Jackson do Pandeiro: Homenagens marcam 90 anos do Rei do Ritmo
12/09/2009
Fotos: Divulgação
Jackson do Pandeiro
Com memorial que resgata seu rico legado, shows, documentário e
exposição, Jackson do Pandeiro recebe tributos em diferentes regiões do País
até 2010
Lucas Nobile
Um fato pitoresco marca a relação de Jackson do Pandeiro (José Gomes Filho,
1919-1982) com sua cidade natal. O ritmista, cantor e compositor, que completaria 90 anos,
deixou Alagoa Grande, no interior da Paraíba, aos 10 anos, a pé, e só
retornou no final do ano passado, via Sedex, quando seus restos mortais -
que estavam enterrados no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro - foram
transferidos para lá.
Vinte e
seis anos após sua morte, seu corpo chegou a Alagoa Grande em cima da hora
da inauguração do Memorial Jackson do Pandeiro, ocorrida em 19 de novembro
de 2008 (por isso, a urgência do Sedex). Pode-se dizer que esse museu que o
homenageia abriga um acervo praticamente integral de sua obra.
O trabalho de resgate do legado do "Rei do Ritmo" teve início em 1993,
quando o jornalista e autor da biografia Jackson do Pandeiro - O Rei do
Ritmo (Editora 34, 2001), Fernando Moura, resolveu compilar documentos,
fotografias, discos e gravações de Jackson. Dezesseis anos depois, são mais
de 500 fotos, 417 músicas digitalizadas (duas delas descobertas em março
deste ano), 120 discos, incluindo regravações, os clássicos chapéus, camisas
e instrumentos como tamborim, reco-reco, um violão autografado pelo
ex-presidente Juscelino Kubitschek, e apenas um pandeiro. "Quando Jackson
morreu, ele tinha 150 pandeiros. Lamentavelmente, eles sumiram, foram
furtados. Mas a família conseguiu guardar pelo menos um, que hoje é uma
raridade", diz o biógrafo.
Como Jackson do Pandeiro não teve filhos, os únicos parentes que ainda têm
alguma ligação com sua obra são os sobrinhos José Gomes Sobrinho,
percussionista que acompanha Zé Ramalho, e Geralda Gomes. À parte os
familiares, grandes contribuições são recebidas de doadores. Porém,
infelizmente nem todos pensam apenas em preservar o patrimônio cultural do
País, exigindo dinheiro em troca de raridades escondidas do Rei do Ritmo.
"Recentemente encontrei um sujeito que tem 11 LPs de Jackson inexistentes em
nosso museu. Mas ele pediu R$ 200 por disco. Já solicitei verba para a
prefeitura para ver se conseguimos levar esses álbuns para o memorial. É uma
obra em construção, mas grande parte já foi recuperada", diz Severino
Antônio, conhecido como Bibiu de Jatobá, secretário de Cultura de Alagoa
Grande e administrador do museu.
Jackson, que fez grande sucesso nos anos 1950, a partir de 1953, quando
morava no Recife e lançou o 78 rpm com Forró em Limoeiro e Sebastiana, caiu
no ostracismo nas décadas seguintes, voltando a fazer sucesso nos últimos
anos de vida, alavancado por Pixinguinha. Atualmente, sua obra vem ganhando
cada vez mais reconhecimento. Em 2009, o compositor já recebeu diversas
homenagens, como tributos nas festas de São João, apresentações no Sesc, na
casa Canto da Ema (São Paulo) pelo pernambucano Silvério Pessoa e, mais
recentemente, no último sábado, com um show na Praça da Paz, no bairro dos
Bancários, em João Pessoa, com participação de 11 músicos e a presença da
viúva de Jackson, Neuza Flores. O evento também contou com a exibição do
documentário Jackson do Pandeiro - Uma Identidade Nacional, com roteiro de
Fernando Moura e direção de Gilson Renato. "Indiscutivelmente, ele foi um
grande pandeirista. Além disso, ajudou a difundir os ritmos do Nordeste,
como a embolada", comenta Edgardo Ronald, que fabricou mais de 600
exemplares do instrumento eternizado pelo sobrenome de Jackson, com clientes
como Marcos Suzano, Pernambuco do Pandeiro e Oscar Bolão.
Na segunda-feira, mais um tributo foi prestado a Jackson, com membros da
Assembleia Legislativa da Paraíba se dirigindo de João Pessoa para Alagoa
Grande. Em 2010, será lançado um livro com enfoque no repertório de mais de
400 canções. Em março, o Sesc Santo André deve receber uma exposição sobre o
Rei do Ritmo.
Gil reacendeu
carreia de Jackson ao gravar Chiclete com banana
Alceu Valença convidou Jackson para formar uma
dupla e defender Papagaio do futuro em festival. Foto: Arquivo/CB
Jackson ainda morava no Recife e atendia pelo nome artístico de Zé do
Pandeiro quando gravou seu primeiro
compacto de 78 rpm, com o xote Sebastiana. A música contagiou o Nordeste e,
em seguida, o país. No Rio e em São Paulo, apresentou-se em boates e em
programas de rádio e TV.
Contratado pela Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, torna-se um dos ídolos,
ao lado de Luiz Gonzaga, da florescente indústria cultural do país,
gravando, também, marchas de carnaval, além de seus famosos xotes, baiões,
cocos e emboladas. Dali a pouco estaria nas telas do cinema, em filmes como
Tira a mão daí.
Jackson e Almira eram acompanhados por Geraldo "Cícero", João "Tinda" Gomes,
Severo, Vicente e Pacinho, com zabumba, triângulo, acordeon, pandeiro e
violão. Depois de desfeito, o Trio Pau de Arara (que era mais de três) foi
rebatizado de Borborema.
O primeiro álbum de Jackson, Sua majestade - o Rei do Ritmo (Colúmbia), saiu
em 1954. Em seguida vieram os LPs Jackson do Pandeiro, Forró de Jackson, Os
donos do ritmo, A tuba de muié eO cabra da peste. Sebastiana e Chiclete com
banana formam a base de seu testamento artístico.
O declínio começa no final dos anos 60, quando Jackson enfrenta a forte
concorrência da Jovem Guarda. A situação com o fim do casamento com Almira,
em 1967, mesmo ano em que conhece Neuza Flores, por quem se apaixona e casa,
vivendo com ela até o último dia de vida.
No início dos anos 70, o tropicalista Gilberto Gil traz Jackson de volta à
cena ao regravar Chiclete com banana. O brilho se acentua com o convite de
Alceu Valença para formar dupla em um festival, na defesa de Papagaio do
futuro. Reacesa a chama, grava, pela CBS, o LP Sina de cigarra.
Jackson lança, naquela década, os álbuns Se tem mulher tô lá, Um nordestino
alegre e Nossas raízes, e continua fazendo shows pelo país, mas sem o
esplendor de vinte anos atrás, tornando-se festejado como um "cantor
junino". Em 1981 vem à tona seu último disco, Isso é que é forró.
No dia 10 de julho de 1982, Jackson morre, em Brasília, de embolia pulmonar
e cerebral, depois de permanecer internado na Casa de Saúde Santa Lúcia. Foi
enterrado no dia 11 de julho, no cemitério do Cajú, no Rio de Janeiro.
Nenhuma das grandes estrelas da música brasileira foi lá para o "último
adeus".
Há quase um século nascia um dos maiores
representantes da música nordestina
William Costa
No dia 24 de agosto de 1919, nascia em Alagoa Grande, no Brejo Paraibano,
José Gomes Filho, primogênito do casal formado pelo oleiro José Gomes e a
cantora de coco Flora Mourão, cujo codinome, Jackson do Pandeiro, marcaria
para sempre, de forma indelével, a história da música popular brasileira.
Jackson do Pandeiro é considerado não só o artista de recursos vocais
sofisticados, de jeito alegre e malandro, mas o maior ritmista do país.
Junto com o pernambucano Luiz Gonzaga, cantou a realidade do povo pobre do
Nordeste e foi, nas décadas de 50 e 60 do século passado, um ídolo nacional.
No tempo em que sua fina e negra estampa brilhava nos palcos do país,
principalmente os do Rio de Janeiro, fez o povo esquecer a tristeza advinda
da vida difícil, cantando os sucessos eternizados nos discos que gravou nas
cinco gravadoras pelas quais passou, em cinquenta e quatro anos de carreira.
Ouvindo-o nos shows ao vivo, nos discos, pelas ondas do rádio e,
posteriormente, pela tela da televisão, o povo dançou ao som contagiante de
músicas como "17 na corrente", "Coco do Norte", "O velho gagá", "Vou ter um
troço", "Sebastiana", "O canto da ema" e "Chiclete com banana".
A história da sua carreira artística reforça a herança da influência negra
na música nordestina - via cocos originários de Alagoas - que lhe permitiu
sempre com o auxílio luxuoso de um pandeiro na mão se adaptar aos sincopados
sambas cariocas e à música de carnaval em geral.
Jackson do Pandeiro fez escola, influenciando artistas e movimentos. Entre
os seus inúmeros devotos figuram artistas de épocas e estéticas as mais
diversas, como Gilberto Gil e Alceu Valença, João Bosco e Zé Ramalho, Chico
Buarque e Lenine, Raul Seixas e Gabriel, o pensador.
Que o diga Badu, produtor e músico do Clã Brasil, de João Pessoa, um dos
grupos assumidamente "jacksoniano". "Jackson era afinadíssimo, cantava
brincando, e um grande ritmista. Ele e Luiz Gonzaga, à época, eram
verdadeiros heróis. Jackson é a nossa referência técnica", destacou.
Homenagens
Uma série de homenagens pelos 90 anos de nascimento de Jackson do
Pandeiro estão sendo realizadas amanhã no município de Alagoa Grande, terra
natal do artista, promovidas pelo governo do estado, através do jornal A
União, a Prefeitura Municipal de Alagoa Grande e Associação Cultural e
Recreativa Anjo Azul. Shows musicais, exposições de artes plásticas e
artesanato, espetáculos de teatro, visitas ao memorial e oficinas são os
principais eventos da programação.