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Caetano Veloso em detalhes

05-06-2008

Leonardo Aversa

Caetano com Eucanaã Ferraz

Bianca Kleinpaul
O Globo On Line

   Que a canção "Vera gata" foi feita para a atriz Vera Zimmerman não era mistério. Mas muita gente tinha dúvidas sobre se realmente "O leãozinho" foi composta para uma mulher... E será que muitos sabiam para quem foram escritas "Queixa", "Tá combinado" ou "Ela e eu"? Pois está tudo explicado em "Sobre as letras", livro em que Caetano Veloso comenta detalhadamente cerca de 200 composições suas. A obra, na verdade, é um apêndice de "Letra só", outro livro que contém letras de músicas revistas pelo próprio cantor e compositor e pelo idealizador do projeto, o poeta Eucanaã Ferraz (também professor de literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro) e editado pela Companhia das letras.

   O livro (ou melhor, os livros que vêm juntos em uma capa de plástico transparente) já está nas livrarias e promete ser uma das grandes saídas para este período de Natal. Afinal, trata -se de uma daquelas obras que levantam curiosidade de simples apaixonados pela MPB e, principalmente, pelas canções de Caetano. No entanto, parece que o próprio organizador dos livros já esperava uma reação do tipo: não seria desnecessário comentários sobre obras que já podem dizer por si só?

   "Há que considerar os comentários uma permanência no largo âmbito da 'fala', que aqui (no livro ) dá a ver alguns mecanismos essenciais de uma poética que impõe certas dificuldades ao trazer para o jogo com o leitor (e o ouvinte) o resvalo de contornos e conceitos, o estranhamento, a diferença e a crítica", escreve Eucanaã na nota introdutória do livro.

O livro "Letra só" também tem um valor importante, não sendo feito apenas de meras reproduções das letras de Caetano Veloso. Trata-se de uma revisão de vários erros que se arrastavam desde o lançamento dos discos, trechos cortados pela censura da ditadura e até mesmo uma ou outra palavra foram alteradas.

(© Globo Online)


Algumas curiosidades que Caetano Veloso traz pela primeira vez a público

"A voz do morto": A música foi ditada por Aracy de Almeida que participa de um festival só de sambas e estava irritada com a ideologia em torno daquilo. Entre palavrões costumeiros, a cantora reclamava: "acha que vão salvar o samba na televisão? Estou de saco cheio desse negócio de Noel Rosa, ter que arrastar esse morto pelo resto da vida". E pediu que Caetano fizesse uma música esculhambando o festival porque ela estava cansada de "arrastar esse morto (Noel)". Aracy ditou a letra, Caetano fez a música e ela adorou.

"Araçá blue": Caetano conta pela primeira vez para o público como nasceu a música. Foi através de um sonho que ele teve entre os 23 e 24 anos. O músico discorre três páginas do livro contando a interpretação do sonho: que sua irmã Maria Bethânia estava brilhando como uma estrela e ele estava com medo de colher uma coisa boa como isso fosse matá-la!!!

"Baby": Quando você pensa que Caetano vai explicar todas aquelas rimas de piscina, margarina, Carolina e gasolina, ele lembra um mérito da canção. Ela, segundo o cantor, foi a primeira música a usar a expressão "baby". "Além disso, trazia uma frase em inglês, "um tipo de coisa que começou a ser feita adiante", conta ele no livro.

"Beleza pura": Uma saudação ao início da "tomada" da cidade de Salvador pelos pretos. Para Caetano, os pretos até os anos 70 ficavam mais ou menos "nos seus lugares".

Músicas para Paula Lavigne (sua atual mulher): "Branquinha" ("é muito delicada e um pouco provençal" (a música no caso); e "Tá combinado" ("é do período que comecei a andar com Paulinha (...) dizia para uma amiga que não queria mais aquele negócio de amor, namoro, compromisso, que nosso lema era sexo e amizade (...) comecei a andar com Paulinha um pouco dentro desse pensamento, não sabia o que estava acontecendo nem para onde iria, então fiz a música.")

Músicas para Dedé (primeira mulher de Caetano): "Ela e eu" ("quando começaram a surgir os primeiros problemas que levaram ao fim do casamento"); "Este amor" ("comecei a canção a partir de um texto de Kafka"); "Itapuã" (essa música me emocionava muitas vezes, cantava e chorava"); "Queixa", e "Quem me dera".

"Coração vagabundo": Caetano descreve como a canção que ele mais gosta e, segundo ele, é a que mais resiste porque é muita antiga, do tempo em que conheceu Gil ou antes ainda, entre 63 e 64. Para ele, há quem cante errado, dizendo "meu coração de criança é só a lembrança", mas a letra diz exatamente o contrário: "meu coração de criança não é só a lembrança de um vulto feliz de mulher".

"Desde que o samba e samba": Além de explicar para que foi feita a música, Caetano discorre suas impressões sobre João Gilberto. "O certo é que ninguém produz João. Na hora em que ele chega, canta o que quer, depois muda; não canta as coisas que a gente pede, embora diga que sim, que vai cantar depois...". Mas tece elogios ao músico e conta sua alegria de João ter gravado essa canção.

"Diamante verdadeiro": Faz um piada com "Falso brilhante", nome do show de Elis Regina. Ele adorou o show mas diz que a letra da música de mesmo nome é contra um mundo anti-hippie, "de brilho, de cocaína, espelhos, estilo Hippopotamus". Um mundo que ele detestava e, daí, a canção "Diamante verdadeiro", que tem na letra "nesse universo todo de brilhos e bolhas/ muitos beijinhos, muitas rolhas/ disparadas dos percoços das Chandon/ não cabe um terço de meu berço de menino".

"Divino maravilhoso": Caetano diz que muitas pessoas não entenderam a música, achavam que os tropicalists eram alienados porque não faziam o papel do esquerdista convencional.

"Dom de iludir": A bela música gravada por Maria Creuza foi feita para ela respondendo ponto por ponto "Pra que mentir", de Noel Rosa.

"É proibido proibir": Depois que reconhece o escândalo que foi a música na época, Caetano confessa que não gosta dela.

"Escândalo": Para quem não sabia, Caetano confirma que a música foi feita a pedido de Ângela Ro Ro. E ele aproveitou uma briga que ela teve com a namorada dela - que acabou na delegacia e saindo nos jornais - para compor a música.

"Gente": Mais uma vez Caetano mexe com Elis Regina dizendo que ela fazia um show que parecia show de travesti. "Parecia um espetáculo da Rogéria, era muito bom".

"Mãe": Caetano confessa que nunca cantou em público porque considerava a música cafona e tem uma espécie de superstição com ela.

"Menino do Rio": Foi por encomenda da Baby Consuelo, como já era falado, e ele conta que foi feito para um surfista chamado Peti que Baby achava muito bonito. No livro, Caetano conta detalhes de quando a música foi feita.

"Manhatã": É dedicada a Lulu Santos.

"Michelangelo Antonioni": Caetano conta em detalhes como conhece o cineasta.

"Minha voz, minha vida": Se derrete em elogios a Gal Costa dizendo que "sua voz é a coisa mais bonita que ela tem".

"Muito romântico": Feita para Roberto Carlos que lhe pedia canções. "A primeira que fiz foi 'Como dois e dois', em Londres; ele gravou . Depois fiz, e ele gravou também 'Muito romântico' e 'Força estranha'. Ele continuou me pedindo e fiz mais duas, que ele não gravou. Uma delas se chama 'Pele'."

"Noite de hotel": Caetano conta que a fez em Lisboa, num hotel. Mais uma de suas músicas auto-biográficas em que ele demonstra o quanto está deprimido em um quarto de hotel. E explica seu ódio aos videoclipes da MTV.

"Nu com minha música": Não foi Caetano mesmo que disse que suas músicas são auto-biográficas? Nesta não é diferente. Ele fez a música mesmo nu, com seu violão, sozinho, num quarto de hotel de uma cidade do interior de São Paulo.

"O conteúdo": Caetano fez de uma raiva que ele sentiu de uma "bicha", como ele mesmo chama um conhecido baiano, que colocou um xale no meio de uma festa e resolveu ler sua mão. Ele dizia que Caetano ia morrer em dois anos e três meses. Assustado, já que se sentia vulnerável por causa do exílio, Caetano até deixou de sair de casa algumas vezes.

"O leãozinho": Para quem achava que a canção foi feita para uma mulher, Caetano conta que foi para o contrabaixista Dadi, amigo que ele adora. "Ele é lindo e, nessa época ele era novinho, era lindíssimo. Ele é de Leão, assim como eu".

"O quereres": Para Caetano, é uma forma de um homem dizer para a mulher que "não está onde ela quer".

"Onde o Rio é mais baiano": Conta a história de como Caetano conheceu Jamelão (puxador de samba da escola de samba da Mangueira). Ele ia sempre a Salvador, na festa de Iemanjá. "Ele ficava de pé nas pedras, todo de branco, jogava flores, acompanhava o ritual (...). Eu gostava de ver aquele homem, que parecia uma entidade".

"Peter Gast": Caetano explica quem foi Peter Gast, um sujeito importante na vida do filósofo Nietzsche. O cantor diz no livro que pensou que seria ridículo ele compor uma música que só ele ia entender.

"Rapte-me camaleoa": Feita para Regina Casé que numa peça do Asdrúbal Trouxe o Trambone (grupo de teatro carioca fundado por Hamilton Vaz Pereira e pelos atores Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães) se chamava Camaleoa.

(© Globo Online)


Trechos do livro 'Sobre as letras'

NOTA INTRODUTÓRIA

Este volume parecerá desnecessário se se julgar que as letras reunidas em Letra só dispensam os comentários de seu criador. Há que considerá-los, no entanto, uma permanência no largo âmbito da fala (cf. "Cinema falado, poema cantado", introdução a Letra só), que aqui dá a ver alguns mecanismos essenciais de uma poética que impõe certas dificuldades ao trazer para o jogo com o leitor (e o ouvinte) o resvalo de contornos e conceitos, o estranhamento, a diferença e a crítica. Note-se que a ruptura com as hierarquias estéticas e ideológicas - sublinhando-se em ambas a dimensão política da fala - mostrar-se-á aqui como resultante de forças muito íntimas: graduação de níveis de intensidade afetivo-corporais, nuanças que vão do fortíssimo investimento político ao pianíssimo desamparo sentimental, quer em progressão mais ou menos lenta, quer em oposição brusca. Nesse sentido, não será difícil compreender, por exemplo, o quanto o Tropicalismo nasceu como um programa que, antes de tudo, obedecia a uma tendência absolutamente pessoal. Daí, a polêmica dinamização estética, política e ética, que chegou a ser movimento no ano de 1968, nunca se ter esgotado, antes permanecendo teimosa e insistentemente na produção de Caetano. Ou seja, o que se converteu em programa coletivo de vanguarda derivava sobretudo de injunções pessoais ou, no mínimo, coincidia com um ânimo pessoal. Tal dinâmica permanece, pois é parte da mecânica de uma psicologia profunda, que, sem cessar - para a alegria e a insônia do artista -, deseja responder à história, à cultura e ao tempo de modo total. Ela surge aqui em comentários inéditos, que nasceram, em sua grande maioria, da fala - de uma conversa - e que migraram para a escrita num processo em que apenas subtraí repetições, hesitações e outros marcadores discursivos próprios da oralidade, bem como os comentários que se desviavam da direção inicial do pensamento ou que comprometiam o andamento do texto escrito. Também elaborei algumas notas, avaliando a necessidade de oferecer aqui e ali pormenorizações e informações complementares. Este volume parecerá desnecessário se se julgar que as letras reunidas em Letra só dispensam os comentários de seu criador. Há que considerá-los, no entanto, uma permanência no largo âmbito do prazer.

E. F

Comentário de Caetano Veloso

ECLIPSE OCULTO

É muito engraçada. Fala de uma trepada que não deu certo. É totalmente documental: "na hora da cama nada pintou direito", o disco do Djavan, tudo. Tanto que a outra pessoa se lembrou direitinho e disse: "Pô, você botou todos os detalhes!". Outro dia, ouvi o Djavan afirmando a mesma coisa que o Chico já disse várias vezes: "Minhas músicas não têm nada a ver com minha vida, não procurem semelhanças, elas não têm nada de autobiográfico". As minhas, bem ao contrário, são todas autobiográficas. Até as que não são, são.

ITAPUÃ

É sobre mim e Dedé, por isso eu chamei Moreno28 pra cantar comigo na gravação. Essa música me emociona, muitas vezes eu cantava e chorava.

LIVROS

As palavras parecem dizer muita coisa relevante quando a gente a canta. Quando a gente pensa um pouco, nada é mesmo relevante. Depois a gente pensa mais e volta a desconfiar de que talvez tudo seja relevante. Nesse sentido, ela não é uma canção sobre os livros, mas uma canção sobre as canções. Eu tinha acabado de escrever o longo livro "Verdade tropical". Estava pensando muito no assunto da relevância da canção.

(© Globo Online)
 

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