Cantor e compositor lança disco de
inéditas, 'Matizes', por sua própria gravadora
Patrícia Villalba, do
Estadão
RIO - É o prazer da joaninha andando na folha ao sol, a inveja da
pedra onde a amada se deita, a boca-luva, o rosa-vulva - e o Rio de
Janeiro. Mas também a CPMF, a devastação da mata, a mulher que, se
fosse planta, seria comigo-ninguém-pode. É o degradê sonoro e
poético que Djavan faz no seu novo disco, Matizes (R$ 25),
já nas lojas pela gravadora do cantor e compositor, a Luanda
Records.
Matizes tem 12 músicas inéditas, pelo menos metade
delas djavânicas. São aquelas canções que se tornaram a marca de
Djavan, arranjos vigorosos, calcados em blues, para letras
aparentemente simples, mas de soluções nem tanto, e imagens que
instigam, ficam na cabeça. Caso de Pedra, tipo de música que pode
ganhar nossa intimidade na marra e, quando a gente vê, está na lista
das dez mais de cada um de nós.
Senhor de sua carreira, e certeiro nos passos
dela, Djavan dá respostas aceleradas. Quando fala como arranjador, é
matemático. Confessa que compõe para si mesmo, e que quando sai do
estúdio achando que tem uma música boa, nem quer saber de opiniões
alheias. E se mantém admiravelmente seguro, sem entretanto um pingo
de empáfia, num mercado que classifica como convulso.
Disco nas lojas, começam os ensaios para o novo
show, que estréia em outubro no interior de São Paulo, e segue para
temporada na capital, no Citibank Hall. Na tarde de segunda-feira,
10, na tranqüilidade do MAM do Rio de Janeiro, Djavan recebeu o
Estadão.
Quando a gente fala em matizes, pensa num
conjunto harmonioso. Como foi, então, o processo de composição deste
novo disco, e o quanto da idéia do todo você tinha na cabeça quando
começou a compor?
Desta vez foi um pouco diferente, porque quando eu
acabei a turnê do Vaidade (lançado em 2004), a Rafa (Rafaela, sua
mulher) estava grávida do nosso segundo filho, Inácio. Ela teve uma
gravidez difícil e eu quis ficar com ela. Então, não compus o disco
de uma vez, gravei às vezes durante duas ou três semanas num mês,
para depois ficar um mês sem gravar nada. Eu meio que fiz essa
conjunção entre ficar com o bebê e a Rafa, e a produção do disco.
Em Matizes, chama a atenção a faixa
'Imposto', uma música de protesto, com uma base de bossa nova. Por
que resolveu usar uma música tão suave para falar de um tema tão
árido quanto o da carga tributária?
Acho que a credibilidade é maior, passa melhor a
imagem. Você é obrigado a parar para ouvir. Em geral, uma música que
conduz uma letra de protesto é exteriorizada, para fora, é mais
agressiva e tal. Eu queria justamente o oposto.
Você mora no Rio há 30 anos. Por que só
agora fez uma música para a cidade ('Delírio dos Mortais')?
O Rio de Janeiro é uma cidade muito cantada, muito
decantada. Portanto, é um desafio grande você fazer música para a
cidade, falar desses símbolos tão internacionalmente conhecidos com
um certo frescor. Eu resolvi fazer por ser um desafio, e também pelo
fato de eu achar que estava devendo uma música exaltando a cidade,
por tudo o que ela me deu.
Como foi que uma mulher que se fosse
planta seria comigo-ninguém-pode virou sua musa? Uma pessoa difícil
de ser retratada numa música, não?
Sim, difícil. Mas é uma música de inspiração
genérica. Não saberia dizer, pode até ser que eu tenha convivido com
uma mulher difícil assim. Não agora, que estou casado, a Rafa é
ótima, a gente se ama. E todo mundo, toda hora, se depara com um
homem ou com uma mulher difícil de seduzir.
Mesmo assim, essa mulher merece uma
música?
Quando você gosta, a pessoa merece qualquer coisa
que você possa dar.
Parece que não termina nunca essa busca
não sei se da crítica ou se do mundo da música em geral, pela
vanguarda. Mesmo com 30 anos de carreira, seu nome ainda é associado
à vanguarda. Isso é uma preocupação na hora de compor?
Não na vanguarda dos outros, mas na minha. Eu
tenho uma busca incessante pela novidade que eu julgo novidade no
trabalho que estou fazendo naquele momento. Tenho uma carreira
longa, fiz muita coisa. E tenho uma autocrítica muito grande, é
muito difícil eu me agradar. Fique certa disso: eu não penso em
nenhuma outra coisa quando estou compondo a não ser agradar a mim
mesmo. Nunca fiz para ninguém, fiz para mim mesmo.
Mas não acontece de mostrar uma canção que
não achava tão boa e, diante da reação da pessoa, mudar de idéia?
Essa sua ressalva é ótima, porque embora eu pense
dessa forma, eu tenho família, amigos, pessoas de quem eu respeito a
opinião. Essas pessoas são capazes de me demover de uma idéia, mas é
difícil. E acho que não pode ser diferente, porque para você
sedimentar uma estilo, uma carreira, você tem de ter uma segurança,
uma certeza.
É o terceiro disco da sua gravadora. Na
elaboração de um trabalho autoral, faz diferença ser o dono da
gravadora? Já se sente à vontade nesse papel de empresário?
Na verdade, eu nunca estive nesse papel, porque
quem comanda tudo é minha empresária, Mara Rabello. Claro que eu
estou ali para dizer as coisas mais importantes, mas abri a
gravadora para exatamente ter mais campo livre para fazer o meu
papel de compor e cantar. Quero conduzir minha carreira de maneira
totalmente independente e individual. Eu não saí de gravadora para
ter liberdade de trabalho, de criação, as gravadoras nunca
interferiram nisso.
Li uma frase atribuída a você, de que é
preciso ter sorte na vida até para atravessar a rua. Na fabricação
de um hit, e você já fabricou muitos, quanto é sorte, quanto é tiro
certeiro?
Eu me lembro de ter dito essa frase, mas não é
minha. Sobretudo hoje em dia, na convulsão que está o mercado,
ninguém tem certeza de nada, por mais que a música seja boa. É que
quando ela é boa, a esperança é maior. É o tipo de coisa que a
rigor, em época nenhuma esteve nas mãos de ninguém. Às vezes, uma
música boa se perde, se dilui, numa veiculação malfeita. Ninguém
tem certeza de nada, e a única pessoa que pode determinar o que vai
fazer sucesso é o dono de uma rádio poderosa. Ele pode dizer essa
música vai fazer sucesso porque eu quero. Agora, o artista, jamais.
(©
Estadão)
Sim, ainda
vale a pena djavanear
Matizes é o terceiro disco autoral que Djavan lança desde que
ele saltou fora do trem das grandes gravadoras e fundou a Luanda
Records
José Teles
teles@jc.com.br
“Ainda tem a farra do I.R./ dinheiro demais/ imposto a mais/
desvio a mais/ o benefício é um horror/ estradas, hospitais,
escolas/um tsunami a céu aberto”. A diatribe está em Imposto,
uma das faixas do disco que Djavan acaba de lançar. A razão de
ter dado um drible no lirismo e incursionado pela canção de
protesto, diz ele em entrevista por telefone, não foi inspirada
em nenhum fato em particular: “Tem tanta coisa acontecendo de
errado, que a gente perde a paciência. Nem é preciso inspiração
para fazer uma canção destas. É inegável que o Brasil vem
avançando e é até bom que aconteçam estas coisas que vêm
acontecendo, tanta denúncia é uma avanço, só que o País está
expondo as vísceras”, diz ele, ressaltando que não pretende que
Imposto seja música de trabalho. “É só um desabafo mesmo”.
A
canção não poderia ser mais oportuna. O novo CD, Matizes (Luanda
Records) foi lançado no exato dia do polêmico julgamento do
senador Renan Calheiros e termina com um rap que diz: “O voto no
Congresso tem que ser aberto/ o povo tem que saber quem tá
votando o que”.
Matizes é o terceiro disco inteiramente autoral que Djavan lança
desde que partiu para a independência, saltou fora do trem das
grandes gravadoras e fundou a Luanda Records: “Hoje tomo conta
da minha vida completamente. Isto faz com que a gente tenha um
trabalho mais íntegro. Não que que as gravadoras interferissem
nos meus discos. Mas com a Luanda eu participo de todas as
etapas do trabalho, inclusive com a distribuição, que é o mais
complicado, pelo tamanho do Brasil”. E não está sendo fácil,
concorda ele, pela atual conjuntura do mercado da música: “Está
muito confuso e a pirataria nem tem tanta importância assim. O
objeto disco é coisa que tende a desaparecer. O problema é a
Internet, com ela você não tem possibilidade de fazer qualquer
planejamento. O material chega lá até antes de ser lançado. É
preciso que se crie alguma legislação, não sei exatamente como,
mas nós os donos da música temos que receber pelo nosso
trabalho”, comenta.
Djvan acrescenta que mesmo sabendo que sua música será adquirida
gratuitamente na Internet, continua compondo normalmente: “É uma
coisa que está dentro da gente, e música sempre será feita,
independente de como é consumida, porque é também uma
necessidade humana”.
O
título Matizes, esclarece ele, “reflete o que é o disco,
musicalmente diversificado, com várias tonalidades”. O CD traz
13 canções, todas assinadas unicamente por Djavan. Tem desde o
blues djavaneado ao samba, à balada estilo Oceano ou funkeada.
As harmonias sofisticadas, a voz mais grave (que o distanciam
cada vez mais do assemelhado Jorge Vercilo), em um punhado de
canções feitas de uma só tacada, especificamente para este
disco. “Costumo só compor a quantidade exata de músicas. Todo
este repertório foi feito recentemente para este projeto. Por
exemplo, se sentir que uma música não está saindo boa, paro, mas
não abandono. Deixo ela guardada, pode ser que algum tempo, ou
anos depois eu a retome”, conta ele, exemplificando este método
com um de seus maiores sucessos. “Oceano é uma dessas. Comecei
compondo, em espanhol, mas não gostei e deixei para lá. Uns três
ou quatro anos mais tarde, Flávia, minha filha, mexendo numa
gaveta em casa, encontrou a fita e me disse que ouviu nela uma
música muito boa. Voltei a trabalhar e a música foi completada”.
Normalmente, o método de composição de Djavan é primeiro criar a
música: “Como a voz a gente só coloca por último, penso primeiro
nas bases, na harmonia, na melodia, e aí vem a letra”. Ele cria
também os arranjos e produz seus discos. Um domínio que se
estende à banda que o acompanha já há um bom tempo. Os filhos
João (bateria) e Max (guitarra), mais Sérgio Carvalho (baixo) e
o pernambucano Renato Fonseca, nos teclados. Em Matizes ele
também volta a empregar sopros e palhetas.
Outra música de Matizes com, digamos, mensagem é dedicada ao Rio
de Janeiro, onde Djavan mora desde os anos 70 (ele lembra que
também morou no Recife, durante um ano e meio, no começo daquela
década). Na letra ele exalta a cidade, que nos últimos anos é
citada muito mais pela violência do que pelas belezas naturais:
“Digo sempre que Maceió me deu a luz e o Rio me deu a vida.
Curioso é que esta é a primeira música que fiz para o Rio. A
violência existe como existe em todas as metrópoles. Para
evitá-la é saber onde e com quem andar. Eu nunca fui vítima
desta violência que se vê todo dia na TV. Ela acontece em outras
cidades, mas o Rio é vitrine e tudo que se passa nela vira
notícia nacional”. Na letra ele canta versos como estes: “Podem
dizer o que quiser/ mas o xodó do povo é o Rio/ casa do samba e
do amor/ do Redentor/ louvado seja o Rio”.
DISCO
A
música de Djavan é identificável aos primeiros acordes. Ele
criou um estilo, refinado como o tempo. Uma marca autoral que
pode ser confundida com ser repetitivo. Não por acaso, Caetano
criou o verbo djavanear. Matizes não podia ser mais Djavan. Tem
Mea-culpa, um funk com aquela mesma levada de Samurai, que está
também em Adorava me ver como seu. Joaninha, que abre o disco, é
uma balada na linha de Oceano, porém sem a mesma força na
melodia. A faixa-título é um samba, mas sem a batida
convencional, como ele fez, por exemplo, em Flor de lis. Aqui o
compasso varia por estrofes. Desandou é um blues à Djavan, com
uma bela mudança harmônica no meio da melodia, uma ótima
guitarra de Max Viana e a música mais radiofônica do álbum.
Imposto é uma bossa paradoxal. O protesto da letra não condiz
com a suavidade da melodia, mais apropriada a uma canção de
amor: “IPVA, IPTU/CPMF forever/ é tanto imposto que eu nem sei/
ISS, ICMS, PIS, COFINS, pra nada...”, ou seja, um banquinho, um
violão e a boca no trombone.
Matizes é um disco tranqüilo, como parece estar sendo a vida do
cantor atualmente. Músicas assim, duas décadas atrás seriam
cantadas País afora, como foram as canções de Djavan na época,
graças à força do rádio. Por este Matizes vale a pena continuar
djavaneando.
(©
JC Online)
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Djavan