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A fuga que virou lenda

21/11/2002

 Primeira sinagoga das Américas: cenário real do filme 'O rochedo e a estrela'

Saga dos judeus de Recife que criaram colônia em Nova York vai virar filme

Eliane Azevedo
Repórter do JB

   A cineasta pernambucana Katia Mesel, de 54 anos, está empenhada em levar para as telas um capítulo ainda obscuro e pouco documentado da História do Brasil - e que, durante anos, era para ela apenas uma remota lenda que a menina judia ouvia nos shabbats da comunidade judaica do Recife. A saga dos judeus em Pernambuco, que viveram um apogeu de liberdade religiosa durante o domínio holandês, de 1630 a 1654, e, expulsos, correram os mares para fundar a primeira colônia hebraica de Nova York, é o tema de uma empreitada em tom não menos épico: o filme O rochedo e a estrela, previsto para ser rodado em quatro países e orçado em R$ 7,8 milhões, valor um tanto robusto para os padrões nacionais.

   A título de comparação, o aclamado Cidade de Deus, uma parceria de duas das maiores produtoras brasileiras, a Videofilmes de Walter Salles Jr. e a O2 de Fernando Meirelles, também custou cerca de R$ 8 milhões. O valor impressiona ainda mais porque será o longa-metragem de estréia de Katia Mesel, respeitada curta-metragista e documentarista do Nordeste, diretora de Recife de dentro pra fora, que, baseado num poema de João Cabral de Melo Neto, recebeu o Kikito de melhor fotografia no Festival de Gramado de 1997, entre outros 25 prêmios. Katia acalenta o projeto há seis anos. Reuniu uma bibliografia com 80 títulos sobre o tema, fez várias viagens à Europa e a Nova York para pesquisar os poucos documentos disponíveis a respeito dos judeus pernambucanos no Brasil Colônia e, há dois anos, pôs o ponto final no roteiro.

   A penosa busca de recursos para viabilizar o filme, incluindo as locações em Portugal, Holanda e Nova York, ganhou alento no ano passado, quando Katia conseguiu a aprovação do projeto nas leis Rouanet e do Audiovisual, e fechou contrato de co-produção com a portuguesa Hora Mágica.

   - A minha produtora entrará com 20% e a deles, com outros 20%. Para o restante, estamos na fase de captação - diz ela, que dirige a produtora Arrecife, pela qual realizou, de 1991 a 1993, um programa semanal para a TV Pernambuco sobre a cultura nordestina.

   Mas o filme vem embalado mesmo na recente onda de redescobrimento da cultura judaica no Recife, graças ao trabalho do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, que vem recuperando sítios históricos e promovendo a criação de um circuito cultural judaico em Olinda, Recife e Camaragibe. A reconstituição da sinagoga Kahal Zur Israel - nome hebraico para Rochedo de Israel -, no Recife Antigo, a primeira a ser construída nas Américas, foi o marco fundamental para que a fascinante história dos judeus pioneiros nos engenhos de cana-de-açúcar e, depois, no comércio do pujante Recife governado por Maurício de Nassau, viesse, quase literalmente, à tona.

(© JB Online)


A ponte Recife-Nova York

   As primeiras menções aos judeus em Pernambuco remontam ao século 16: o donatário Duarte Coelho teria trazido fugitivos da Inquisição - muitos já cristãos-novos, ou seja, convertidos à força ao catolicismo -, que, refugiados nas ilhas da Madeira e Canárias, seriam experts em canaviais nessas regiões e teriam plantado as primeiras mudas na nova capitania. Apesar de não haver registros documentais do fato, vários historiadores aceitam essa hipótese.

   Com a invasão holandesa, em 1630, judeus de Amsterdã vieram se juntar à incipiente colônia pernambucana, tomando conta dos engenhos e participando ativamente da vida cultural do enclave de Nassau no Nordeste. Durante 24 anos, puderam professar seu credo e, assim, ergueram a pioneira Kahal Zur Israel. Quando Portugal recuperou Pernambuco, os judeus começaram a ser perseguidos e saíram pelo mundo - e praticamente expurgou-se tudo o que se dizia respeito a eles na região.

   Na época, a comunidade judaica tinha cerca de 1,5 mil pessoas - o mesmo número da que existe em Recife hoje. Nessa diáspora, 23 desses judeus pernambucanos tomaram um navio rumo à inóspita Nova Amsterdã, na América do Norte, e fundaram a primeira comunidade judaica da cidade que viria a ser Nova York. Quando o historiador José Antônio Gonsalves de Mello, falecido no ano passado, publicou em 1989 a mais completa obra sobre os judeus e cristãos-novos em Pernambuco, Gente da nação, e deu nova luz às pesquisas sobre o tema, Katia Mesel descobriu que as fantasiosas narrativas de sua infância não eram contos-de-fada.

   - A sinagoga que construíram em Nova York era igual à do Recife e muitos falavam português. Nova York copiou Recife! Afinal, era apenas uma cidadezinha de 200 casas. Nova York hoje é para Pernambuco o que Pernambuco era para Nova York no século 17. Essa história inesperada e inédita merece um filme - afirma ela.

   O rochedo e a estrela vai contar essa aventura sob a forma de ficção, cobrindo um período de 1584 a 1654. A trama começa quando, na época atual, um jovem rabino de Nova York descobre suas origens brasileiras na internet e vai para o Recife. Num corte no tempo, o filme passa a ser conduzido pelo personagem Jaime Dias Santiago, cristão-novo que, aos 10 anos de idade, chega de Lisboa ao Recife para encontrar seu pai, fugindo da Inquisição. Aos 20 anos, para se curar de uma paixão por uma escrava, Jaime vai para Amsterdã e se reconverte ao judaísmo. Retorna ao Brasil e, aos 65 anos, vira conselheiro de Nassau.

   Quando a experiência holandesa em Pernambuco acaba, Jaime vai morar no mato com os índios. Sua filha e o genro, porém, vão no navio que vai fundar a Shearit Israel - Remanescentes de Israel - em Nova York.

   - Há pouca documentação histórica sobre o assunto, mas 90% dos personagens do filme se baseiam em pessoas reais, cujos depoimentos podem ser achados nos arquivos da Inquisição. E a arte do cinema me favorece para unir os fios dessa história - afirma ela, que, imbuída do espírito de sonhar alto de seus antepassados, já sondou cabeças coroadas do cinema nacional, como Marcos Palmeira, José Wilker, José de Abreu e Lucélia Santos, e até a atriz portuguesa Maria de Medeiros, para abraçar a causa de O rochedo e a estrela.

(© JB Online)

Templo foi restaurado
 

Inauguração aconteceu em março

Luiz Ernesto Magalhães
Enviado especial

   RECIFE - Por décadas, a localização exata da sinagoga Kahal Zur Israel em Recife foi um mistério. Em 1654, quando os portugueses retomaram o território do então Brasil Colônia iniciou-se também um processo para eliminar os traços do período de ocupação holandesa em pernambuco. No caso dos judeus, uma das conseqüências foi a perda da liberdade de professar sua fé. Diferentemente do período sob ocupação flamenca.

   Revitalizado, o local hoje serve como referência para a história da presença judaica em Pernambuco, com a realização de exposições temáticas ao longo do ano.

   Inaugurada em 1640, a Congregação Rochedo de Israel, como era conhecida, foi caindo no esquecimento até o golpe de misericórdia: no início do século 20, o prédio original foi demolido. A descaracterização, com o tempo, chegou a um ponto que um dos antigos moradores, católico, mandou construir oratórios para santos no mesmo cômodo onde no passado judeus se reuniam para orar.

   Há cerca de 10 anos, com base em documentos do século 17, a prefeitura do Recife, com apoio da  iniciativa privada e do projeto Monumenta, iniciou trabalhos para tentar localizar as fundações originais. Os trabalhos, corretamente, se concentraram no prédio da Rua Bom Jesus (antiga Rua dos Judeus), bem no coração do Recife Antigo - conhecido pelos bares e restaurantes freqüentados por boêmios e turistas.

   - Nós só tivemos certeza de que este era realmente o lugar quando elas foram localizadas, em 1999. Durante as escavações, encontramos muitos objetos que nos deixaram em dúvida, como as louças usadas por famílias portuguesas na mesma época - diz a diretora-geral do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, Tânia Kaufman.

   Com a descoberta, os trabalhos se aceleraram em duas frentes. No primeiro andar, as escavações permitiram a descoberta, há dois anos, do Mikevê, espécie de banheira usada pelos judeus em rituais de purificação. Já no pavimento superior, foi feita a reconstituição do salão da sinagoga, incluindo a fabricação de réplicas dos bancos que existiam no templo há mais de 300 anos.

   Os trabalhos de restauração terminaram em setembro de 2001. Mas, embora tenha sido aberta ao público em dezembro, a inauguração oficial só ocorreu em 18 de março deste ano, quando os turistas e a comunidade judaica já haviam absorvido o impacto causado pelos atentados de 11 de setembro.

(© JB Online)

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