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Universal reata com o brega subversivo de Raul Seixas

18/10/2002

 

Caixa com 6 CDs do roqueiro baiano é vendida por R$ 90

DA REPORTAGEM LOCAL

   A gravadora Universal marca com a caixa de CDs "Maluco Beleza" o final de uma longa fase de litígio com os herdeiros de Raul Seixas. Por acordo entre as partes, nem a gravadora nem os herdeiros se manifestam publicamente sobre o processo, que teria dado amplo ganho ao espólio do roqueiro baiano.

   De qualquer modo, o lançamento da obra completa de Raul na ex-Phonogram, numa caixa com preços mais acessíveis que os habituais, seria parte integrante do acordo -que a Universal nega, mas é admitido no círculo dos herdeiros de Raul. A gravadora recomenda para a caixa o preço de R$ 90 (ou seja, R$ 15 por disco).

   A fatia da obra de Raul que aqui se recupera abrange seus quatro trabalhos mais influentes: "Krig-Ha, Bandolo!" (73), "Gita" (74), "Novo Aeon" (75) e "Há 10 Mil Anos Atrás" (76), todos com faixas-bônus. Completam o pacote dois discos de covers de Raul para clássicos mundiais do rock'n'roll.

   Por eles se enfileiram sucessos como "Mosca na Sopa", "Metamorfose Ambulante", "Ouro de Tolo" (73), "Medo da Chuva", "Sociedade Alternativa", "Gita" (74), "Tente Outra Vez" (75), "Ave Maria da Rua" (76)...

   Ali está escondido todo o segredo de Raul. Se a permanência de clones e fanáticos hoje desgasta sua lembrança, nos 70 ele encarnou tudo de mais cinicamente subversivo que a MPB e o regime militar poderiam suportar.

   Raul tinha estratégia elaboradíssima, que o afastava tanto do pólo tropicalista quanto da resistência comandada por Chico Buarque: buscava a canção estritamente popular. Por isso namorou, sem medo nem pudor, a música cafona dos 70 -ou não são assumidamente bregas "Água Viva" (74), "Tu És o MDC da Minha Vida" (75), "O Homem" (76)...?

   Sendo talvez o mais aparelhado dos roqueiros brasileiros dos 70, Raul era também um artista cafona. Não costuma ser tratado como tal (nem no recente livro "Eu Não Sou Cachorro, Não", que incendeia a briga entre a MPB e os "cafonas"), mas foi aquele seu público-alvo, fosse como líder de conjunto de iê-iê-iê (nos 60), produtor de Jerry Adriani e Leno & Lilian (em 71) ou o ídolo pop nacional de logo depois.

   Por quê? Porque Raul queria, a um só tempo, fazer o contrário do que faziam os "cafonas" (que tendiam a mimetizar o discurso oficial militar) e do que faziam os "elegantes" (já em trajeto de afastamento do grande público, hoje endêmico na MPB).

   Musicalmente Raul apelava ao coração, ao fígado, à genitália e aos pulmões -o básico de qualquer artista "popular". Mas intelectualmente (e muito por obra da parceria com o hoje mago Paulo Coelho) encetava um discurso furioso, iconoclasta, transgressor.

   "Aprendi a fazer música fácil, comercial, intuitiva e bonitinha, que leva direitinho o que a gente quer dizer", dizia Raul em texto inserido no libreto da caixa.

   Mas o que ele queria dizer? É preciso pesquisar "Rockixe" (73, que fala de prisões, drogas e ideologia hippie), "Super-Heróis" (74, raivoso manifesto contra o Brasil triunfalista de Silvio Santos, Pelé e Fittipaldi), "A Maçã" (75, a favor da liberação sexual nos casamentos), "Para Nóia" (75, espetacular tratado sobre ateísmo e distúrbios psicológicos), "Canto para Minha Morte" (76, um doce e arrojado chamamento/desafio à morte)...

   Nenhum desses estilhaços filosóficos foi dirigido ao público elitizado, mas antes ao "populacho". E os efeitos do poder que o pensamento de Raul exerceu ali nunca foram dimensionados, até hoje.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Maluco Beleza
Artista: Raul Seixas
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 90 (preço sugerido)


(© Folha de S. Paulo)

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