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Perfume do baile não evapora

11/06/2008

Cartaz do filme Baile Perfumado


Há dez anos, Lírio Ferreira e Paulo Caldas apresentavam seu primeiro longa-metragem no Festival de Brasília. Filme será reexibido hoje

KLEBER MENDONÇA FILHO

Quando Baile perfumado estreou no 29º Festival de Brasília, em novembro de 1996, Pernambuco quebrava uma seca de 18 anos sem produzir um longa-metragem – o último fora O palavrão, de Cleto Mergulhão, em 1978. O filme de Lírio Ferreira e Paulo Caldas saiu daquele festival não apenas com uma impressionante lista de prêmios (incluindo Melhor Filme), como também pareceu confirmar um interessante zum-zum-zum que vinha de Pernambuco e que apontava para uma certa movimentação na área cultural, em especial na música. Em uma década, o cinema pernambucano cresceu misteriosamente e, hoje à noite, o Cinema da Fundação promove uma revisão de Baile perfumado, projetado em 35 mm numa sessão especial que já marca os dez anos do filme, seguida de uma conversa entre os diretores e o público. O fotógrafo Fred Jordão apresentará material especial inédito registrado por ele na época das filmagens.

Produzido por 600 mil dólares na época em que a nossa moeda era vendida de um para um com a norte-americana, um filme de baixo orçamento, Baile perfumado impactou Brasília com vôos rasantes videoclípticos em cânions do Rio São Francisco ao som de Sangue de barro, de Chico Science & Nação Zumbi, e Veneno, de Stela Campos e Fred 04 nos créditos finais. Hilton Lacerda, roteirista do filme, em entrevista ao JC recorda: “O que aconteceu na exibição do Baile perfumado em Brasília (sua primeira projeção pública) foi quase que uma catarse. Eu assistia ao filme finalizado pela primeira vez. E acredito que a maioria das pessoas (tanto equipe como público). Logo de início, a platéia reage ao sobrevôo no cânion do São Francisco. Logo fica estabelecido o ambiente úmido onde o cangaço estava atolado. Logo ficou claro que não era necessária complacência. Paulo Caldas e Lírio Ferreira eram nossos abre alas”.

O filme trazia ali visão moderna da iconografia do cangaço que o próprio cinema brasileiro já havia estabelecido como sedimentada em filmes como O cangaceiro, sucesso internacional dos anos 50. Baile perfumado mudou isso, inclusive gerando curioso choque incidental e estético ao ser exibido na primeira edição do Festival de Cinema do Recife (hoje, Cine PE), em março de 1997, no Cine São Luiz – sua estréia pernambucana –, na mesma seleção que trazia a nova versão de O cangaceiro, de Aníbal Massaini Neto, interpretação vulgar do sertão e do cangaço.

Em Baile perfumado, o sertão está verde e Lampião e seus comparsas têm estilo e perfume. Como veríamos mais tarde no alemão mascate de comprimidos e imagens de Cinema, aspirinas e urubus, de Marcelo Gomes (integrante da equipe do Baile perfumado), temos também um vendedor estrangeiro – o libanês Benjamin Abraão – investigando o sertão, sua mercadoria e moeda de troca com Lampião sendo a própria imagem do cinema. As imagens documentais do Abraão real estão no filme, que nos narra a história do Abraão fílmico em montagem não-linear.

Hilton Lacerda recorda que a expectativa pelo filme em Brasília lhe chamou a atenção. “Eu percebia que a ousadia dos curtas realizados em Pernambuco criava uma ansiedade pelo filme que seria exibido. Essa ansiedade estava coberta de coisas confusas, como sentimentos positivos em relação ao resultado do esforço dos que faziam filmes sem dinheiro, aparato técnico, apoios efetivos, pela ótica exótica dos que teimam em acariciar produtos alienígenas por puro diletantismo ou pelo reconhecimento do esforço desprendido. Nada disso terminou sendo necessário”, diz.

Baile perfumado estreou em julho de 97, chegando perto dos 80 mil espectadores no Brasil. No Recife, foi visto por aproximadamente dez mil pessoas no extinto Recife 3, do Shopping Recife, excelente público que reagiu a uma boa difusão de que o filme era pernambucano e que deveria ser visto. Junto à crítica brasileira, virou objeto de estudo e permanece um dos filmes mais respeitados do chamado “período da retomada”, que vai de 1994 a (aproximadamente) 2002.

(© JC Online)


A retomada vigorosa dos pernambucanos

Passados dez anos, no Festival de Brasília deste ano, na sua 39ª edição, um outro longa pernambucano estará estreando, Baixio das bestas, o segundo de Cláudio Assis, depois de Amarelo manga (2002). Assis foi diretor de produção de Baile perfumado. Paulo Caldas fecha atualmente a montagem final de seu terceiro longa, Deserto feliz, o primeiro onde assina a direção sozinho – o segundo foi o documentário O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas (1999), co-dirigido por Marcelo Luna. Lírio Ferreira apresenta esta semana na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo seu terceiro longa, o documentário Cartola, feito em parceria com Hilton Lacerda. Árido movie, também co-roteirizado por Lacerda, foi seu segundo longa, lançado no primeiro semestre deste ano. Curiosamente, uma visão também moderna, desta vez contemporânea, do Sertão, sobre um outro “estrangeiro” que tenta entender a paisagem. Tentando resumir o seu filme e o efeito que teve, Lírio diz que sua relação com o Baile é um pouco paradoxal: “É como se eu olhasse para trás e visse o futuro”.

Esse tal zum-zum-zum que trouxe Baile perfumado à tona em 1996 já vinha ganhando força com o Manguebeat desde 1993 através de produtos culturais como os discos já clássicos Da lama ao caos, de Chico Science & Nação Zumbi, Samba esquema noise, da Mundo Livre S/A, o fortalecimento do Abril Pro Rock como evento âncora de tudo isso numa cena musical forte composta por pelo menos duas dezenas de bandas que atiravam para todos os lados. Da Eddie ao Paulo Francis Vai Pro Céu, da Devotos (do Ódio) ao Matalanamão, Stela Campos, Santa Boêmia ou Jorge Cabeleira, a tal “cena musical” pernambucana impressionava local e nacionalmente.

“Apesar de o filme ter acontecido num momento muito propício, em que os olhos do pensamento brasileiro estavam fixados em Pernambuco, muito por conta do Manguebeat, e de o cinema pernambucano já ter ensaiado uma cena audiovisual vibrante e consistente, Baile perfumado acabou se tornando um elemento deflagrador, ou mesmo, legitimador dessa cena. Recolocando definitivamente Pernambuco na nova geografia da cinema nacional”, afirma Lírio à reportagem do JC.

Lembrar que essa movimentação flertava descaradamente com o cinema talvez ajude a juntar uma coisa à outra. Um aspecto natural disso tudo era o videoclipe, união natural dos que tocavam com os que queriam filmar. No entanto, vale lembrar que no mesmo Festival de Brasília, na sua edição 1995, um ano antes da edição que premiou Baile perfumado, o cinema pernambucano já parecia anunciar uma nova cara com a premiação de Melhor Curta-Metragem 35 mm para Maracatu maracatus, curta de Marcelo Gomes, que dez anos depois lançaria seu primeiro longa, Cinema, aspirinas e urubus. Nesse filme, já se mixava na trilha sonora Chico Science & Nação Zumbi com imagens de cinema pernambucano.

Os prêmios para Maracatu maracatus marcavam o início de uma nova fase do cinema feito em Pernambuco, já nos anos 90, e que trocava a guarda deixada pelo rico legado do Movimento Superoitista dos anos 70 e 80, representado pela produção de Fernando Spencer, prolífico realizador nos 70 e 80 em seja lá que formato estivesse disponível (Super8, 16 mm, 35 mm, U-Matic), e confirmando os primeiros passos dados pelos curtas dos próprios Paulo Caldas (Chá, de 1987), Lírio Ferreira (O crime da imagem, de 1991) e Cláudio Assis (Padre Henrique, de 1985, Soneto do desmantelo blue, de 1993).

(© JC Online)


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