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Ceará no Tribunal do Santo Ofício

08/11/2003

Tribunal da Inquisição

Tribunal da Inquisição

Por pouco, habitantes de municípios cearenses não caíram na fogueira da Santa Inquisição Católica. Os ''desvios da fé e da moral'' em moradores de Quixeramobim, de Icó, da região do Cariri e da Serra da Ibiapaba foram atentamente observados pela Igreja, que chegou a julgar bígamos, sodomitas e feiticeiros no Estado

Débora Dias
da Redação

   Mandingueiros, pedófilos, bígamos, homossexuais, judeus. Todos julgados em nome da Santa Fé Católica. Não tão distante da imagem de bruxas queimadas em fogueiras, alguns habitantes da Capitania do Ceará chegaram a cair nas garras dos Tribunais do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa (Portugal) durante a colonização. Inocentes ou não, acusados de práticas profanas, impuras e pecados mortais, eles não chegaram a perecer no fogo (até onde se sabe). Poucos acusados que habitavam em municípios cearenses foram deportados para responder pelos atos impróprios em Portugal. Viajavam aqueles cujos crimes eram mais sérios e o castigo era certo, quer fosse a execração pública, deportação ou até a morte.

   Apesar do tema exercer fascínio para leigos e contar muito sobre a presença dos colonizadores na formação da sociedade nordestina, a ação do Santo Ofício no Estado não foi alvo de pesquisas por cearenses nos últimos 107 anos. No livro História do Ceará (1896), Guilherme Studart, o barão de Studart, faz relatos sobre dois habitantes dos municípios de Icó (Centro-Sul) e Quixeramobim (Sertão Central), condenados ao degredo (expulsos do País) por bigamia em 1761. Eles se casaram pela segunda vez estando viva a primeira esposa.

   Outro raro estudo que trata do tema é do antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Luiz Mott, publicado pela Revista da Sociologia, da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1985. O artigo ''A Inquisição no Ceará'' se baseia em documentos inéditos guardados na Torre do Tombo, o maior arquivo português, que guarda manuscritos originais do Brasil Colônia. Com apenas dez páginas, o texto traz registros sobre a história, os habitantes e os hábitos cearenses de outros tempos. E faz um apelo para que mais estudiosos procurem as muitas informações que ainda estão guardadas no arquivo português e que ficaram para trás.

   ''Com o material que levantei em Portugal (durante seis meses), fiz artigos sobre a presença da Inquisição em muitos estados brasileiros, como Maranhão, Sergipe, Goiás, São Paulo. O objetivo era despertar o interesse de pesquisadores locais para irem lá em busca de mais informações. Infelizmente, do Ceará não soube de ninguém que se interessou'', lamenta Mott. A pesquisa dele foi realizada em 1983 através de uma bolsa de pós-doutorado do CNPQ.

   O professor localizou outros sete episódios de pessoas denunciadas no Ceará entre os anos de 1746 e 1778. ''Comprovando que a Inquisição esteve bastante informada sobre os 'desvios' na fé e na moral dos moradores do Ceará'', analisa ele. Histórias de sodomia (conjunção sexual anal entre homem e mulher ou entre homossexuais masculinos), bigamia, pedofilia e solicitação. Este último ''crime'' era caracterizado quando um religioso usava da função de sacerdote para obter favores sexuais, muitos obtidos até no confessionário.

   Mott lembra que o Tribunal da Santa Inquisição foi fundado em 1536, mas imperou soberano durante todo o Período Colonial (século XVI a XVIII). Apenas em 1821 foi extinto. ''O último inquisitor, para nosso desdouro, foi um nordestino: o bispo pernambucano Azeredo Coutinho, fundador do Seminário de Olinda'', relata o antropólogo. Como a colonização cearense foi tardia (1603), se comparada a outros estados brasileiros, ele destaca que a atuação do Santo Ofício foi mais intensa nas capitanias da Bahia, de Pernambuco e da Paraíba.

   O antropólogo destaca que, de 1536 a 1821, foram enviados do Brasil para Portugal quase duas centenas de réus. Desses, 20 pessoas morreram queimadas na fogueira, sendo 17 cristãos-novos (judeus convertidos ao cristianismo), dois padres e um feiticeiro. Ele indica que não encontrou registros de cearenses entre os condenados à morte. Mas ressalta: ''Essa não é uma pesquisa conclusiva, fechada. Há outros documentos, e não fui buscar apenas dados do Ceará. Esse trabalho é uma pesca de linha e anzol, não é de arrastão'', compara. Para Mott, essa é apenas a dica para futuras revelações.

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''Oração forte'' também era proibida

   Crendices, amuletos e feiticeiros. As mandingas em solo cearense também foram denunciadas à Inquisição, segundo dados do antropólogo Luiz Mott. O pesquisador encontrou registros que, no ano de 1765, um tal Pedro Alvares Correia, ''valentão que se gaba de beber chumbo e balas derretidas'', havia adquirido uma ''oração forte'' do Padre André Sepúlveda, do Apodi (região na divisa entre Ceará e Rio Grande do Norte), para não morrer nem de chumbo nem de bala. O valentão deu sete bois para receber a dica do padre.

   Segundo o pesquisador, a oração chamava-se provavelmente ''Justo Juiz'' ou ''São Cipriano''. O denunciador foi outro padre, José de Freitas. Este completou o serviço informando ''estarem esses sertões infestados de feiticeiros e feiticeiras, que têm com seus malefícios levado à morte muitas pessoas, sobretudo negros e índios, inclusive um seu escravo que ficou doente de feitiço''.

   O professor lembra que o mau exemplo das superstições vinha do próprio clero. ''Ganancioso, negociando a preços exorbitantes não só indulgências, relíquias, mas inclusive orações fortes proibidas pelo próprio Santo Ofício. O que esperar de um rebanho tão amestiçado e heterodoxo, quando os pastores têm tanta culpa no cartório inquisitorial?, questiona.

   Outro caso levantado pelo antropólogo é uma denúncia de pedofilia que remonta o ano de 1749. O negro ''Luis Frasão'', escravo da Araticuns, na ribeira do Acaraú, forçara para ato ''sodomítico'' o filho de Domingos de Souza, ''um rapagote'' (os relatos não dizem a idade). O crime foi caracterizado na época como ''cópula inter-geracional''.

   A mãe da vítima fez queixa à dona do escravo que o prendeu no tronco até que o marido chegasse. Este, tratou de vender logo o escravo, provavelmente para não ficar no prejuízo caso o negro fosse vingado pelos parentes do garoto ou ''seqüestrado pelo Santo Ofício''. De acordo com Mott, há registros de outros escravos no Brasil que ficaram presos pela Santa Inquisição.

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Atuação menos intensa no CE

   Os habitantes de municípios cearenses foram denunciados à Inquisição através dos muitos agentes que a Igreja tinha espalhados por todo o Brasil. O antropólogo Luiz Mott explica que o Santo Ofício enviava comissários (sacerdotes que se encarregavam dos processos) e familiares (leigos) para reunirem as denúncias. ''Funcionavam como pontas de lança do Santo Ofício para denunciar e prender'', explica o antropólogo.

   Não consta na história visitações de inquisitores portugueses ao Estado. Estes teriam realizado quatro visitações ao Brasil nos estados da Bahia (1591-1593), Pernambuco (1593-1595), uma restrita a Salvador (BA, de 1618 a 1621) e a última ao Pará (1763 a 1769). O advogado Virgílio Maia destaca que, apesar de menor, a Paraíba teve presença forte da Inquisição, tendo inclusive uma mártir enviada à Portugal para queimar na fogueira, a cristã-nova Branca Dias.

   Para Maia, as causas para o Ceará ter sofrido menos a interferência do tribunal estão ligadas à colonização tardia do Estado (1603), com um século de atraso. ''Até o Rio Grande do Norte, a terra é fértil e aqui não tem Zona da Mata. O Sertão vai até a praia. A costa também era de difícil acesso pelos ventos e correntes marítimas'', lista. Ele considera ainda que a presença de judeus no Ceará não foi documentada. ''É tudo de ouvi dizer, faltam documentos'', diz.

   O sociólogo Diatahy Bezerra de Menezes confirma que não há muitas referências de estudos sobre a Inquisição no Ceará. Ele atribui muito desse silêncio ao fato do Estado ter tido pouca presença de inquisitores, se comparado a outras Capitanias, além de outro fator: ''Passa por uma idéia de se esconder os componentes judaicos na formação do Ceará'', defende.

   Diatahy lembra que foi Capistrano de Abreu, historiador cearense, quem trouxe contribuições sobre o tema a partir de documentos sobre a Inquisição na Bahia. Nas palavras de Capistrano, a Inquisição era um monstro de muitos olhos, a maioria deles virados para a intimidade dos fiéis. Diatahy ressalta que Capistrano viu nos relatos a importância da documentação dos costumes e hábitos do Brasil Colônia. ''Gilberto Freyre usou isso no livro Casa Grande e Senzala (obra que se transformou em uma das maiores referências sociológica do País), quando contava os costumes e imoralidades do Brasil'', observa.

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Bígamo foi preso e enviado para a África

   O último episódio levantado pelo antropólogo Luiz Mott na Torre do Tombo, referente ao Ceará, implicou na prisão e degredo (obrigação de viver em outro país) do culpado. O réu era um português natural da Ilha da Madeira (África), José Luiz Pestana, ''que em momentos de bonança chegou a ser Juiz Ordinário e Juiz dos Órfãos do Ceará''. Tornou-se comerciante em Recife e casou-se com Maria Nazaré com quem teve três filhos. Após dez anos no Brasil, sofreu a bancarrota dos negócios.

   ''Falido de bens e fugindo às vexações dos seus credores'', foi se esconder na Bahia para depois se fixar no distrito de Sobral do Acaraú (Região Norte do Ceará), onde assumiu o nome falso de Polinardo Caetano Cesar de Ataíde. Foi parar na fazenda Quitéria ''a 18 léguas da vila de Sobral, a segunda vila da Província em grandeza, comércio e população''. Comprovando ser solteiro a partir do juramento falso de dois amigos, e como era branco puro (produto valorizado pelos fazendeiros também brancos) conseguiu casar com a filha do Sargento-Mor da vila, João Pinho de Mesquita, em 1770.

   Por nove anos, o bígamo viveu sob o anonimato, período em que teve três filhos. Até que um dia, um religioso, Frei Antônio, do Convento da Boa Vista do Recife, espalhou a notícia que Polinardo havia se casado com falsa identidade. O boato se espalhou até chegar ao Comissário do Santo Ofício do Recife, que conferiu o livro de Casamento da Igreja onde se realizou o primeiro sacramento e foi checar a informação com o vigário que celebrou o segundo matrimônio.

   Fizeram ainda comparação entre uma carta escrita de José Luiz Pestana, em Recife, com a de Polinardo, em Sobral. A constatação foi óbvia: se tratava da mesma pessoa. A descrição dos dois também era a mesma, ''desembaraçado na fala e pouco cuidadoso em pagar o que deve''. Para o professor, o relato era claro: ''Desbocado e caloteiro''.

   Polinardo, ou José Luiz, foi preso e embarcado para os ''cárceres secretos'' da Inquisição em Lisboa. Após quase dois anos de processo, em 20 de junho de 1780, teve a sentença publicada em praça pública: seis anos de degredo para Angola (África) e mais a dívida de 11.502 reis com o gasto do processo. O professor explica que o processo não informa se o bígamo morreu na África ou retornou ao Brasil. Mas com a anulação do segundo casamento, os três filhos cearenses, netos do Capitão-Mor, passaram à infame condição de bastardos. A esposa, dona Isabel Pinto, de matrona se transformara em reles mãe solteira.

   De acordo com Mott, só no caso da morte da primeira esposa é que se podia regularizar a situação da família. ''Infeliz família que teve sua pacata trajetória bruscamente infelicitada pela Inquisição, guardiã da moral e dos bons costumes'', trecho da pesquisa de Mott.

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Judeus perseguidos pela Inquisição


   A Inquisição forçou todos os judeus de Portugal, em 1497, a se converterem ao catolicismo, sendo chamados de cristãos-novos. A proibição do judaísmo durou até o ano de 1821, quando o tribunal foi extinto em Portugal. Segundo o pesquisador do judaísmo, Vinícios Barros, muitos dos judeus que moravam em Recife migraram para o Ceará quando o tribunal da Santa Inquisição de Portugal foi a Olinda (PE) em 1594.

   ''Quase todas as famílias têm origem judaica, sobretudo em Aracati. Hoje, pouca gente sabe'', identifica Barros. Ele cita uma família paraibana onde 29 pessoas foram presas e enviadas a Portugal, sendo queimadas duas mulheres. Uma remanescente do grupo conseguiu se mudar para o Ceará e casar com um cristão-velho (cristão autêntico). ''Achavam que a descendência judaica era transmitida pela parte materna. Mas como ele era cristão-velho, não mexiam com ela'', destaca.

   Segundo ele, era intensa a paranóia anti-semita. Como os cultos não eram abertos, as pessoas investigavam indícios, umas das outras, para comprovar a prática religiosa proibida. Barros conta táticas como a de pessoas que se convidavam para almoçar nas casas de cristãos-novos e pediam para serem preparados pratos proibidos aos judeus, como porco. Se o patriarca não comesse, poderia ser uma informação usada para um processo. Outros foram pegos por se negarem a trabalhar aos sábado. ''Naquele tempo, a pessoa só bastava ter uma raivazinha de outra que denunciava para à Inquisição'', diz ele.

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Padres também eram delatados

   Duas das sete denúncias à Inquisição contra moradores do Ceará, levantadas pelo antropólogo Luiz Mott, são referentes a outro crime de comportamento considerado imoral. Dois sacerdotes do Ceará são acusados de ''solicitação'', isto é, ''aproveitando-se da intimidade do confessionário, solicitam suas penitentes a atos sexuais''. Mott destaca: ''Era no confessionário onde muitas e muitas de nossas donzelas tiveram a oportunidade única de falar e manter um contato 'tête-a-tête' com um homem estranho a sua parentela''.

   De acordo com ele, ''o Santo Ofício considerava muito grave tal indisciplina pois ameaçava a confiabilidade de um sacramento que a duras-penas a cristandade aceitou (a confissão), e cuja finalidade era justamente lavar a alma dos pecados e não oferecer ocasião para o representante de Cristo (padre) levar as ovelhas para o abismo''.

   O pesquisador encontrou, nos ''Cadernos dos Solicitantes'' da torre do Tombo e da Biblioteca Nacional de Lisboa, nomes de sacerdotes envolvidos com ''imoralidades no Confessionário''. Um destes foi o padre Antônio José de Miranda, da freguesia de Aracati, ''maior vila e mais populosa, comerciante e florescente do Ceará'', segundo relatos da época. Em 1752, o padre foi acusado de ter solicitado Tomásia Francisca, escrava solteira.

   A negra, após ter recebido recado do padre, ''esculhambou o sacerdote'' em altas vozes, ''dando publicidade ao seu indecoroso convite''. O padre se limitou a chamar a escrava de atrevida. Mas a ousadia da negra tinha razão de ser. O antropólogo localizou em outro Caderno dos Solicitantes uma confissão do mesmo sacerdote em 20 de agosto de 1762. Ele declarou que, no Sertão do Acaraú, entre 1759 e 1760, ''por tentação do demônio, disse à parda Antônia Bezerra, in loco confessionis, que me quisesse bem''. Miranda alegou que não havia Comissário próximo a quem confessasse suas faltas. ''Os inquisitores tratavam com maior indulgência os que se acusavam espontaneamente, mesmo depois de denunciados'', explica Mott.

   No mesmo ano da confissão, outro vigário, agora da ''Freguesia de Nossa senhora da Conceição da Amontada do Acaracu'', teve o nome incluído no Caderno dos Solicitantes. O pecado: ''Tratos ilícitos e tocamentos com os pé em Maria Monteira, escrava do Tenente João Fernandes, em abril de 1762''. Mott ressalta que, além do crime de solicitação, muitos padres eram delatados pelo crime de sodomia. ''Um terço dos sodomitas presos e queimados eram do clero'', destaca.

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Sete séculos de inquisição no mundo

   O escritor Elias Lipiner explica que a Inquisição foi instituída pelo papado no século XII e abolida apenas no XIX, por Napoleão Bonaparte. Depois de um longo período de acusações, injustiças, arbitrariedades e mortes em todo mundo, as marcas que ficaram na história da humanidade desse período, assim como os avanços das civilizações, são apontadas por estudiosos.

   O advogado Virgílio Maia observa que uma das características da Inquisição era atribuir ao réu a tarefa de provar a inocência, sem ter acesso às informações do processo. ''A prova era obtida através da confissão do réu sob tortura. Este não sabia quem acusa e quem testemunha'', destaca. Maia lembra que hoje vale o princípio do direito em que a prova cabe a quem alega. ''Foi uma conquista da civilização o princípio da presunção de inocência, isto é, todos são inocentes desde que se prove o contrário. A humanidade percorreu séculos para essa conquista'', defende.

   O sociólogo Diatahy Bezerra de Menezes compara a Inquisição com o período de ditadura militar brasileira, que perdurou de 1964, com o golpe de Estado, até o início da década de 1980. ''Iam os visitadores do Santo Ofício para abrir os processos. Como nos tempos da ditadura, haviam os dedo-duros'', indica.

   Para o antropólogo Luiz Mott, enquanto alguns réus já foram perdoados pela Igreja, como judeus, religiões afro-brasileiras e mouros, continua a repressão contra bígamos, atualmente os divorciados, e homossexuais.

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Três denúncias de sodomia

   O ''abominável pecado da sodomia'' foi responsável por três denúncias à Inquisição de um mesmo habitante cearense, levantadas pelo antropólogo baiano Luiz Mott. ''Herdeira da moralidade sexofóbica do judaísmo, a Igreja Católica opôs-se tenazmente a todas as expressões da sexualidade não reprodutiva, os chamados 'pecados contra a natureza', prendendo e queimando centenas de homens de todas as idades e de diferentes condições sociais e étnicas praticantes do homo-erotismo'', explica o pesquisador.

   A Igreja recriminava a conjunção sexual anal tanto em mulheres quanto em homens. Em 25 de maio de 1746, em visita a Ibiapaba (Região Norte), o missionário Frei Miguel da Vitória recebeu a delação ''de um tal de Manuel Lopes'', branco e casado. Alguns índios da serra confirmaram a denúncia que Manuel cometera o ''pecado'' com um moleque do lugar chamado Cabouqueira, além de ter mantido ''relações proibidas'' com outros jovens. De acordo com a pesquisa de Mott, os relatos da inquisição registraram o depoimento de um dos rapazes, Leandro: ''O chamara para parte esquisita e lhe pusera um vintém de cobre na mão, dizendo que queria ser seu camarada, desatando-lhe as ceroulas''.

   Para escapar da fogueira, Manuel alegou que ''estavam convolando (combinando) para ir chamar uma mulher'' e que o contato não foi para ''ato suldímico''. Como a Inquisição só considerava crime perfeito de sodomia quando havia ''penetração do membro viril desonesto no vaso traseiro com derramação de semente'', os jogos eróticos não eram crime, apesar do praticante garantir lugar no inferno depois da morte. Segundo Mott, a inquisição perseguia sobretudo a cúpula anal. A homossexualidade feminina, deixou de ser considerada crime, sendo excluída da categoria de sodomia pelo Santo Ofício a partir de 1646.

   Duas outras denúncias de homossexualidade ocorreram na paróquia de Nossa Senhora da Conceição, na ''Ribeira do Acaraú'' (Região Norte) no ano de 1749. Mais uma vez o envolvido é Manuel Lopes, que agora trabalhava na fazenda do Capitão-Mor do lugar chamado Eibiri-Açu. A acusação era de que ele estava cometendo o pecado de sodomia ''com um negro atrás do curral, tendo fama de ser acostumado nesse vício''.

   Apesar dos indícios, Manuel não chegou a ser punido severamente. Segundo o antropólogo, em via de regra, o Santo Ofício só mandava prender os suspeitos quando havia muitas provas dos atos sodomíticos, consumados com depoimentos dos próprios cúmplices. ''Caso contrário, arquivava-se a denúncia'', diz ele. Se não chegassem mais provas, o fogo do inverno ou do purgatório se encarregavam de queimar os ''pecadores''.

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ALGUMAS PUBLICAÇÕES SOBRE O TEMA

- História do Ceará
Autor: Guilherme Studart
Edição: 1896, Tipografia Studart (Ceará)

- Revista de Ciências Sociais - Artigo ''A Inquisição no Ceará''
Autor: Luiz Mott
Edição: 1985/1986, volume 16/17

- Santa Inquisição: terror e linguagem
Autor: Elias Lipiner
Edição: 1977, Rio de janeiro, editora Documentário

- Os judaizantes nas Capitanias de cima (estudo sobre cristãos-novos do Brasil nos séculos XVI e XVII)
Autor: Elias Lipiner
Edição: 1969

- A Inquisição no Brasil: um capitão-mor judaizante
Autor: Rachel Mizrahi Bromberg
Edição: 1984, S. Paulo, SP

* Vínculos do Fogo - Antônio José da Silva, o Judeu e outras histórias da Inquisição em Portugal e no Brasil
Autor: Alberto Dines
Edição: São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1992

- ''Capítulos de História Colonial''
Autor: J. Capistrano de Abreu.
Ano: 1998. Coleção Biblioteca Básica Brasileira
Edição: Reedição da obra pelo Senado Federal/Conselho Editorial.

- A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial
Autor: Siqueira, Sonia A.
Edição: Editora Ática, São Paulo, 1978

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Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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