Gilda Mattoso, folclórica
colaboradora de Gil, Caetano, Bethânia, Chico, lança hoje o livro de
memórias Assessora de Encrenca
Jotabê Medeiros
Por
conta de sua atividade profissional, Gilda de Queirós Mattoso é daquele tipo
que sabe demais, perigosamente demais.
Durante os últimos 26 anos, pelo menos, era impossível chegar a astros da
MPB como Gilberto Gil, Tom Jobim, Caetano Veloso, Djavan, Chico, Maria
Bethânia, e outros sem passar pelo crivo dela. Foi casada dois anos com
Vinicius de Moraes. Entre 1980 e 1989, ela trabalhou no Departamento de
Imprensa das gravadoras Ariola e Polygram (hoje Universal). Depois, a partir
de 1989, passou a assessorar em sua própria empresa vários desses artistas e
outros tantos, como Zeca Pagodinho, Gal Costa, Afro Reggae.
Agora, Gilda Mattoso resolveu contar tudo que sabe. Esta noite, às 19 horas,
no Bar Genial (Rua Girassol, 374), ela lança o livro Assessora de Encrenca
(Ediouro, 240 páginas, R$ 34,90). O nome sugere uma cachoeira de revelações,
mas a própria Gilda se encarrega de jogar uma ducha de água fria nos
afoitos. 'Não é um livro de fofocas. Não sou o mordomo de Lady Di, não
espere nada bombástico. É um livro de crônicas que eventualmente eu vivi.'
De fato, Assessora de Encrenca (o nome é uma contribuição da filha Marina
quando criança, e não sabia dizer direito o nome da profissão da mãe,
assessora de imprensa) não vai jogar luz sobre os esqueletos que os grandes
da MPB guardam nos seus armários. Mas Gilda também rejeita a hipótese de ter
feito um livro chapa-branca, de textos autorizados. 'Não mostrei a ninguém.
Só Caetano leu, e era para escrever a apresentação. Não fez nenhuma
restrição.'
Assessora de Encrenca tem histórias que mereciam de fato vir à tona, ao
menos para engrossar a mitologia de alguns desses sujeitos. Como João
Gilberto. Uma das melhores histórias de Gilda é sobre como o excêntrico
violonista e gênio da bossa nova um dia a levou de madrugada para tomar uma
água-de-coco num quiosque na Serra da Grota Funda. O vendedor o conhecia,
mas apenas como um cliente de hábitos noturnos. Não sabia quem era João
Gilberto.
Em dado momento, o homem pediu: 'Seu João, e a viola? Não veio?' João
Gilberto foi até o porta-malas do carro, tirou o violão e fez mais um
concerto particular para o homem. Que, não satisfeito, enquanto João cantava
confidenciou a Gilda: 'Seu João toca que é uma beleza, mas canta tão
fraquinho.'. Virando-se para o músico, aplicou-lhe uns tapas nas costas:
'Canta, seu João, mas canta forte!'
Gilda abre seu livro com testemunhos de gente famosa. 'Conheci-a por
intermédio de Caetano, mas desde o primeiro dia tive a impressão de
conhecê-la desde sempre', diz o cineasta Pedro Almodóvar. 'Tem sido uma
anfitriã insuperável para apresentar-me seus amigos músicos, nesse tesouro
incomensurável que é a música brasileira.'
Caetano salienta a combinação, em sua personalidade, de 'irreverência e
recato, de veia satírica e discrição'. Foi ele a lhe arranjar o primeiro
emprego após ela deixar as poderosas multinacionais do disco. Gilda observa
o que acha que mais mudou hoje, do alto de sua experiência no negócio do
show biz. 'A indústria de celebridades, isso não existia', ela diz. 'Nos
anos 80, você ia ao Baixo Leblon e encontrava Alceu Valença, Marina, Gil.
Tom Jobim ia à padaria a pé. Vinicius era encontrado ali na Farmácia Piauí.
Ninguém tinha segurança, motorista, carro blindado com vidro preto. Não
havia essa loucura de paparazzi.'
Caetano
TOM, O REBELDE: Tom, caçula da família Veloso, alucinado por futebol, é
rubro-negro roxo, para desespero da mãe, Paula, tricolor de coração. Ao
contrário dos irmãos, Moreno e Zeca, não é muito ligado em música e não tem
paciência para shows, para ouvir CDs, sequer ver o pai cantando na TV. Às
vezes, Caetano insistia:
- Meu filho, você não quer que seu pai toque e cante uma música para você
dormir? Seus irmãos gostavam tanto quando eram menores?
- Então tá, pai. Pode ser, mas rapidinho. Você sabe tocar o hino do
Flamengo?
Almodóvar
PAULA E PEDRO: Estávamos em Londres, em 1999. Caetano ia fazer um show no
Royal Albert Hall. O embaixador do Brasil ofereceu lugar na frisa dele para
Paula e mais algum convidado se instalarem. Pouco antes do início do
concerto, Paula e Pedro Almodóvar, que tinha ido de Madri a Londres para ver
o show, se dirigiram à tal frisa. O segurança perguntou quem eram:
- Sou a mulher de Caetano Veloso.
O agente agradeceu, e repetiu a pergunta a Almodóvar, que respondeu:
- Yo también.
Renato Russo
HAY QUE ENDURECER: A conversa era um mix de espanhol e italiano, e achei
melhor (ou terá sido pior?), porque Renato podia participar. A conversa
caiu, como era previsto, em Cuba, Fidel, Che, etc. Acontece que Miná foi o
primeiro italiano a entrevistar o Che e tornou-se grande amigo de Cuba e dos
cubanos. De repente, o escritor peruano pergunta a Renato o que ele achava
de Cuba e Renato, na lata e no pé, diz:
- Não gosto nadinha, pois sabem o que eles fazem lá com homossexuais como
eu? Mandam pro paredão!
Vinicius
SONETO DO PELADÃO: Mas o melhor lance ocorreu quando Vinicius fazia um show
com Maria Creuza e Toquinho em Montevidéu. Lá pelo fim do show, Maria Creuza
cantava 'Eu sei que vou te amar enquanto ele recitava o Soneto da
Fidelidade. Mandava o roteiro que, perto do final da música, ele se
aproximasse de Maria Creuza, a enlaçasse e cantasse com ela o fim da música.
Por ter ficado muito tempo sentado, o cinto cedeu, talvez por conta da
barriguinha, e a calça escorregou-lhe pelas pernas abaixo. Detalhe: Vinicius
não usava cueca.
SERVIÇO:
Assessora de Encrenca. De Gilda Mattoso. Ediouro. 240
págs. R$ 34,90. Bar Genial. Rua Girassol, 374, Vila Madalena, 3812-7442.
Hoje, às 19 h
(©
Agência Estado)
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