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Bethânia vai ao encontro das águas

10/11/2006

A cantora baiana Maria Bethânia

Dirigida mais uma vez por Bia Lessa, cantora estréia no palco do Tom Brasil Nações Unidas o projeto Dentro do Mar Tem Rio

Lauro Lisboa Garcia

Além de puxar pela memória, quando Maria Bethânia começou a realizar o projeto Dentro do Mar Tem Rio - delicada e comovente aquarela brasileira em que celebra sua profunda relação com as águas -, pediu canções novas para diversos autores. Só Vanessa da Mata fez sete e teve uma escolhida, Sereia de Água Doce. Outros, como Ivan Lins, Adriana Calcanhotto, Aldir Blanc, Kleiton & Kledir, Totonho Vileroy, Leila Pinheiro, apesar das contingências favoráveis, não chegaram ao mesmo destino. Algumas dessas canções não incluídas nos álbuns Pirata e Mar de Sophia (Biscoito Fino), lançados simultaneamente esta semana, estarão no show que a cantora estréia hoje no Tom Brasil Nações Unidas. É uma compensação, mas segundo Bethânia ainda é muito pouco pelo volume que recebeu. 'Este projeto é uma escolha, um pensamento, uma intenção, o assunto é esse. Fico comovida de ter mexido com as pessoas', diz a cantora.

Se foi difícil eleger as canções mais apropriadas entre tantas disponíveis para os dois discos, a tarefa de conciliá-las no show não é menos trabalhosa. Além do novo material, Bethânia também prometeu incluir marchinhas de carnaval no roteiro montado por ela em parceria com o diretor teatral Fauzi Arap. 'É muito interessante, tem umas lindas e outras loucas de água no carnaval', diverte-se. 'A base do roteiro são os dois discos, tem outras canções, algumas de água, outras com água, mas de outras praias. Temos de tudo, temos misturadinhos, muita moda de viola...'

Enquanto no Mar de Sophia Bethânia mergulha na poesia da portuguesa Sophia Mello Breyner (1919-2004), em Pirata, uma expressiva conseqüência de Brasileirinho (2003), vai fundo na memória afetiva dos rios da própria infância. E em sintonia com seus conterrâneos Roberto Mendes, Caetano Veloso, Jorge Portugal, que assinam algumas das mais belas entre novas e antigas canções de ambos os CDs.

A representação do pirata, paradoxalmente, está associada às circunstâncias de sua cidade natal, Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, que não é banhada pelo mar. 'O nome pirata tem um romantismo imenso e também simboliza a liberdade', diz Bethânia. 'Santo Amaro é cidade do interior; graças a Deus que eu nasci lá, fui criada e educada, porque tenho hoje isso muito rico aqui, mas a gente quer sair, ainda mais artista...', brinca. 'Então pirata é um pouco isso, quem sai em busca dos seus tesouros, dos seus amores, não tem casa, não tem chão, é mar, vive de barco, pára, aqui pode ser sua casa durante um dia, um ano.'

Mesclando as fontes de água doce com o curso final da imensidão salgada, o microcosmo folclórico e a aspiração cosmopolita, ela visita as citadas 'outras praias' fora da Bahia, e seu sincretismo religioso, fluindo o canto e a poesia em melancolias de fado, na pisada do maracatu, na batida do boi do Maranhão, nas cirandas e cantigas populares, na cadência do samba carioca e em outras alegrias e alegorias.

Alusões a céu, raios, ventos, barquinhos de luz, além de rio, mar, véus e esculturas prateadas que simbolizam a água compõem o cenário do show. Segundo a diretora Bia Lessa, que também assina a cenografia com Paulo Pederneiras, o show 'é pontuado por dualidades: Bethânia dentro do mar, e Bethânia observando o mar', explica. 'Ao passo que ela se insere e mergulha profundamente nestas águas, possui também um distanciamento crítico. Ao mesmo tempo em que Bethânia perpassa toda aquela dramaticidade que é só dela, fruto de um entendimento absoluto da tragédia humana, ela está na verdade muito leve, meio que rindo disso tudo. Esse espetáculo é uma grande radiografia de Bethânia através das águas, um diálogo entre ela e o universo.'

Bethânia será acompanhada por Jaime Alem (arranjos, regência, violão); Israel Dantas (violão, guitarra); João Carlos Coutinho (piano); Rômulo Gomes (baixo); Marcio Mallard (violoncelo); Carlos Balla (bateria e percussão) e Reginaldo Vargas (percussão).

(SERVIÇO)Maria Bethânia. Tom Brasil-Nações Unidas. Rua Bragança Paulista, 1.281, 2163- 2000. 6.ª e sáb., 22 h; dom., 20 h.R$ 70 a R$ 140. Até 12/11

(© Agência Estado)


O mar deságua em Bethânia

Cantora baiana lança simultaneamente dois discos – Mar de Sophia e Pirata, que tem a água e a poesia como fios condutores

JOSÉ TELES
Enviado especial

RIO – “Lembro-me perfeitamente a primeira vez que vi o mar, porque foi indo para Salvador no vapor. Não tinha estrada de rodagem, as estradas de ferro eram muito ruins. Foi quando eu vi o mar. Era um mar de ondas, de ondas verdes, azul, esmeralda, medo, pavor e uma atração infinita. Era menininha, devia ter quatro, cinco anos, e fiquei muito atraída pelo mar. Como é até hoje, e como há de ser para sempre”. A confissão é de Maria Bethânia, durante coletiva que concedeu na sede da gravadora Biscoito Fino, em Botafogo, Rio. Ela está lançando simultaneamente dois discos que têm água e poesia como o fio condutor das canções. Mar de Sophia, inspirado na poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner (1919/2004), e Pirata, que flui pelas águas doces do Recôncavo, região onde nasceu a cantora.

Ambos estão inseridos num projeto batizado de Dentro do mar tem rio, frase que lhe foi dita por uma senhora da Bahia, numa conversa informal, um mote que ela repassou imediatamente para José Carlos Capinam transformar em letra de música. Ele desenvolveu, com Roberto Mendes,o tema que desaguou na cação Beira-mar. O projeto foi maturado durante cinco anos, a partir de quando Bethânia foi apresentada à poesia de dona Sophia: “Uma obra que me foi trazida por Antonio Alçada, escritor português (a quem é dedicado Mar de Sophia). Fiquei muito impressionada, porque além da beleza da poesia, pela forma como ela conduzia o pensamento, o sentimento dela em relação à água, ao mar particularmente, com uma intimidade que eu não conhecia até então em uma mulher poeta falando de mar”,continua a cantora.

Bethânia aponta que o mar, apesar de água, elemento feminino, é normalmente ligado ao homem: “O marinheiro, o lobo do mar, e ela, Sophia fala assim com uma intimidade. Isso me cativou e me levou a fazer alguma coisa perto da poesia dela”, completa. A cantora não chegou a conhecer pessoalmente a poetisa. Quando o amigo Antonio Alçada botou Bethânia em contato com a família de Sophia Breyner, ela já havia sofrido o AVC (acidente vascular cerebral) que a levaria à morte: “A filha gostou da idéia e contou à mãe, que também aprovou. Até fui convidada para conhecer Sophia, mas não tive coragem, ela era muito grande para mim”.

Enquanto Mar de Sophia, é da Biscoito Fino, Pirata é da Quitanda, selo criado pela cantora, e é um trabalho menos “sério”: “Porque a Quitanda é assim mesmo. Tendo um assunto, eu esqueço tudo. Esqueço que tenho 60 anos, 42 de carreira, esqueço quase toda responsabilidade e fico brincando com aquele assunto. E o Pirata é isso. São as águas da minha região. A água doce, de rios, cachoeiras, lagos”. Maria Bethânia ressalta a identidade particular de cada álbum, porém, mar e rio só se encontram no palco: “Encontro de água tem para mim um significado muito diferente. Porque eu sou de berço católico. Mas sou também da religião africana, e encontro de água é lugar de obrigação, de oferenda. Lugar das duas senhoras, doce e salgada. O show terá esta mistura dos dois, o roteiro está sendo feito por mim e Fauzi Arap”.

(© JC Online)


Contribuições generosas para escolha do repertório

RIO – Maria Bethânia conta que desde que revelou, em uma entrevista, que pretendia fazer um disco sobre a água não parou de lhe chegar canções, poemas, ou seja, ela não teve problema com repertório. Pelo contrário, diz que acumulou canções que dariam para dois CDs duplos.

“Eu peço música. Pedi a Ana Carolina, que é mineira e não tem muita intimidade com o mar, e ela fez, com Jorge Vercilo, E eu que quase nada sei de mar. Liguei para Vanessa (da Mata), que é uma mulher privilegiada, pois nasceu numa cidade do Mato Grosso, onde passa o Rio Bonito. Ela fez sete canções, entre estas Sereia de água doce, que está em Pirata. Como não tenho intimidade com Paulo César (Pinheiro), falei com Kati (de Almeida Braga, presidente da Biscoito Fino), para pedir a ele alguma composição que falasse de vento. Ele fez na hora, letra e música, A dona do raio e do vento. Uma canção que eu trato quase como uma oração”, detalha Bethânia.

Os dois discos equilibram-se entre músicas inéditas, pouco conhecidas e clássicos, alguns até manjados como De papo pro ar (Joubert de Carvalho e Olegário Mariano), pequenos trechos enxertados em outras canções, e músicas de domínio público: “Eu sou do interior e sempre ouvi cantigas anônimas, são muito bonitas, mas são consideradas meio assim música para pesquisador. Mas é uma música que mexe com todo mundo.”

Naturalmente, num trabalho sobre água não poderia faltar Dorival Caymmi: “Se fosse usar as músicas de Caymmi só daria ele. Mas para cantar Caymmi só Gal, Zizi Possi e Nana (Caymmi). O próprio Caymmi diz que só quem sabe cantar as composições dele é ele mesmo. Mas eu também me dou este direito. Gravei Sinhozinho, de Caymmi, foi Nana que me sugeriu, daquele jeito dela: ‘Me mande aqui o Jaime Alem (violonista e maestro de Bethânia), que eu canto e mando para você’. Eu tenho o privilégio de ter esta gravação de Nana”, conta Bethânia. Chico César, outro autor predileto, mandou Grão de mar (com Márcio Arantes): “É sobre o árido, a música da terra onde a água não chega”, explica a cantora.

A primeira música gravada no projeto foi Oxum. A segunda Nanã: “Eu havia convidado Naná Vasconcelos para gravar comigo. Nesse dia eu me atrasei e quando cheguei ele pediu desculpas por ter começado a gravar antes de mim. Estava o estúdio todo decorado com aqueles instrumentos dele. Achei lindo, eu começar com Oxum, e ele continuar com Nanã. Naná canta comigo, emite sons. Sem Naná eu não conseguiria fazer Mar de Sophia”, garante.

A turnê Dentro do mar tem rio terá apenas três apresentações este ano, em São Paulo, Porto e Rio: “Não dá para continuar, porque vem por aí natal, carnaval, só depois é que vamos poder levar para o resto do Brasil”, adianta Maria Bethânia. Ao Recife ela virá antes. Participará da abertura do carnaval, no Marco Zero, com Naná Vasconcelos e Cesária Évora. (J.T.)

(© JC Online)


Vídeo:

Maria Bethânia canta Olhos nos Olhos, de Chico Buarque:

 


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