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Siba, o som dos engenhos vai às galáxias

15/10/2002

Para criar ‘Fuloresta do Samba’, Siba conviveu, compôs, ensaiou e tocou com mestres da tradição musical de Nazaré da Mata, em PE

Em CD autoral, 'Fuloresta do Samba', o cantor, compositor e rabequista do Mestre Ambrósio reelabora a tradição musical da Zona da Mata de Pernambuco. As gravações do disco, que foi produzido pelo próprio Siba e por Beto Villares, foram feitas em equipamentos digitais instalados em um engenho

   Quem ouve o CD 'Fuloresta do Samba', primeiro lançamento solo do cantor, compositor e instrumentista pernambucano Siba, 33 anos, um dos componentes do grupo Mestre Ambrósio, dá razão a Bráulio Tavares, que atribuiu a esse seu parceiro a condição de representante do topo de uma geração que pode bisar na história da Música Popular Nordestina o impacto da que encantou o Sudeste com Fagner, Zé e Elba Ramalho, Belchior, Alceu Valença e Geraldinho Azevedo.

   Bráulio tem autoridade para manifestar essa opinião: ele compôs para Zé e Elba Ramalho cantar clássicos da geração anterior, mantém uma sociedade litero-musical com o multi-artista Antônio Carlos Nóbrega, o Chaplin brasileiro, e também divide a autoria de canções com Siba e outros, cuja obra ainda não recebeu o reconhecimento que seus antecessores tiveram, mas que certamente está à altura da comparação, caso de Lenine e Lirinha (Cordel do Fogo Encantado). Dessa turma nova destaque-se ainda Silvério Pessoa, que acaba de lançar um antológico CD em homenagem a um gênio da música regional nordestina, Jacinto Silva, 'Bate o Mancá'. Numa feliz coincidência, Siba e Silvério lançaram seus últimos CDs em shows, na virada de setembro para outubro, em casas noturnas paulistanas - um no KVA e outro no Canto da Ema.

   Os shows passaram, quem perdeu perdeu, mas estão aí os registros fonográficos que não nos deixam mentir.

   Neles nota-se facilmente uma diferença importante em relação aos seus antecessores consagrados: um respeito muito maior pela produção popular e mais desapego dos padrões e idiossincrasias da indústria fonográfica, um dos braços mais manipuladores e repressores da indústria cultural de massas de nosso tempo. Não se trata, de qualquer forma, de uma veneração reverencial e contemplativa do objeto respeitado, mas sim de uma reelaboração criativa, inovadora até, do produto de extração popular, valorizando-o e o lançando para o futuro, em vez de ficar na contemplação do passado.

   Nesse particular, aliás, o caso de Siba é exemplar. O moço compete com Bráulio Tavares em matéria de conhecimento em profundidade da poesia popular nordestina. Mas ele não se limita a citar os antológicos repentes que sabe de cor: engendra novos poemas a partir deles.

   Quanto à música, o que ele fez foi similar e simples: aproveitando um período em que seu grupo, o Mestre Ambrósio, passava por uma entressafra no Sudeste, ele alugou uma casa em Nazaré da Mata, pequena cidade a 60 quilômetros do Recife, cercada de canaviais, e passou a conviver, compor, ensaiar e tocar com os mestres da tradição musical local. Com sua rabeca, principal instrumento do cavalo-marinho, o mesmo que Nóbrega executa com precisão e que ele próprio empunhou no filme 'Baile Perfumado', revisitou maracatu e ciranda. No CD, produzido pelo próprio Siba e por Beto Villares, foram gravadas, em equipamento digital instalado num engenho, 14 faixas - 11 de autoria dele sozinho, duas em parceria com outros compositores e uma de domínio público.

   Ou seja, não se trata de um "revival" ou de um trabalho de coleta, mas de uma obra autoral. Essa é uma das principais diferenças de 'Fuloresta do Samba' em relação a 'Buena Vista Social Club', de Ry Cooder, com o qual tem sido comparado - uma comparação sem dúvida sedutora. Mas o fato é que o autor da trilha sonora de 'Paris, Texas' (o filme de Wim Wenders) reuniu os velhinhos de Havana e projetou os refletores do show business internacional sobre eles e suas obras individuais. Foi resgatado do passado um cancioneiro que estava soterrado sob o lixo pop internacional, por causa do isolamento da Cuba de Fidel Castro pelos Estados Unidos.

   Siba, ao contrário, não buscou exumar o trabalho individual de cada um de seus parceiros da Zona da Mata pernambucana, mas exibir a expressividade do conjunto da obra deles de uma forma que ela possa ser consumida por uma nova geração de ouvintes urbanos, que estão há muito divorciados das raízes rurais de seus ancestrais - aí de fato não deixa de haver uma certa semelhança com o resgate dos ritmos cubanos pelo guitarrista californiano.

   Ou seja, enquanto 'Buena Vista Social Club' resgata o passado, Siba registra o presente em evolução permanente, lançando a tradição musical e poética dos engenhos de Pernambuco rumo ao futuro da comunicação entre as galáxias.

   SERVIÇO: 'Fuloresta do Samba', CD de Siba. Gravadora Rec Beat. Preço médio: R$ 20. (JOSÉ NÊUMANNE)

(© Jornal da Tarde)

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