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11/06/2008
Parceria
de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, Baião foi um tipo de música
produzida para ser ouvida e dançada
JOSÉ TELES O que ligou, em meados dos anos 50, a pequena Exu, no Sertão do Araripe, em Pernambuco, com Manhattan, coração de Nova Iorque, mais importante metrópole do mundo? Resposta: o baião. O ritmo formatado pelo exuense Luiz Gonzaga, e seu parceiro, o cearense Humberto Teixeira, fez antes uma escala em Roma, e antes de entrar nos Estados Unidos em 1952, com o filme Arroz amargo (Anna), dirigido por Alberto Lattuada. Na trilha deste filme estava Anna (El negro zumbon) um baião de V. Roman e F. Gionda, interpretado pela atriz Silvana Mangano, até hoje mais lembrada pelos seios fartos do que pela beleza da voz. Mas antes é necessário retroagir na história. O baião foi apresentado aos brasileiros há exatos 60 anos, com Baião, lançada pelo 3 Ases e 1 Coringa, um dos conjunto mais populares da época, e que já vinha gravando ritmos do “Norte”, como os balanceios de Lauro Maia. O baião foi a nossa primeira música de laboratório (termo corrente só nos experimentalistas anos 60). Quando Gonzagão e Teixeira se reuniram numa ensolarada tarde de verão no escritório de advocacia deste último, na Avenida Calógeras, no Centro do Rio, havia a intenção explícita de produzir um tipo de música para ser ouvida e dançada. Ou seja, os dois pretendiam lançar uma moda para ser consumida em larga escala. “Um belo dia, estou no meu escritório de advogado lá no Rio, na Avenida Calógeras, quando me procurou o Luiz Gonzaga. Ele se apresentou, eu o conhecia de nome e tal, mas foi a primeira vez que vi o Luiz pessoalmente. Ele me contou que havia estado com Lauro Maia, o Lauro tinha me indicado e coisa e tudo isso e tal. Aí falou da idéia dele de deflagrar a música do Norte nos grandes centros, que ele tinha muitas idéias e muita coisa. Bem, nós ficamos, naquela tarde, de quatro e meia até quase meia-noite. Eu fechei praticamente o escritório, como fazia sempre que vinha negócio de música. E nós relembramos, retrospectamos (sic) em torno dos ritmos nordestinos, do Ceará, de Pernambuco, a terra dele, e coisa e tudo isso. Naquele dia nós chegamos a duas conclusões muito interessantes. Uma delas é que a música ou o ritmo que iria servir de lastro para nossa campanha de lançamento da música do Norte, a música nordestina do Sul, seria o baião. Nós achamos que era o que tinha características mais fáceis. Mais uniformes para se lançar essa música”. São palavras de Humberto Teixeira, em entrevista concedida, em 1977, ao pesquisador cearense Miguel Ângelo de Azevedo, Nirez. Uma entrevista esclarecedora (Teixeira morreria dois anos depois), pois nela é ressaltado que o baião já existia, foi apenas estilizado. O folclorista sergipano Sílvio Romero, em seu clássico estudo sobre a poesia popular do Brasil, de 1888, cita o baião e traça sua origem como produto mestiço: “É a transformação do maracatu africano, das danças selvagens e do fado português”. Já A. F. Pereira o tem como africano, derivando-o do maracatu e do batuque. No livro Danças folclóricas brasileiras, de 1956, Maria Amália Correa Giffoni, reafirma a existência do baião nas décadas finais do século 19, como dança praticada tanto entre o povão, quanto nas casas dos mais abonados, “uma das danças da moda do Nordeste”. Por sua vez, o baião, em rótulo de disco desginando uma gênero musical aparece pela primeira vez designando um gênero musical em 1930, numa gravação de Estrela Dalva, de João Pernambuco, interpretada pela cantora Stefana de Macedo, e lançada em discos Colúmbia. A popularidade do 3 Ases e 1 Curinga combinada com a queda de audiência de rádios viciadas em foxtrotes americanos e bolerões mexicanos, assinalava que o distinto público ansiava por algo novo. O baião foi este novo. Dos discos do conjunto vocal e de Luiz Gonzaga, o baião passou para 78rpms das maiores estrelas da música brasileira. Não tardaria e todas, quase sem exceção estariam gravando baiões. De Carlos Galhardo, voz mais apropriada às valsinhas dolentes, passando por Nelson Gonçalves (que gravou Vai meu baião, dele e Denis Brean), até as rainhas Emilinha Borba e Marlene, não se podia ficar indiferente à dança da moda. Por volta de 1953, Luiz Gonzaga era o maior vendedor de discos do País. A cada lançamento, a RCA tornava suas prensas exclusividade do exuense. O baião como fenômeno comercial só começou a dar sinais de exaustão por volta de 1957, quando se esboçava um novo ritmo da moda, a bossa nova. Baião influenciou a música americana e foi até plagiada O baião aportou nos EUA em 1954. Quem primeiro o gravou foi Joe Loco, cantor hoje esquecido, mas bastante popular na época, com regravações de standards americanos com molho latino. Joe Loco lançou pelo selo Tico, El baión, versão de Anna (El negro zumbon), executado o suficiente para receber uma regravação de Tito Rodriguez, cantor que freqüentava alguns das casas mais badaladas da Broadway, rua onde se localizava um grande número de editoras musicais. A maioria funcionava em dois edifícios, o mais famoso dele o Brill Building. Ali trabalhavam, em horário integral duplas de compositores, produzindo sucesso atrás de sucesso. Leiber & Stoller, Pomus & Shuman, Goffin & King, Bacharach & David. Leiber & Stoller já acumulavam um considerável número de hits quando descobriram Anna (El negro zumbon), e decidiram se apropriar do ritmo e da linha de baixo na intenção de imprimir ao rhythm and blues um sotaque latino. A primeira canção que compuseram neste estilo híbrido (que são como um baião em 45rpm tocado em 33 rotações) foi There goes my baby, gravada pelos Drifters, e considerada, exatamente pelo “baión beat”, uma das mais influentes canções pop do século 20, que lançou a moda do rhtyhm and blues com “baión”, da qual não escapou nem Burt Bacharach. Este, por sinal, conheceu o “baión” in loco. Bacharach esteve no Brasil, em 1956, como pianista de Marlene Dietrich. O novo ritmo ganhou o apelido de jewish latin (jewish, porque todos estes compositores eram judeus). A influência do baião numa das fases mais sofisticadas da música pop americana é devidamente historiada no livro Always magic in the air, de Ken Emerson (lançado nos EUA em 2005, e inédito no Brasil). “Na época em que Leiber e Stoller fizeram There goes my baby, a batida do “baión” já não era mais uma novidade, porém ninguém havia tido a audácia de casar a bastardização de um samba (sic) brasileiro com uma orquestração erzats (imitação) de cordas russas, em um disco de rhythm’n’ blues de um quarteto de afro-americanos”, comenta o autor do livro. Entre os clássicos da era Brill Building com o “baión beat” estão Stand by me, Be my baby, Spanish Harlem, e Do you know the way to San Jose? (de Burt Bacharach). A dupla Gerry Goffin e Carole King chegou até a compor uma canção intitulada Bione rhythms (pronuncia-se baión). O empréstimo do ritmo nordestino pelos americanos nunca foi muito comentado no Brasil. A única vez que foi alvo de uma polêmica nos Estados Unidos aconteceu com Peggy Lee. A cantora recebeu dos compositores Harold Stevens e Irving Taylor uma estranha canção chamada Wandering swallow, que gravou sem saber que seria envolvida num processo de plágio. Wandering swallow (grosso modo, Andorinha errante) é uma apropriação indébita de Juazeiro, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (que não receberam créditos no rótulo do disco de Peggy Lee. Pior, o arranjo é idêntico ao da gravação de Juazeiro do grupo vocal Os Cariocas. Humberto Texeira, advogado, entrou com um processo contra os americanos, e o disco foi recolhido. Voltando ao Brasil, quando a parceria com Humberto Teixeira terminou, Luiz Gonzaga continuou o baião com um novo parceiro, Zé Dantas, e prosseguiu com outros compositores que foram surgindo, Guio de Moraes, Hervé Cordovil, José Marcolino. O baião como dança da moda acabou por volta de 1957, mas como influência perdura até hoje. Está presente na música de Chico Buarque, de Edu Lobo, Guinga, Ceatano Veloso, Gilberto Gil, Zefirina Bomba, Silvério Pessoa, Alceu Valença, Hermeto Pascoal, Dominguinhos. Na música destes artistas ecoa o seminal Baião, e sua letra simples, direta e didática: “Eu vou mostrar pra vocês/como se dança o baião/e quem quiser aprender/é favor prestar atenção...” Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)
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