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 Djavan tira poesia de pedra em novo álbum

 

 

 

Marcos DPaula

Djavan: "componho para agradar a mim mesmo"
 

Cantor e compositor lança disco de inéditas, 'Matizes', por sua própria gravadora

Patrícia Villalba, do Estadão


RIO - É o prazer da joaninha andando na folha ao sol, a inveja da pedra onde a amada se deita, a boca-luva, o rosa-vulva - e o Rio de Janeiro. Mas também a CPMF, a devastação da mata, a mulher que, se fosse planta, seria comigo-ninguém-pode. É o degradê sonoro e poético que Djavan faz no seu novo disco, Matizes (R$ 25), já nas lojas pela gravadora do cantor e compositor, a Luanda Records.

Matizes tem 12 músicas inéditas, pelo menos metade delas djavânicas. São aquelas canções que se tornaram a marca de Djavan, arranjos vigorosos, calcados em blues, para letras aparentemente simples, mas de soluções nem tanto, e imagens que instigam, ficam na cabeça. Caso de Pedra, tipo de música que pode ganhar nossa intimidade na marra e, quando a gente vê, está na lista das dez mais de cada um de nós. 

Senhor de sua carreira, e certeiro nos passos dela, Djavan dá respostas aceleradas. Quando fala como arranjador, é matemático. Confessa que compõe para si mesmo, e que quando sai do estúdio achando que tem uma música boa, nem quer saber de opiniões alheias. E se mantém admiravelmente seguro, sem entretanto um pingo de empáfia, num mercado que classifica como convulso. 

Disco nas lojas, começam os ensaios para o novo show, que estréia em outubro no interior de São Paulo, e segue para temporada na capital, no Citibank Hall. Na tarde de segunda-feira, 10, na tranqüilidade do MAM do Rio de Janeiro, Djavan recebeu o Estadão

 

Quando a gente fala em matizes, pensa num conjunto harmonioso. Como foi, então, o processo de composição deste novo disco, e o quanto da idéia do todo você tinha na cabeça quando começou a compor?

Desta vez foi um pouco diferente, porque quando eu acabei a turnê do Vaidade (lançado em 2004), a Rafa (Rafaela, sua mulher) estava grávida do nosso segundo filho, Inácio. Ela teve uma gravidez difícil e eu quis ficar com ela. Então, não compus o disco de uma vez, gravei às vezes durante duas ou três semanas num mês, para depois ficar um mês sem gravar nada. Eu meio que fiz essa conjunção entre ficar com o bebê e a Rafa, e a produção do disco. 

Em Matizes, chama a atenção a faixa 'Imposto', uma música de protesto, com uma base de bossa nova. Por que resolveu usar uma música tão suave para falar de um tema tão árido quanto o da carga tributária?

 Acho que a credibilidade é maior, passa melhor a imagem. Você é obrigado a parar para ouvir. Em geral, uma música que conduz uma letra de protesto é exteriorizada, para fora, é mais agressiva e tal. Eu queria justamente o oposto. 

Você mora no Rio há 30 anos. Por que só agora fez uma música para a cidade ('Delírio dos Mortais')?

O Rio de Janeiro é uma cidade muito cantada, muito decantada. Portanto, é um desafio grande você fazer música para a cidade, falar desses símbolos tão internacionalmente conhecidos com um certo frescor. Eu resolvi fazer por ser um desafio, e também pelo fato de eu achar que estava devendo uma música exaltando a cidade, por tudo o que ela me deu. 

 Como foi que uma mulher que se fosse planta seria comigo-ninguém-pode virou sua musa? Uma pessoa difícil de ser retratada numa música, não?

Sim, difícil. Mas é uma música de inspiração genérica. Não saberia dizer, pode até ser que eu tenha convivido com uma mulher difícil assim. Não agora, que estou casado, a Rafa é ótima, a gente se ama. E todo mundo, toda hora, se depara com um homem ou com uma mulher difícil de seduzir.  

Mesmo assim, essa mulher merece uma música?

Quando você gosta, a pessoa merece qualquer coisa que você possa dar. 

Parece que não termina nunca essa busca não sei se da crítica ou se do mundo da música em geral, pela vanguarda. Mesmo com 30 anos de carreira, seu nome ainda é associado à vanguarda. Isso é uma preocupação na hora de compor?

Não na vanguarda dos outros, mas na minha. Eu tenho uma busca incessante pela novidade que eu julgo novidade no trabalho que estou fazendo naquele momento. Tenho uma carreira longa, fiz muita coisa. E tenho uma autocrítica muito grande, é muito difícil eu me agradar. Fique certa disso: eu não penso em nenhuma outra coisa quando estou compondo a não ser agradar a mim mesmo. Nunca fiz para ninguém, fiz para mim mesmo.  

Mas não acontece de mostrar uma canção que não achava tão boa e, diante da reação da pessoa, mudar de idéia?

Essa sua ressalva é ótima, porque embora eu pense dessa forma, eu tenho família, amigos, pessoas de quem eu respeito a opinião. Essas pessoas são capazes de me demover de uma idéia, mas é difícil. E acho que não pode ser diferente, porque para você sedimentar uma estilo, uma carreira, você tem de ter uma segurança, uma certeza. 

 É o terceiro disco da sua gravadora. Na elaboração de um trabalho autoral, faz diferença ser o dono da gravadora? Já se sente à vontade nesse papel de empresário?

Na verdade, eu nunca estive nesse papel, porque quem comanda tudo é minha empresária, Mara Rabello. Claro que eu estou ali para dizer as coisas mais importantes, mas abri a gravadora para exatamente ter mais campo livre para fazer o meu papel de compor e cantar. Quero conduzir minha carreira de maneira totalmente independente e individual. Eu não saí de gravadora para ter liberdade de trabalho, de criação, as gravadoras nunca interferiram nisso.  

Li uma frase atribuída a você, de que é preciso ter sorte na vida até para atravessar a rua. Na fabricação de um hit, e você já fabricou muitos, quanto é sorte, quanto é tiro certeiro?

Eu me lembro de ter dito essa frase, mas não é minha. Sobretudo hoje em dia, na convulsão que está o mercado, ninguém tem certeza de nada, por mais que a música seja boa. É que quando ela é boa, a esperança é maior. É o tipo de coisa que a rigor, em época nenhuma esteve nas mãos de ninguém. Às vezes, uma música boa se perde, se dilui, numa veiculação malfeita.  Ninguém tem certeza de nada, e a única pessoa que pode determinar o que vai fazer sucesso é o dono de uma rádio poderosa. Ele pode dizer essa música vai fazer sucesso porque eu quero. Agora, o artista, jamais.

(© Estadão)


Sim, ainda vale a pena djavanear

Matizes é o terceiro disco autoral que Djavan lança desde que ele saltou fora do trem das grandes gravadoras e fundou a Luanda Records

José Teles
teles@jc.com.br

“Ainda tem a farra do I.R./ dinheiro demais/ imposto a mais/ desvio a mais/ o benefício é um horror/ estradas, hospitais, escolas/um tsunami a céu aberto”. A diatribe está em Imposto, uma das faixas do disco que Djavan acaba de lançar. A razão de ter dado um drible no lirismo e incursionado pela canção de protesto, diz ele em entrevista por telefone, não foi inspirada em nenhum fato em particular: “Tem tanta coisa acontecendo de errado, que a gente perde a paciência. Nem é preciso inspiração para fazer uma canção destas. É inegável que o Brasil vem avançando e é até bom que aconteçam estas coisas que vêm acontecendo, tanta denúncia é uma avanço, só que o País está expondo as vísceras”, diz ele, ressaltando que não pretende que Imposto seja música de trabalho. “É só um desabafo mesmo”.

A canção não poderia ser mais oportuna. O novo CD, Matizes (Luanda Records) foi lançado no exato dia do polêmico julgamento do senador Renan Calheiros e termina com um rap que diz: “O voto no Congresso tem que ser aberto/ o povo tem que saber quem tá votando o que”.

Matizes é o terceiro disco inteiramente autoral que Djavan lança desde que partiu para a independência, saltou fora do trem das grandes gravadoras e fundou a Luanda Records: “Hoje tomo conta da minha vida completamente. Isto faz com que a gente tenha um trabalho mais íntegro. Não que que as gravadoras interferissem nos meus discos. Mas com a Luanda eu participo de todas as etapas do trabalho, inclusive com a distribuição, que é o mais complicado, pelo tamanho do Brasil”. E não está sendo fácil, concorda ele, pela atual conjuntura do mercado da música: “Está muito confuso e a pirataria nem tem tanta importância assim. O objeto disco é coisa que tende a desaparecer. O problema é a Internet, com ela você não tem possibilidade de fazer qualquer planejamento. O material chega lá até antes de ser lançado. É preciso que se crie alguma legislação, não sei exatamente como, mas nós os donos da música temos que receber pelo nosso trabalho”, comenta.

Djvan acrescenta que mesmo sabendo que sua música será adquirida gratuitamente na Internet, continua compondo normalmente: “É uma coisa que está dentro da gente, e música sempre será feita, independente de como é consumida, porque é também uma necessidade humana”.

O título Matizes, esclarece ele, “reflete o que é o disco, musicalmente diversificado, com várias tonalidades”. O CD traz 13 canções, todas assinadas unicamente por Djavan. Tem desde o blues djavaneado ao samba, à balada estilo Oceano ou funkeada. As harmonias sofisticadas, a voz mais grave (que o distanciam cada vez mais do assemelhado Jorge Vercilo), em um punhado de canções feitas de uma só tacada, especificamente para este disco. “Costumo só compor a quantidade exata de músicas. Todo este repertório foi feito recentemente para este projeto. Por exemplo, se sentir que uma música não está saindo boa, paro, mas não abandono. Deixo ela guardada, pode ser que algum tempo, ou anos depois eu a retome”, conta ele, exemplificando este método com um de seus maiores sucessos. “Oceano é uma dessas. Comecei compondo, em espanhol, mas não gostei e deixei para lá. Uns três ou quatro anos mais tarde, Flávia, minha filha, mexendo numa gaveta em casa, encontrou a fita e me disse que ouviu nela uma música muito boa. Voltei a trabalhar e a música foi completada”.

Normalmente, o método de composição de Djavan é primeiro criar a música: “Como a voz a gente só coloca por último, penso primeiro nas bases, na harmonia, na melodia, e aí vem a letra”. Ele cria também os arranjos e produz seus discos. Um domínio que se estende à banda que o acompanha já há um bom tempo. Os filhos João (bateria) e Max (guitarra), mais Sérgio Carvalho (baixo) e o pernambucano Renato Fonseca, nos teclados. Em Matizes ele também volta a empregar sopros e palhetas.

Outra música de Matizes com, digamos, mensagem é dedicada ao Rio de Janeiro, onde Djavan mora desde os anos 70 (ele lembra que também morou no Recife, durante um ano e meio, no começo daquela década). Na letra ele exalta a cidade, que nos últimos anos é citada muito mais pela violência do que pelas belezas naturais: “Digo sempre que Maceió me deu a luz e o Rio me deu a vida. Curioso é que esta é a primeira música que fiz para o Rio. A violência existe como existe em todas as metrópoles. Para evitá-la é saber onde e com quem andar. Eu nunca fui vítima desta violência que se vê todo dia na TV. Ela acontece em outras cidades, mas o Rio é vitrine e tudo que se passa nela vira notícia nacional”. Na letra ele canta versos como estes: “Podem dizer o que quiser/ mas o xodó do povo é o Rio/ casa do samba e do amor/ do Redentor/ louvado seja o Rio”.

DISCO

A música de Djavan é identificável aos primeiros acordes. Ele criou um estilo, refinado como o tempo. Uma marca autoral que pode ser confundida com ser repetitivo. Não por acaso, Caetano criou o verbo djavanear. Matizes não podia ser mais Djavan. Tem Mea-culpa, um funk com aquela mesma levada de Samurai, que está também em Adorava me ver como seu. Joaninha, que abre o disco, é uma balada na linha de Oceano, porém sem a mesma força na melodia. A faixa-título é um samba, mas sem a batida convencional, como ele fez, por exemplo, em Flor de lis. Aqui o compasso varia por estrofes. Desandou é um blues à Djavan, com uma bela mudança harmônica no meio da melodia, uma ótima guitarra de Max Viana e a música mais radiofônica do álbum. Imposto é uma bossa paradoxal. O protesto da letra não condiz com a suavidade da melodia, mais apropriada a uma canção de amor: “IPVA, IPTU/CPMF forever/ é tanto imposto que eu nem sei/ ISS, ICMS, PIS, COFINS, pra nada...”, ou seja, um banquinho, um violão e a boca no trombone.

Matizes é um disco tranqüilo, como parece estar sendo a vida do cantor atualmente. Músicas assim, duas décadas atrás seriam cantadas País afora, como foram as canções de Djavan na época, graças à força do rádio. Por este Matizes vale a pena continuar djavaneando.

(© JC Online)

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Djavan - SE

 

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