Percorrendo novos e antigos horizontes, Alcione reúne
Gilberto Gil, Falcão d’ O Rappa, Mart’nália e Homero Ferreira em “De
tudo o que eu gosto” (Indie Records)
HENRIQUE NUNES
Repórter
Bem acompanhada, entre músicos e autores, Alcione ganha produção de alto
nível do xará do bandolinista cearense Jorge Cardoso e deita e rola
entre momentos mais líricos, sua africanidade, seu romantismo e seu amor
pelo samba e pela canção. Um álbum com tudo o que a Marrom tem direito,
do reggae ao samba-canção, entre cinco arranjadores e músicos poderosos,
do conterrâneo Papete a outro Jorge cearense, Helder, além de um time
impecável de compositores.
Levada por Carlinhos 7 Cordas e companhia, “Maria da Penha” (Paulinho
Rezende/Evandro Lima) é séria candidata a samba do ano. “Bater em mulher
é onda de otário/Não gosta do artigo, meu bem/Sai logo do armário/Não
vem que eu não sou/Mulher de ficar escutando esculacho/Aqui o buraco é
mais embaixo”. E tem também o romantismo suingadão, quase maxixe, quase
partido-alto, entre belos coro, arranjo e letra, de “Luz do nosso amor”
(Sombrinha/Rubens Gordinho e Nilton Barros).
Mas a Marrom também não deixa de lado seu romantismo mais escancarado,
ainda assim longe, muito longe dos pagodismos (ainda) em vigor,
carregando pesado, leve e solto em “Quando o amor bateu na porta” (Altay
Veloso), ao belo arranjo de Ivan Paulo, e na mais sentimental de todas
“Como da primeira vez” (Jefferson Jr/Diego Luciani/Xandynho Ramos) e
ainda em “Perdeu, perdeu” (Chico Roque/Sérgio Caetano), boa letra, em
arranjo compatível com a Marrom mais popular.
Pena que Falcão ou Marcelo Falcão, como consta nos créditos, não tenha
gogó para acompanhar uma majestade como a Marrom. Nem quando faz um rap
no meio de “Mangueira é mãe” (Serginho Meriti e Claudinho Guimarães),
nem quando arrisca uma levada de samba na mesma faixa, marcada pelos
Tamborins da Mangueira bem azeitados com os metais. Mas as demais
participações correspondem. Gil em sua “Entre a sola e o salto”, canção
intimista e universalista, já gravada pela Marrom em 1978, agora com
destaque para o teclado de Alexandre Menezes e a percussão de He-Man,
além, é claro, dela e da poesia e da interpretação do Ministro. “Ê, ê,
quanto amor/No espaço embaixo do sapato dela”...
Outro momento cercado de lirismo é a valsa-canção “Marcas do Passado”,
uma perfeita seresta entre cordas, teclado de Julinho Teixeira e a
participação de seu autor, Homero Ferreira, veterano que se sagrou
vencedor do concurso de marchinhas da Fundição Progresso este ano.
Pendendo para a africanidade que, com a Marrom, remete sempre a Clara
Nunes, ela convida Mart’nália para mostrar todo o seu natural borogodó
pro samba, um dos mais evidentes da nova geração, no samba de roda
“Laguidibá”, do veterano Nei Lopes com os paulistas do Quinteto em
Branco e Preto Magnu Sousa e Maurílio de Oliveira. Dueto intenso.
Novos horizontes
A africanidade também pede passagem no samba “300 anos” (Altay
Veloso/Paulo César Feital) que, entre os onipresentes Alceu Maia
(cavaco), Esguleba (pandeiro), Gordinho (surdo) e o belo coro, é uma
reverência a Zumbi com referências ao Carnaval e às Áfricas. Já “Guiné,
Guiné”, dos maranhenses Ronald Pinheiro, Sérgio Habibe e Gerude aproxima
a Marrom do reggae de sua terra com o apoio do coro, da percussão de
Papete, do baixo de Jorge Helder, da guitarrinha de Pedro Braga e do
teclado de Zé Américo. Depois, ela convida a dançar “Agarradinho”, no
forró de Telma Tavares e do baiano Roque Ferreira. Alcione é mesmo
adoravelmente surpreendente.
Uma canção que faz a ponte entre o passado e o presente, “Eu te procuro”
(Dhemma/Silvão/Francisco do Pagode) segura a onda mais pelos metais e
pelo suingue do arranjo de Julinho Teixeira e seu considerável apelo
popular, mas não convence totalmente. Não é bem o caso de “Laço de
Cobra” (Nilton Barros), outro momento dos mais vibrantes do novo
repertório romântico da Marrom, num samba-canção sem perdão, entre
Paulinho Trumpete, o piano de Zé Américo, baixo acústico de Jorge
Helder, violão de Israel Dantas, percussão de Papete e a bateria de
Camilo Mariano. Chiquérrima, Marrom foi ainda mais longe do que de
costume.
CD
"De tudo o que eu gosto"
Alcione
14 faixas
R$ 28,90
INDIE RECORDS
2007