cultura sem qualquer moderação. Para dar o tempero “internacional” do evento, a ‘pluri-instrumentalidade’ musical da Tuna Universitária de Madri, Espanha, e a cantora Isa Pereira, de Cabo Verde, que já é figura carimbada de outros eventos patrocinados pelo Ministério da Cultura no País. Entre o Palco Mestre e Palco dos Brincantes, uma apresentação logo após a outra.

E a melhor roda já inventada pelo homem – a roda do conhecimento – traz temas como identidades indígena e negra, ciganas, a luta dos movimentos sociais e o futuro das políticas públicas do País – em tempo. Nos debates, tem do antropólogo e estudioso do índio Max Maranhão ao “ser índio” por si próprio, de Luís Caboclo, pajé da Etnia Tremembé. Nas apresentações, grupos culturais de diversas regiões do Estado e representações além-Nordeste, como o “da senzala aos palcos” - famoso Jongo da Serrinha, do Rio de Janeiro -, e o Boi-Bumbá de Belém, Pará. E dá até para imaginar o tamanho da ciranda de roda do meio da praça José Osterne quando o cantor Messias Holanda entoar suas inconfundíveis perólas, como “eu quero me trepar no pé de coco...”. A primeira-dama do samba, a carioca Ivone Lara, também marcará presença.

Badalar do sino

A programação começa à noite com o tradicional cortejo dos mestres concentrados na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos até o largo da igreja Matriz, esta que chamará a comunidade para a festa da forma mais original – bater dos sinos pelo mestre Getúlio Colares, sineiro de Canindé. No palco principal, a irreverência musical do grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado, comemorando dez anos de estrada. O último dia, domingo, será fechado com ninguém menos que Antônio Nóbrega. Pelas bandas de Limoeiro, os recantos e praças deverão estar abarrotados de gente. Se igual aos eventos anteriores, com tranqüilidade e muita alegria.

Serviço:
III Encontro Mestres do Mundo, até 2 de setembro, em Limoeiro do Norte. Informações: (88) 3423-3120 e (85)3246-9176.

(© Diário do Nordeste)


Sobre os tesouros vivos



Foto: DAVI PINHEIRO


A DRAMISTA Teresinha Lima é uma das artistas em destaque no III Encontro Mestres do Mundo
 
Limoeiro do Norte reúne desde ontem saberes e fazeres da tradição popular

MELQUÍADES JÚNIOR

A festa começou e “eu ainda tô tentando acordar, tá difícil acreditar que com tanto tempo iam me reconhecer por alguma coisa”, afirma Dona Teresinha Lima, 65 anos, nova Mestra da Cultura, ou melhor, mais um ´Tesouro Vivo do Ceará´, participando pela primeira vez do Encontro Mestres do Mundo. A titulação “Tesouro Vivo” é algo novo que ainda inquieta alguns novos mestres. “E quando eu morrer, como é que vão me chamar?”, diz dona Teresinha, para depois contornar com uma boa risada. Os “tesouros vivos” foram contemplados ontem, na primeira noite dos Mestres do Mundo. Mas a existência de eventos paralelos, mas simultâneos. Na região jaguaribana houve dificuldades para a hospedagem dos participantes , que começa “pra valer” na manhã de hoje.

O “Tesouro Vivo” ainda gera um estranhamento entre os próprios mestres (que continuarão a ser chamados mestres), mas a retirada da titulação Mestres do Mundo ocorreu para contemplar essa vez não somente pessoas, mas grupos. E de norte a sul do Ceará já existe uma fila de grupos candidatos a “Tesouro Vivos”, tornando mais concorrida a já criteriosa e longa lista de mestres em potencial.

O salário que dona Teresinha -do Drama de Beberibe - receberá de auxílio se junta à recente pensão do marido recém-falecido. A família vive da agricultura. Os dramas, reisados e pastoril do litoral de Beberibe sobrevivem graças a ume pequena leva de gente feito dona Teresinha e “ah, é a parentada toda” – Há quase 60 anos as mesmas famílias cultivam as histórias dos Dramas. Retratam desde os dramas rurais das histórias da comunidades às interpretações cênicas da índia Iracema, de José de Alencar. Agora é deles, porque a Iracema dança danada ao baticum da banda musical que acompanha as dramistas. E detalhe: homem não pode participar da encenação. Mas porque, dona Teresinha? “Ah, é uma tradição, tem homem que quer participar, mas o pessoal já começa a falar que passou ‘pro outro lado’...”.

Os dramas de lá começaram na década de 30 com dona Maria Otília, da comunidade de Tanques – são seis comunidades de Beberibe que mantêm a tradição. Das apresentações participam cerca de 20 dramistas. Ingressos são cobrados. E o melhor: não falta quem vá assistir aos espetáculos. “Meu filho, naquele tempo não tinha novela, nem televisão tinha, então os dramas quem fazia éramos nós mesmos”. Junte drama, papangus, calungueiros e as comunidades entre sertão e litoral de beberibe e metade das famílias de lá tem algum “culpado” pela manutenção dessas tradições populares.

Dona Teresinha é a segunda dramista contemplada pelo Edital dos Mestres da Cultura Tradicional Popular (hoje do “Tesouro Vivo”), da Secult – a primeira foi Dona Zilda, de Guaramiranga. As coisas ficaram menos dramáticas para as bandas onde mora Dona Terezinha. A recém-contemplada conta que depois que noticiaram no jornal que seria um Tesouro Vivo “melhorou foi muito” o apoio ao trabalho que carrega há mais de 30 anos. “Até o prefeito agora apóia a gente, disponibiliza o carro para quando tiver apresentação”. Mas vestimentas para a encenação continua da boa vontade de quem participa da encenação arranjar.

Encontros

O clima de ontem era de chegada, encontros e reencontros. Para dona Margarida Guerreira, mestre desde 2005, ´é bom pra rever gente boa´. Ela pausa a entrevista: “Quando as águas do mar secar/ eu vou passear/ mais meu bem querer...”. Ela não volta, só canta, canta... De repente, forma-se uma pequena roda contemplativa. São mestres de todo canto no canto da mesa, ouvindo a Guerreira. Na mesa, seu novo disco da “União dos Artistas da Mãe de Deus – Reisado e Guerreiro”. Mesmo com a saúde frágil de uma octogenária, dona Margarida Guerreiro não para um só minuto de cantar, conversar e abrir um sorriso inconfundível”.

“Está sendo muito interessante vivenciar isso aqui”, concorda Maria Alice, que não é mestre, mas uma súdita dos artistas de Minas Gerais, sua terra, sempre presente nos encontros dos mestres do mundo e que possui trabalho comparável ao “pioneirismo” cearense – Há cinco anos a Fundação de Arte de Ouro Preto e a Secretaria Estadual de Cultura de Minas Gerais cataloga as expressões vivas da cultura popular mineira “em risco de extinção”. O trabalho reúne oficinas de culinária, folia de reis, Candombe, comemoração ao divino Espírito Santo, etc.. Os artistas também recebem auxílio financeiro, “mas não existe a seleção anual como acontece aqui”, explica Alice. A experiência mineira será válida para a discussão que se inicia nesta quarta - “As políticas públicas para a cultura popular e a convenção da Diversidade Cultural” será tema de mesa redonda com Américo Córdula e Gisele Dupin, ambos do Ministério da Cultura, e Delânia Azevedo da Secult.

(© Diário do Nordeste)

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