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 O romance de 30 em questão

 

 

 

JC Imagem/Arquivo

José Lins do Rego
 

50 anos da morte de José Lins do Rego traz especialistas para refletirem sobre período histórico da nossa literatura

Schneider Carpeggiani

carpeggiani@gmail.com

O Romance de 30 é uma das maiores instituições literárias do Brasil. Também aquela que é vítima da visão mais estreita: a temática rural de algumas das suas obras-chave - como A bagaceira - provoca uma perspectiva generalizadora a seu respeito. Seu grande legado foi provocar a discussão crítica da modernidade “criada” em território brasileiro alguns poucos anos antes. “Se (a Semana de) 22 toma a modernidade e a modernização como a panacéia para todos os nossos males, (o Romance de) 30 fará uma negociação crítica entre o passado, a realidade presente e o futuro que queríamos construir. Nem tudo que é parte do passado colonial é necessariamente ruim, nem o novo por ser novo é necessariamente bom”, explica o professor do Departamento de Letras da UFPE, Anco Marcio Tenório Vieira.

“É difícil generalizar quando se fala do Romance de 30 porque não foi um movimento literário organizado em torno de balizas rigorosas. De toda forma, a idéia de que os romancistas daquele período apenas se repetiram, ficando presos a um modelo, parece-me errada. José Lins do Rego é bem um exemplo disso. Apesar de um apego a certos temas e cenários, sua obra passa pelo romance urbano e chega mesmo a um certo grau de experimentalismo lingüístico em Cangaceiros”, explica Luís Bueno, autor do maior estudo sobre esse período da literatura brasileira, Uma história do Romance de 30, publicado pela Edusp.

Uma das maiores vítimas da visão generalizadora que cerca o Romance de 30, o escritor paraibano José Lins do Rego, faleceu neste mesmo dia 12 de setembro, há 50 anos, e continua dividindo opinião da crítica. Mas não do público. “Quase todas as obras de José Lins já ultrapassam a casa de 100 edições, o que comprova sua excelente recepção. Porém, acho que o romance de 30 tem duas leituras por parte da crítica. Uma é a que entende que em termo de linguagem o romance de 30 é um retrocesso em relação aos romances de invenção dos Anos 20. E é um retrocesso porque ele retoma a narrativa tradicional, realista, do século 19. A segunda crítica é a que vê na Literatura Regionalista uma literatura menor, posto que ela se detém nos problemas sociais, políticos e econômicos de uma dada região, deixando de lado o universalismo dos temas”, continua Anco Marcio, que vê nessas duas perspectivas claros “vícios de análise”.

Apesar de sempre ser visto como um autor tematicamente restrito, José Lins, para Anco Márcio, lida com um dos elementos constituídores do gênero romance: o velho que ainda não se esvaiu de todo e o novo que ainda não se firmou. “Eu não preciso saber onde fica a Paraíba ou o que é a cana de açúcar para perceber a tragicidade do herói do ciclo da cana de José Lins, sua completa incapacidade de lidar com os dois mundos que se colocam perante si. É esse o tema da Metamorfose, de Kafka, de Dom Quixote, de Cervantes, de Dom Casmurro, de Machado de Assis. Enfim, de todo romance que mereça esse nome.”, conclui.

(© JC Online)


A estreita amizade entre José Lins e Gilberto Freyre

Edson Nery da Fonseca
Especial para o JC

Possivelmente inspirado pela obra-prima As grandes amizades, de Raïssa Maritain, Afonso Arinos de Melo Franco planejou – mas não chegou a escrever – um livro sobre as grandes amizades da literatura brasileira, desde a de Machado de Assis com Joaquim Nabuco até a de Ribeiro Couto com ele próprio. Gilberto Freyre disse uma vez que foi sempre um homem de muitos amigos. Chegou a motivar ciúmes de uns com outros, como provam as cartas que deles recebeu e podem ser consultadas na Fundação Gilberto Freyre. Seu segundo livro – Artigos de jornal (1934) – é dedicado “A Ulysses, Olívio e Lins”, o irmão Ulysses, Olívio Montenegro e José Lins do Rego, que era conhecido como Lins no seu tempo de estudante de Direito no Recife. Lembro que o próprio José Lins do Rego confessava ter sido um péssimo estudante, aprovado nos exames finais com a nota “simplesmente”. Nem sequer apareceu no quadro de formatura por ter gastado nos bares de Santo Amaro todo o dinheiro enviado com este fim por seu avô.

A amizade entre José Lins do Rego e Gilberto Freyre foi uma das mais belas da nossa literatura. Já defini Gilberto como um “grande sedutor”, tanto pelas idéias originais a respeito da formação social do Brasil e pelo estilo saboroso como pelo grande afeto que dedicava aos amigos. As cartas a que já me referi mostram que os amigos por ele seduzidos disputavam a condição de preferidos. Quando, por exemplo, José Lins do Rego escreveu que ele e Ulysses Freyre foram os mais íntimos amigos de Gilberto Freyre ao regressar ao Recife em 1923, Aníbal Fernandes protestou em sua coluna diária Coisas da vida no Diario de Pernambuco. Mas não há dúvidas a respeito da vitória de José Lins do Rego neste páreo afetivo. É o que se depreende do belo prefácio de José Lins do Rego ao livro Região e tradição de Gilberto Freyre como do comovente artigo deste na morte do amigo querido: artigo no qual reconhece a mútua influência que os ligou.

Menino de engenho foi publicado em 1932, com dedicatória a três amigos: um deles, Gilberto. E o primeiro romance de José Lins é citado em Casa-Grande & senzala, porque Gilberto Freyre considerava certos livros de ficção mais importantes para o conhecimento de fatos sociais do que os de história convencionais. Já comparei a amizade que ligou o romancista ao sociólogo à dos santos Basílio Magno e Gregório Nazianzeno e, no plano civil, a de Etiene de la Boétie a Michel de Montaigne: amizade amorosa por este evocada num dos mais belos capítulos dos seus Ensaios.

Como Gilberto Freyre, Lins do Rego também considerava a amizade “como uma das belas artes”, para citar o que Manuel Bandeira disse de Murilo Mendes num de seus poemas. Defendia, às vezes de modo violento, os amigos injustiçados ou criticados. Posso dar testemunho disso: quando a Universidade do Recife rescindiu, injusta e unilateralmente, o contrato que tinha comigo para a reforma de suas bibliotecas, José Lins do Rego publicou num matutino e num verspertino carioca dois violentos artigos conta o então reitor Joaquim Amazonas.

(© JC Online)

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