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 Xilogravura e cordel 100 anos depois

 

 

 

Foto: Elizângela Santos

Geová Sobreira, professor da UnB, destaca os traços primorosos da xilogravura feita no Cariri
 

ELIZÂNGELA SANTOS
Repórter

O uso da xilogravura de forma elaborada, envolvendo técnicas, veio a partir do francês Jean Pierre Adour, em 1870

Juazeiro do Norte. 100 anos depois, artistas-xilógrafos continuam sendo formados na arte de ilustrar o cordel. Juazeiro do Norte, o grande celeiro do Brasil. De hoje a sexta-feira, acontece, no município, o seminário “100 anos da xilogravura ilustrando o cordel”. Para quem decretou a morte desse ofício nos anos 60, no advento da indústria cultural dos frankfurtianos, não pensava no volume de pesquisas em torno do assunto a se lançar. Novas linguagens para traduzir o mundo e os seus encantos. Mas continua no papel jornal a linha da trova, desde os inícios, com a oralidade e também o rebuscamento da arte na matriz da umburana.

O cordel ilustrado com uma xilogravura, escrito por Francisco das Chagas Batista, em 1907, com “A História de Antônio Silvino”, marca o centenário. A autoria da xilo é desconhecida, mas o professor da Universidade de Brasília (UnB), em Sociologia do Conhecimento, Geová Sobreira, destaca os traços primorosamente trabalhados, com finos detalhes de acabamento, riscos delicados e profundos.

Com toda a maestria, o paraibano de Teixeira, celeiro de grandes poetas e cantadores, decidiu colocar a xilo na primeira página interna. Era o medo da rejeição, o que acabou não acontecendo. Pelo contrário, passou a ser o grande atrativo dos cordéis. A aceitação da novidade foi muito grande e diversos autores copiaram essa xilogravura, a primeira que se tem registro no cordel. Tanto que outro poeta de sua terra, Leandro Gomes Batista, o primeiro no Brasil a viver unicamente de poesia, decidiu usar a mesma xilo na capa do folheto intitulado “Antônio Silvino: Rei dos Cangaceiros”.

O seminário em Juazeiro reunirá diversos estudiosos no assunto. A finalidade é poder resgatar discussões de pesquisadores e estudiosos, no sentido de compreender a cultura popular. Também analisar a influência da literatura de cordel e da xilogravura na cultura brasileira, e fazer um resgate da memória dos mestres e dos artesãos que ilustram a literatura de cordel.

Os cordelistas podem ser considerados os grandes comunicadores do Brasil. Não por meio de uma poesia inculta, como muitos reconhecem, mas na verdadeira tradução da originalidade de um povo.

Geová Sobreira conta que em Juazeiro do Norte, anos de 1909, foi criado o jornal “O Rebate”, por José Marrocos, padre Alencar Peixoto e Floro Bartolomeu. Já existia a preocupação de uso de recursos gráficos. João Martins de Athayde , conforme ele, acreditou no crescimento da atividade comercial da literatura de cordel e chegou a montar gráfica, em Recife. Deu o padrão do formato do cordel, que até hoje permanece. A finalidade era melhorar o aspecto estético e, ao mesmo tempo, economizar papel. Isso fez diminuir bastante o custo de impressão, na década de 20, do século passado. Da sua gráfica saíram grandes talentos, um deles Delarme Monteiro da Silva.

Mais informações: Secretaria da Cultura de Juazeiro do Norte. Rua Catulo da Paixão Cearense, s/n, Triângulo. (88) 3571.3244 / 88264010

(© Diário do Nordeste)


Arte é alma viva em evolução


José Lourenço está entre os nomes contemporâneos que marcam época e contribuem para a solidez de uma atividade morta e ressuscitada, a xilogravura (Foto: Elizângela Santos)

O centenário da xilogravura no cordel testemunha uma arte de resistência, uma alma viva em constante evolução

Juazeiro do Norte. Este município entra na história como o grande centro produtor de cordel do Brasil, com uma xilogravura de traço peculiar, em filigranas. Algo minuciosamente trabalhado sob a influência européia. O italiano Agostinho Balmes Odísio, escultor formado na Escola de Belas Artes de Turim e Roma, ensinou a técnica de trabalhar com cortes detalhados na madeira aos talentosos artesãos da terra do Padre Cícero.

O xilógrafo e poeta, José Bernardo da Silva, percebeu o bom negócio que era comercializar os folhetos pelas reentrâncias nordestinas, sendo um dos grandes distribuidores da gráfica de João de Athayde. O romeiro alagoano fez de Juazeiro sua morada. Começou com uma tipografia em sua casa. Ele e seus amigos escreviam, mas faltavam bons ilustradores. Não compensava ter que se deslocar até Recife para ilustrar os folhetos e foram os artesãos que começaram a enveredar pela arte da xilogravura.

Agradar ou agredir

A capa era a síntese do folheto. “A ilustração tinha que agradar ou agredir”, diz Geová Sobreira, professor da UnB. Isso nos anos 30. Mas a fase áurea veio mesmo nos anos 40 e 50. Grandes xilógrafos começam a se destacar nesse cenário. Damásio de Paulo e Expedito Sebastião foram dois deles. O último merece destaque também pela sua poesia.

Princesas, cangaceiros, história da II Grande Guerra, Padre Cícero, falecido em 1934, foram grandes temas explorados. O consumo da literatura de cordel era tanto que chegou a 24 mil exemplares impressos por dia. “A Morte de Getúlio”, de Francisco Minelvino da Silva, chegou a vender 200 mil exemplares em uma semana. Não se pode deixar de lembrar de nomes como Walderêdo Gonçalves, Mestre Noza, Antônio Batista, João Pereira.

Segundo o professor Sobreira, o cordel “A Chegada de Lampião no Inferno”, de José Pacheco, chegou a ter mais edições do que “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, do escritor Machado de Assis.

Na porta da Gráfica São Francisco, à Rua Santa Luzia, em Juazeiro, onde hoje está localizado o banco Bradesco, os caminhões faziam filas para serem carregados com os fardos de cordel. Os folhetos eram distribuídos para todo o Brasil, direto de Juazeiro.

O cordel foi meio de vida para muita gente, além de Leandro Gomes, João de Athayde e Francisco das Chagas, veio Manoel Caboclo, José Pacheco, Delarme Monteiro. “Os poetas viviam de poesia”, diz.

Esse contexto marcou o auge da xilo até que, nos anos 60, um dos maiores estudiosos da literatura de cordel, Raymond Chantél, escreve trabalho decretando a morte da xilo. Já o fim da arte vinculada, a xilo no cordel, teve como anunciador Floriano Teixeira, ilustrador do escritor baiano, Jorge Amado, por meio de artigo da revista cearense “Clã”.

A indústria cultural toma conta. Os mocinhos e os vilões das novelas adentram no imaginário do povo. Circulam novas idéias romanescas. É desviado o foco da rima criativa.

Técnica enriquecida

A valorização como arte, a xilo desvinculada do cordel, veio após estudo na Sorbonne, de Robert Morel, no final dos anos 60. Ganharam espaços trabalhos do Mestre Noza, com a Via Sacra, e do artista plástico Sérvulo Esmeraldo. Em 1972, a Quaderna, de Ariano Suassuna, recebia belas xilos. Está lá a presença da arte dentro do filme primoroso de Glauber Rocha, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, entre tantos outros trabalhos artísticos.

A arte sobrevive, com mais xilógrafos hoje do que antes. A tradição cultural traz técnica enriquecedora, conforme o professor Geová. Nomes como Stênio Diniz, Abraão Batista, Francorli, Nilo, José Lourenço, Jô, entre outros, figuram como xilógrafos que marcam época e contribuem para a solidez de uma atividade morta e ressuscitada. Como a arte de resistência, uma alma viva em constante evolução.

PROGRAMAÇÃO - Exposição destaca velhos mestres da xilo

Juazeiro do Norte. A programação do seminário “100 anos da xilogravura ilustrando o cordel”, será aberta com a inauguração da exposição “Xilógrafos de Juazeiro, os velhos mestres”, no Serviço Social do Comércio (Sesc), às 16 horas, desta segunda-feira. Às 20 horas, no Memorial Padre Cícero, acontece a abertura oficial, com a conferência de Geová Sobreira, trazendo como título o tema do seminário. Estará presidindo a mesa o secretário da Ciência e Tecnologia, René Teixeira Barreira.

Amanhã, “Os Novos Xilógrafos”, será tema de debate, sob a presidência do reitor da Universidade Regional do Cariri (Urca), Plácido Cidade Nuvens, com abordagem do professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Renato Casimiro. Às 20 horas, será realizado o show “Violas Encantadas”, na Praça Padre Cícero, com desafios e cantorias de violeiros.

O professor e pesquisador Gilmar de Carvalho realiza conferência sobre “Padre Cícero: Cordel e Xilogravura”, com a presidência de Jesualdo Pereira, reitor em exercício da UFC. Na Praça Padre Cícero, às 20 horas, será realizado o show da Orquestra de Rabecas.

Um dos grandes estudiosos da cultura popular do mundo acadêmico, Eduardo Diatahy, estará sendo o conferencista do dia 13, sobre “A Xilogravura na Literatura Popular em Versos: Uma História Impossível”. Estará presidindo a mesa o secretário de Cultura do Estado, Francisco Auto Filho. À noite serão realizadas leituras dramáticas, na Praça Padre Cícero, durante a “Noite de Lampião”. O encerramento do seminário será no dia 14, às 20 horas, no Memorial, com Recital Instrumental “Influências” e sessão solene. As conferências serão abertas todos os dias a partir das 15 horas. O evento está sendo realizado pela Secretaria de Cultura de Juazeiro, Banco do Brasil e governo do Estado.

(© Diário do Nordeste)

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