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25/08/2001

Totonho & Os Cabra: estréia com diversidade sonora

Totonho

Totonho & Os Cabra chegam ao primeiro CD chocando tradição nordestina e experimentação eletrônica

Marco Antonio Barbosa

   A visão de um Nordeste esquizofrênico, onde repentistas se misturam a cyberpunks na feira de Caruaru, norteia a criatividade de Totonho, cantor e compositor paraibano que desenvolve uma musicalidade das mais vivazes - sob a sombra da distância física e intelectual que separa os grotões nordestinos do Sulmaravilha. Choque cultural é pouco para descrever a impressão causada pelas canções do compositor - ativo desde o começo dos anos 80 e que finalmente debuta em disco com Totonho & Os Cabra (Trama). No afã de procurar novos rumos para sua evolução musical, ele acabou armando uma congestão entre tradição agreste e futurismo eletrônico capaz de desconcertar os menos preparados.

   "Procuro agora novas formas de tocar, de interpretar minha música. Vim do interior da Paraíba, trago toda a musicalidade daquela terra comigo, mas também ouço techno, jazz antigo, rock, drum'n'bass - muito drum'n'bass. Depois que conheci tudo isso, cheguei à conclusão de que já não havia mais volta para mim", fala Totonho sobre a singular mistureba exposta em seu álbum.

   Ao mesmo tempo em que preserva ícones do imaginário popular nordestino (nas letras de canções como Segura a Cabra, O Vaqueiro e Babaovomidi), celebra de braços abertos a fusão com a eletrônica, em onipresentes bases instrumentais movidas a barulhinhos sintetizados e batidas programadas. "A banda acabou virando um bando por causa dos arranjos do disco", relata Totonho. "Os caras com quem eu tocava eram muito quadradões, virtuosos, jazzisticos; não admitiam experimentar em nada." Resultado: dos oito músicos da formação original, apenas três ficaram.

   Antes de tudo, Totonho reivindica uma identidade própria, não-alinhada com movimento algum. "Aqui em São Paulo já estão me enchendo o saco, me comparando ao manguebeat, a Chico Science. Esses rótulos não servem para mim. Gosto muito do trabalho dos grupos do Recife, mas não faço parte daquela estética. O que eu faço é MBD - Música Brasileira de Diversidade", define o compositor. "E é uma diversidade brasileira, não exclusivamente nordestina. Não quero ser enquadrado, nem fazer parte de MPB, que é muito besta. Quer dizer, esta MPB aí do Chico, do Caetano e das gravadoras. Não a MPB do povo."

   O disco fecha um ciclo iniciado com a formação do grupo Totonho & Os Cabra, em 1996 - e se toca com outro, começado muito antes, ainda nos primeiros anos da década de 80. Nascido em Monteiro (sertão da Paraíba), Totonho trocou o miserê nordestino pelo miserê paulistano - aos 18 anos, desceu para São Paulo e encarou um emprego de operário. Um ano depois, retornou à Paraíba, mas para a capital João Pessoa. "Foi na época - 82, 83 - em que começava a aparecer uma turma de compositores novos lá, como o Chico César; eu cheguei a ser roadie da banda do Chico", lembra Totonho. Foi aos 20 anos (hoje tem 37) que comprou seu primeiro disco - Jorge Ben.

   "Antes eu ouvia os repentistas, toda a tradição, mas o Ben me despertou para uma coisa mais pop. Daí passei a ouvir rock - Santana, Eric Clapton - e me juntei com os compositores do Musiclube, um verdadeiro laboratório musical no qual os novos talentos da época se encontravam. Para mim, foi um tremendo choque, cultural e ideológico - mesmo porque lá também se organizavam palestras sobre comunicação, indústria cultural, comunismo..."

   O nó na cuca de Totonho só iria se desamarrar em 1996, quando ele finalmente juntou seus "Cabra". Isso, após ter se radicado definitivamente no Rio, em 1990 - e ter desenvolvido um ativo trabalho social como alfabetizador de meninos de rua (na ONG Ex-Cola e junto ao grupo Afrorreggae). Mas o grupo tinha um som bem diferente do que se ouve em Totonho & Os Cabra, apesar do repertório ser quase igual. "Aconteceu é que eu já estava pensando em outras direções, ao longo desses anos. Passei a ouvir sons diferentes. E tudo se completou quando o (Carlos Eduardo) Miranda (diretor do selo Matraca e produtor do disco) me passou um CD com umas 50 músicas de todos os estilos diferentes - techno, rock, dub, jungle - assim que começamos a trabalhar no álbum. Eu pirei", fala Totonho.

   A aproximação entre Miranda, a Trama e Totonho começou em 1999. "Miranda ouviu uma demo nossa e me disse que ali havia uma musicalidade imensa ainda escondida. Ele passou a fita para o João Marcello Bôscoli (diretor da Trama), que topou lançar o disco", conta Totonho. A primeira escolha de produtor era Lenine (admiração e influência confessa de Totonho), mas o pernambucano não teve brecha em sua agenda. Daí o próprio Miranda assumiu os controles, e teve papel fundamental na sonoridade destrambelhada do álbum.

   "Ele sugeria sonoridades, e pregava liberdade total na hora de construir as músicas", fala Totonho sobre o produtor. "Muitas vezes começávamos um arranjo do zero, outras só com uma voz-guia e um pandeiro para marcar. Ficávamos experimentando: 'põe isso, tira aquilo'..." O resultado: tamborins e cavaquinho convivem com sintetizadores TB 303 (em Tudo Pra Ser Feliz); triângulo com sampler (Cabra Pentium); e scratches se misturam a orgão (Fax Para Cartomante). "Ficaram umas estranhezas muito interessantes", considera Totonho. "Gosto de encarar a música como um videogame, sujeita a intervenções aleatórias. O Miranda sacou isso rápido."

   Seguindo o conceito de "bando", o disco é coalhado de participações especiais. Max de Castro, Rica Amabis, Flu, Kassin, Guga Stroeter e a seção de metais do Funk Como Le Gusta estão presentes. "Foi tudo bem ao acaso, à exceção do Max (que toca violão em Babaovomidi), a quem eu quis convidar mesmo. De resto, estava todo mundo meio que passando pelo estúdio", fala Totonho. "Agora, com a banda desmembrada, penso em incorporar pessoas e máquinas de forma igual, sem distinção", afirma o compositor. (Clique Music.com)


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