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Senhora Bethânia

12/11/2006

Vaidosa e esbelta: Bethânia
fez cirurgia nos seios. Adora
cremes e perfumes, e é ela
quem corta os próprios cabelos


Aos 60 anos, serena e elegante, Maria Bethânia fala pela primeira vez dos políticos
do país – e os detona. Com a garra de sempre, lança dois CDs e abre turnê

Por Eliane Lobato

Os cabelos brancos e longos têm-lhe sido generosos: ao emoldurarem o seu rosto revelam menos o passar do tempo e reforçam mais, muito mais, a sua beleza. Realçam a sua serenidade e a sua elegância. Maria Bethânia está com 60 anos mas apresenta uma espetacular vitalidade marcada pelo lançamento de dois novos discos de músicas inéditas: Mar de Sophia e Pirata. Falando em vitalidade, senhora Bethânia inicia em São Paulo a turnê Dentro do mar tem rio. É uma grande oportunidade para ver e ouvir uma das maiores cantoras brasileiras, que nesta entrevista quebrou uma de suas regras de vida: pela primeira vez, Maria Bethânia fala publicamente de política e de políticos.

ISTOÉ – Vamos falar um pouco de política?
Maria Bethânia –
Olha, eu não consigo entender político. O sim e o não no ambiente político não têm duração, não têm firmeza, não têm caráter, não têm nada. Então, eu não acerto lidar com isso.

ISTOÉ – Mas você permitiu que usassem a sua voz em campanhas políticas.
Bethânia –
Deixei que usassem a minha voz nas campanhas de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, mas não sei o que possa dizer de interessante. Minha opinião política é zero. Perguntam em quem eu votei, qual o partido. Eu não sou amiga íntima de ninguém para ficar dizendo em quem vou votar.

ISTOÉ – Poderia quebrar essa rotina e dizer agora em quem votou?
Bethânia –
Não, não digo. Acho que isso não é assunto. O que eu posso falar um pouco é de meus sentimentos em relação aos homens que mandam no mundo hoje. São os políticos que estão aí destruindo o planeta, acabando com os rios, esculhambando os mares.

ISTOÉ – Por que você chama Brasília de caserna?
Bethânia –
Chamo de caserna porque para mim não mudou. Juscelino (ex-presidente Juscelino Kubitschek) fez um lugar para ser encantado, logo veio a ditadura e aí virou uma casernazinha. E os políticos continuam lá, protegidinhos.
Me pergunto: será que eles não aproveitam o Brasil de vez em quando? Deviam
sair de lá, dar umas voltinhas, passar perto de uma bala perdida, levar um susto
no trânsito. Ficam lá, ninguém pode jogar ovo, pedra. Só pétalas de rosas e, mesmo assim, de helicóptero.

Helcio Nagamine
"Estão dizendo que, com a vitória de Lula, acabou o coronelismo no nordeste. Sim, acabou um, e começou outro"

ISTOÉ – Qual a sua expectativa quanto ao segundo mandato de Lula?
Bethânia –
Acho que está difícil para o mundo inteiro, e um pouco mais para o Brasil. Não vejo nenhuma novidade, não há nenhuma idéia-grão. Estão dizendo: acabou o coronelismo no Nordeste. Sim, acabou um, e começou outro.

ISTOÉ – Algo preocupa você?
Bethânia –
O que me preocupa, mais que tudo, é que não vi em nenhum momento a educação e a saúde no Brasil serem tratadas como convém. Acho que vai continuar esse desastre que a gente assiste todo dia. Política me assusta.

ISTOÉ – Você tem alguma lembrança curiosa de político?
Bethânia –
Sim. Na época da campanha das Diretas-já, fui para um dos comícios em Minas Gerais. No aeroporto, tinha uma socióloga estrangeira que estava no grupo, loura, dois metros de altura, olhos verdes. Eu desembarquei, dr. Tancredo (Neves) era o governador, veio falar comigo. Aí chegou um político muito importante que eu prefiro não dizer o nome, e o dr. Tancredo falou: “Fulano, esta é a Maria Bethânia.” O político foi direto na louraça de olhos verdes, apertou a mão dela e falou: “Maria Bethânia, muito prazer!”

ISTOÉ – Como se mantém magra a vida inteira?
Bethânia –
Tive um período mais gorda, na época da menopausa. Fiz cirurgia plástica nos seios, botei o peitinho no lugar. Não faço dieta, como de tudo. Mas sou vaidosíssima. Adoro cremes e perfumes. Sou eu que corto meu cabelo e faço minhas unhas.

ISTOÉ – Aos 60 anos, você já é considerada uma senhora idosa?
Bethânia –
Eu? Por mim, não! Mas outro dia, estava no carro com meu motorista e ouvimos no rádio o locutor dizer que a lei determinava que ônibus e vans interestaduais, acho, teriam de reservar lugares para a terceira idade a partir dos 60 anos. Falei: opa! Já estou com meu lugar garantido, vou nessa. Vou andar de graça de ônibus e de van.

ISTOÉ – Há um momento de glória para a MPB: Bethânia, Chico Buarque e
Caetano Veloso estão lançando discos inéditos.
Bethânia –
Nossa, quem sou eu para estar no meio deles? Deixa eu falar algo importante: Chico ter voltado depois de quase dez anos para a música, fazer um disco (Carioca) com inéditas e querer subir no palco, isso é um presente que o
Brasil merece por tanto sofrimento que passa. É um brinde de Deus. O disco
de Caetano () é autoral, quente, com uma energia de garoto de 18 anos, de poeta começando sua vida.

ISTOÉ – E você?
Bethânia –
Estou no meio dos dois maiores compositores da minha geração,
os mais importantes, os que mantêm meu repertório. Eu vivo das canções de
Chico e Caetano. Colocar-me no meio deles, eu fico meio assim, porque sou
só uma intérprete.

ISTOÉ – Seus dois discos são interligados pela palavra água. Por quê?
Bethânia –
Eu estudo a poesia de dona Sophia de Mello Breyner (poeta portuguesa já falecida) há muitos anos. A obra dela é, em grande parte, dedicada ao mar, que me atrai muito. Tenho certa fobia se não tiver água. Fico mal. Não posso passar sequer uma semana num lugar que não tenha água, um rio, um lago, mar. Meus sonhos têm água, sou atraída por água.

ISTOÉ – O seu show é o avesso da sua vida, não é? Show é exposição extrema e você vive praticamente reclusa.
Bethânia –
Eu gosto de estar no palco. Me sinto muito bem. Sou corajosa ali, é onde posso expressar completamente meu sentimento, pensamento, minhas escolhas. É uma tribuna muito nobre e muito divertida. Cantar, para mim, tem relação com brincar. Eu me lembro que uma de minhas primeiras brincadeiras foi a de cantar. Ficava em cima de uma árvore, cantando, cantando.

ISTOÉ – Por que é tão difícil falar com você quando não está lançando disco
ou fazendo show?
Bethânia –
Acho que a minha vida pessoal não interessa. O que eu acho interessante em mim, o que pode servir para a humanidade, está no palco. E, além disso, sou interiorana, tenho essa coisa mesmo caipirinha. Gosto de ficar quieta. Lógico que na minha juventude eu pintei e bordei no Rio, onde cheguei muito jovem. Hoje, eu gosto de ficar quieta, gosto de moda de viola, de cozinha, de amigos.

(© Isto É)


Bethânia canta mar e rio em novo show

Maria Bethânia lança "Mar de Sophia" e "Pirata"

“Perto de muita água tudo é feliz”. Maria Bethânia faz deste trecho de Guimarães Rosa a máxima de seus dois discos inéditos lançados separadamente, mas que, na verdade, se complementam, e juntos fecham o conceito pretendido pela cantora: Em “Mar de Sophia”, Bethânia canta o mar e seus símbolos a partir da poesia de Sophia de Mello Breyner. Já em “Pirata”, ela viaja pelo universo folclórico e afetivo das águas dos rios do interior do Brasil.

SÃO PAULO – No show “Dentro do Mar Tem Um Rio”, uma das intérpretes mais célebres da MPB, Maria Bethânia lança seus dois novos trabalhos, o CD “Mar de Sophia”, pelo selo Biscoito Fino, e “Pirata”, selo Quitanda.

 

“Perto de muita água tudo é feliz”. Maria Bethânia faz deste trecho de Guimarães Rosa a máxima de seus dois discos inéditos lançados separadamente, mas que, na verdade, se complementam, e juntos fecham o conceito pretendido pela cantora: Em “Mar de Sophia”, Bethânia canta o mar e seus símbolos a partir da poesia de Sophia de Mello Breyner. Já em “Pirata”, ela viaja pelo universo folclórico e afetivo das águas dos rios do interior do Brasil.

 

No novo espetáculo - dirigido por Bia Lessa (responsável pela direção dos dois últimos shows de Bethânia) - essas águas se encontram e se misturam harmoniosamente, cumprindo rigorosamente a premissa “Dentro do mar tem rio. Dentro de mim tem o quê? Vento, raio, trovão, as águas do meu querer...”, presente na letra de Capinam para a melodia de Roberto Mendes em “Beira-Mar”.

 

No universo de Bethânia, responsável pelo roteiro do show (que conta com a colaboração de Fauzi Arap), o rio de Jereré (da bucólica canção de Joubert de Carvalho e Olegário Mariano, “De Papo pro Ar”) e as águas tépidas do mar da Bahia (em “Kirimurê”, de Jota Velloso) estão muito próximos. Bethânia dá vazão às suas memórias e paixões para construir uma narrativa pontuada pela coerência e banhada pelas águas da simbologia que alimenta lendas, mitos e histórias.

 

“Esse show é pontuado por dualidades: Bethânia dentro do mar, e Bethânia observando o mar. Ao passo que ela se insere e mergulha profundamente nestas águas, possui também um distanciamento crítico. Ao mesmo tempo em que Bethânia perpassa toda aquela dramaticidade que é só dela, fruto de um entendimento absoluto da tragédia humana, ela está na verdade muito leve meio que rindo disso tudo. Esse espetáculo é uma grande radiografia de Bethânia através das águas, um diálogo entre ela e o universo”, sentencia Bia Lessa, diretora do show.

 

O sincretismo religioso marca presença através dos símbolos da religião africana, casos de “Canto de Oxum” (Vinicius de Moraes/Toquinho), “Yemanjá Rainha do Mar” (Paulo César Pinheiro/Pedro Amorim) e a autobiográfica “Dona do Raio e do Vento” (Paulo César Pinheiro); e do catolicismo com São Francisco - em “Francisco, Francisco” (Roberto Mendes/Capinam) - e São José - em “Meu Divino São José” (Domínio Público).

 

Temas como “Pedrinha Miudinha”, “Cantigas Populares” e “Cirandas”, todas de domínio público, evidenciam a força da criação singela e rica em significados do artista popular. A mítica figura do marinheiro, destemido e solitário, aparece tanto na baianidade de “Marinheiro Só” (Caetano Veloso) e do ijexá “Memórias do Mar” (Vevé Calzans e Jorge Portugal), quanto no fado “O Marujo Português” (Linhares Barbosa e Arthur Ribeiro).

 

Há canções desdde compositores contemporâneos, que comparecem com as inéditas “Eu Que Não Sei Quase Nada do Mar” (Ana Carolina/Jorge Vercilo), “Sereia de Água Doce” (Vanessa da Mata), “Grão de Mar” (Márcio Arantes e Chico César), com exceção da inconformada “Debaixo D’Água” (Arnaldo Antunes) - esta já gravada pelo compositor -, passando pelos conterrâneos Dorival Caymmi - em “Cantiga da Noiva” e “Canto de Nanã” -, Roberto Mendes – “Memória das Águas” (com Jorge Portugal) e “Francisco, Francisco” (com Capinam) -, além do irmão Caetano Veloso - “Onde Eu Nasci Passa Um Rio” e “Os Argonautas” -; até os clássicos Vinicius de Moraes – “Canto de Oxum” (parceria com Toquinho)-, Tom Jobim -“Praias Desertas”-, Edu Lobo – em “O Tempo e o Rio” (com Capinam)-, e até Heitor Villa Lobos - “Floresta do Amazonas”.

 

As águas de Bethânia também mergulham na cadência sincopada do samba, tanto o carioca - com o samba-enredo da Portela “Das Maravilhas do Mar”, “Fez-se o Esplendor de Uma Noite” (David Corrêa/ Jorge Machado) e “Água de Cachoeira” (Jovelina Pérola Negra/Labre/Carlito Cavalcanti) - quanto um legítimo representante do samba de roda baiano - com “Santo Amaro” (Roque Ferreira/Délcio Carvalho). Ligando este verdadeiro relicário de ritmos e temas, textos de Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Antonio Vieira (poetas que traduzem de forma muito peculiar a alma brasileira), além, é claro, dos poemas marítimos de Sophia de Mello Breyner.

 

Neste espetáculo, Bethânia celebra as águas que banham os sentimentos mais profundos: dos amores e desamores, da relação com a terra e tudo que dela emana, do enlace entre o sagrado e o humano, da reverência às próprias referências.

 

“Meu Deus deixou de lembrança/ Na história dos sambaquis/Na fome da minha gente/E nos traços que eu guardo em mim/Minha voz voz é flecha ardente/ Nos catimbós que vivem aqui”, profecia em Kirimurê. As águas aqui funcionam como uma alegoria do mundo captado e cantado por Bethânia, o que faz dela uma cronista do seu tempo e da sua gente.

 

Em cena, Bethânia é acompanhada por Jaime Alem (arranjos, regência, violão); Israel Dantas (violão, guitarra); João Carlos Coutinho (piano); Rômulo Gomes (baixo); Marcio Mallard (violoncelo); Carlos Balla (bateria e percussão) e Reginaldo Vargas (percussão). A cenografia é de Bia Lessa e Paulo Pederneiras.

 

(© Aplauso Brasil)


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